A bola fora de Janja Lula da Silva na China ainda movimenta um setor da imprensa independente que tenta explicar o inexplicável. Como é o caso do artigo Compadres e comadres estão em polvorosa: Janja não para de falar, de Moisés Mendes, publicado nesta segunda-feira (19) no Brasil 247.

O debate desse tema é raramente abordado de maneira correta, como se vê logo no primeiro parágrafo, onde se lê que “mulheres e homens atormentados, sincera ou cinicamente, pelo atrevimento das perguntas feitas por Janja em Pequim devem buscar o conforto das convenções e das normalidades”. Mas não se trata apenas de “atrevimento” e sim de uma conduta inapropriada da primeira-dama.

Janja não foi eleita por ninguém, ser primeira-dama não é cargo, mas uma condição. Ela também não faz parte do corpo diplomático brasileiro. Não bastasse isso, pediu que o presidente chinês interviesse em uma empresa que está sendo atacada diretamente pelo imperialismo, tanto americano como do bloco europeu.

Quando Mendes trata as pessoas por “compadres e comadres”, portanto, querendo dizer que se trata de fofoca, desvirtua o debate e o leva para um terreno que, seja como for, não favorece o governo. Tratar o tema dessa forma, ou seja, buscar retirar do plano político e trazê-lo para o pessoal, irá explicitar um fato espinhoso para o governo: as pessoas não querem ser censuradas, querem poder falar o que bem entendem nas redes, sem que correrem o risco de bloqueio de contas, investigações e até eventuais prisões, como já se vê acontecer no “democrático” Reino Unido.

Feminismo fora de propósito

Mendes tenta apelar para a suposta importância que a mulher vem conquistando, argumenta que “a revista Exame tem apresentado com insistência modelos de mulheres gestoras e/ou empreendedoras que avançam, passam a mandar e até ficam ricas em cenários masculinos. É uma tendência antiga, mas nunca como agora”. Ocorre que isso não tem nada a ver com o caso, ser primeira-dama, finalmente, não é – pelo menos não deveria ser -, um empreendimento.

O jornalista continua e diz que “ganha destaque a prosperidade feminina no ambiente de machos centralizadores e mandões. São mulheres que cuidam do marido, da casa, dos filhos e do empreendimento a que se dedicam, como executivas ou como donas dos negócios”. Como se vê, é um tipo de argumento que gera perplexidade, pois isso também não diz respeito ao fato de Janja ter quebrado uma regra de etiqueta e não em qualquer situação, mas em uma visita internacional da presidência da República a outro chefe de Estado.

Como se vê, o debate caminha para o lado do machismo, como se criticar uma conduta equivocada de uma mulher, seja ela quem for, seja em si uma atitude machista.

Após enaltecer o empreendedorismo, o articulista tenta retomar o fio da meada dizendo que “mulheres empreendedoras trabalham para ganhar dinheiro, o que é legítimo. Mas dificilmente afrontam convenções no que essas têm de mais inflexível. Não vislumbram nada à margem do empreendedorismo e raramente questionam estruturas de poder”.

A esquerda não se cansa de repetir chavões que, no fundo, nada significam, como “estruturas de poder”, “disputa de narrativa”, etc. Mendes, porém, não se contenta com seu artigo surreal e passa a dizer que “em outros campos, inclusive o da política, há as que ocupam espaços para reproduzir os modos da direita, com tradição, família, propriedade, Deus acima de tudo e, se possível, com bala e boiada”. Em outras palavras, como é do senso comum, no mundo tem de tudo.

O que é incomodar?

Depois de tantas voltas, finalmente, Moisés chega aonde queria: “há as mulheres que incomodam, transgridem e provocam desconforto, geralmente à esquerda”.

Quando uma mulher de esquerda incomoda, é pelo fato de afrontar o mundo burguês, sua ideologia, isso não tem nada a ver com pedir censura nas redes sociais.

Não faz o menor sentido dizer que o “o novo figurino de Janja é não ter figurino”. É preciso repetir, ela não foi eleita para representar o País. Não deve, portanto, fazer o que bem entender quando o assunto for a condução do Estado e assuntos diplomáticos.

O ataque da grande imprensa à primeira-dama não se deve a um suposto “Janja precisa ser contida”, é atacada porque a burguesia percebeu um flanco aberto e o vai explorar contra o governo.

Suposições

Seguindo em seu artigo, Mendes diz que Janja “manda dizer, depois do cerco do machismo, que não teria feito o mesmo com um homem – se um macho tivesse levantado a questão do TikTok em Pequim –, é que não vai ficar quieta”. De novo, o jornalista volta ao tema do machismo e, pior, dá notícia de que a primeira-dama, em vez de admitir o erro, vai continuar dando bolas fora que, seguramente, darão mais munição contra o presidente Lula.

Não se pode dizer que “se um macho tivesse levantado a questão” tudo seria diferente, isso não passa de uma suposição. O terreno da suposição é livre. Podemos supor que se, eventualmente, fosse o filho do Lula, a repercussão teria sido a mesma, mas não é isso que interessa discutir.

Para piorar, como mostra o artigo, na abertura da Semana Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Janja teria dito “não há protocolo que me faça calar se eu tiver uma oportunidade de falar sobre isso com qualquer pessoa que seja, do maior grau ao menor grau, do mais alto nível a qualquer cidadão comum”.

Finalizando, Moisés Mendes questiona “quem da mídia das corporações dará capa para que Janja fale da pauta de Pequim? Quais são as publicações, editadas por homens ou mulheres, que não temem o que Janja”.

Honestamente, a grande imprensa não teme Janja Lula da Silva nem minimamente. Na verdade, assim como a primeira-dama, deseja e apoia a censura das redes sociais. Ainda que tenham o mesmo objetivo, porém, não vai perder uma chance de ouro dessas de minar o governo e gradativamente, abrir caminho para um candidato de seu gosto para o próximo mandato presidencial.

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Last Update: 21/05/2025