Na última terça-feira (20), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu, por unanimidade, a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra 10 dos 12 acusados do chamado “núcleo de ações coercitivas” de uma suposta tentativa de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas eleições de 2022. Os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin tornaram réus nove militares do Exército e um agente da Polícia Federal, que agora responderão por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A decisão marca a abertura de um processo penal, mas o julgamento do mérito ocorrerá apenas após a instrução, com depoimentos e novas provas. Os réus são os coronéis Bernardo Romão Correa Netto, Fabrício Moreira de Bastos, Hélio Ferreira Lima, Márcio Nunes de Resende Júnior e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros; os tenentes-coronéis Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Ronald Ferreira de Araújo Júnior; o general Estevam Theóphilo; e o agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares.
A denúncia contra o coronel Cleverson Ney Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues foi rejeitada por falta de indícios. A PGR acusa o grupo de executar “ações táticas” para pressionar o alto comando do Exército a apoiar o suposto golpe, incluindo a “Carta ao Comandante do Exército”, divulgada após o segundo turno de 2022, com críticas ao Judiciário e menções à “instabilidade política”.
Também é citada na denúncia operações como o “Plano Punhal Verde e Amarelo” e a “Operação Copa 2022”, que envolveriam monitoramento de autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A sessão começou com a leitura da denúncia pela subprocuradora Cláudia Sampaio Marques, que defendeu a abertura da ação penal, alegando que os acusados “exerceram papel relevante na execução de estratégias de ruptura democrática”.
Marques destacou mensagens interceptadas que, segundo a PGR, comprovam articulações para neutralizar autoridades e cooptar militares. As defesas, porém, criticaram as acusações como frágeis, chamando uma suposta reunião dos “Kids Pretos” — militares das Forças Especiais — de “conversa de bar”. Os advogados negaram intenções golpistas, questionaram a individualização das acusações e pediram a suspeição de Moraes, alegando parcialidade. Porém, todos os pedidos preliminares foram rejeitados.
Durante as sustentações orais, os advogados foram enfáticos. Luiz Gustavo Pereira, defensor de Bernardo Romão Correa Netto, afirmou: “não há prova de que a conversa ultrapassou uma cogitação. Era uma confraternização, não um plano”. Igor Vasconcelos Laboissiere, advogado de Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, questionou também: “quando os comandantes aderiram ao suposto golpe? Não se pune tentativa com meios ineficazes, e não houve adesão das Forças Armadas”.
Jeffrey Chiquini da Costa, que representa Rodrigo Bezerra de Azevedo, contestou a acusação de monitoramento de Moraes, apresentando dados do histórico do GPS da fabricante de aparelhos digitais Apple, comprovando que Azevedo estava com a família no dia apontado: “vão dizer que a Apple mente? A PGR ignorou essas provas”, criticou. A defesa de Wladimir Matos Soares, por Bruno Medeiros, negou que ele tenha vazado informações sigilosas, afirmando: “Soares apenas cumpria seu papel na segurança de Lula. Não há vínculo com os militares acusados”.
Outros advogados, como o de Márcio Nunes de Resende Júnior, disseram que a “Carta ao Comandante” já estava pronta antes de seu cliente tomar conhecimento, enquanto a defesa de Hélio Ferreira Lima alegou que suas análises de inteligência eram rotineiras, como em outros eventos, como a posse de Michel Temer.
Os votos dos ministros revelaram diferentes enfoques. Alexandre de Moraes, relator, adotou tom histérico, centrando seu voto na “defesa da democracia” em vez de atos criminosos específicos, afirmando que “as Forças Armadas não são poder moderador, não substituem o imperador. Quem perde eleição vai para casa e tenta voltar em quatro anos. Não era conversa de bar para jogar conversa fora, mas para jogar a democracia fora”.
Moraes leu mensagens que, segundo ele, comprovam articulações, ironizando: “se fosse para tomar cerveja, não apagariam mensagens”, disse. Ex-ministro e apoiador de Aécio Neves na campanha presidencial de 2014, Flávio Dino destacou a gravidade do envolvimento militar: “Forças Armadas sem hierarquia e disciplina são uma ameaça ao Estado Democrático”, repetindo a tática de Moraes de destacar a luta política em detrimento do mérito das acusações.
Cármen Lúcia chamou as acusações de “gravíssimas”, apontando “largo período de preparação contra a Constituição”. Mais cauteloso, Luiz Fux disse que a pressão “de baixo para cima” precisa ser esclarecida na instrução, enquanto Cristiano Zanin reforçou que não há “juízo de culpa” nesta fase.
O processo já tornou réus 21 pessoas de outros núcleos, incluindo Bolsonaro. A denúncia baseia-se em mensagens e, principalmente, na delação de Mauro Cid, que descreveu a suposta reunião dos chamados “Kids Pretos”. A PGR, porém, insiste que o grupo planejou ações violentas, como o monitoramento de Moraes, Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, além de vazar a “Carta ao Comandante” ao apresentador Paulo Figueiredo, da Jovem Pan, para amplificar ataques a comandantes resistentes. O advogado de Azevedo, preso há seis meses, questionou a apreensão de 1.200 celulares sem menção a seu cliente, comparando o caso a operações contra o narcotráfico para destacar o ineditismo de tamanho gesto.
As repercussões são amplas. Militares da ativa enfrentam restrições na carreira, como a impossibilidade de promoção, e, se condenados, podem ser expulsos pelo Superior Tribunal Militar (STM).
A PGR pediu procedimento disciplinar contra Soares por áudios onde ele fala em “matar meio mundo” e prender ministros, mas Moraes negou adiamento do julgamento, afirmando que os áudios não integram a denúncia. O processo contra Paulo Figueiredo será julgado separadamente, devido à sua residência no exterior.
Enquanto o STF acelera o caso para evitar impacto nas eleições de 2026, as defesas prometem contestar cada etapa, apontando as evidências da perseguição política. O caso, longe de encerrado, evidencia a fragilidade de acusações que, de fato, são baseadas em “conversas de bar”.