Uma comparação entre os casos de Daniel Jadue, Lula da Silva, Rafael Correa, Cristina Fernández e Evo Morales
O lawfare, ou guerra jurídica, é compreendido como o uso estratégico do aparato judicial com fins políticos, em aliança com os meios hegemônicos de comunicação, com o objetivo de neutralizar líderes progressistas e governos populares do Sul Global. Em palavras simples, trata-se de uma perseguição política realizada por meio do sistema judicial, com apoio da grande mídia, para silenciar a dissidência em relação à ordem neoliberal vigente. Em essência, o lawfare atua como um mecanismo de disciplinamento político, destinado a excluir do cenário institucional aqueles que promovem projetos de transformação social, ao mesmo tempo em que desestimula a participação política de quem busca impulsionar mudanças estruturais na sociedade.
Esse fenômeno se consolida em contextos de alta polarização política, onde o confronto entre projetos progressistas e conservadores se intensifica. No Brasil, após o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, iniciou-se um ciclo de ofensiva institucional contra lideranças de esquerda, marcado pelo uso político do sistema judicial. No Chile, o estallido social de 2019 desencadeou uma forte reação conservadora diante do avanço de propostas transformadoras, gerando um clima propício à instrumentalização de instituições judiciais fragilizadas.
Os casos de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, e Daniel Jadue, ex-prefeito de Recoleta, no Chile, são exemplos paradigmáticos dessa prática. Por meio de dez critérios, este artigo analisa ambos os processos a partir de táticas comuns em casos de lawfare — de acusações sem provas a campanhas midiáticas estigmatizantes — e os compara com outros casos, como os de Rafael Correa no Equador, Cristina Fernández na Argentina e Evo Morales na Bolívia, para revelar um padrão regional que mina a soberania popular.
- Instrumentalização do direito e falta de provas sólidas
O lawfare se baseia em acusações frágeis, elaboradas mais para punir do que para provar. Em 2017, Lula foi condenado no caso do tríplex do Guarujá sem qualquer prova documental que comprovasse sua propriedade ou uso do imóvel. A sentença se baseou no depoimento de Léo Pinheiro, ex-executivo da OAS, que alterou sua versão após negociar benefícios penais, conforme revelado pelo The Intercept em 2019. O Supremo Tribunal Federal anulou a condenação em 2021, apontando graves irregularidades processuais.
De forma semelhante, desde outubro de 2021, Daniel Jadue enfrenta uma investigação em que é acusado de fraude ao Fisco em compras realizadas durante a pandemia, corrupção passiva e crime falimentar. Também é vinculado a uma dívida de 1 bilhão de pesos chilenos (cerca de 1 milhão de dólares) referente à Achifarp, por suposta fraude em uma transação com a empresa Best Quality. Não há indícios ou acusações de enriquecimento pessoal, e as imputações se baseiam em testemunhos contraditórios, como o de César Ramírez, que possui antecedentes por estelionato. Em maio de 2024, um dos querelantes reconheceu perante a juíza a falta de provas sólidas; e em setembro, a juíza Paula Brito expressou dúvidas sobre a existência de crimes e sobre a participação direta de Jadue.
Na Argentina, Cristina Fernández de Kirchner foi acusada no caso “Vialidad” (2019) por suposta corrupção na adjudicação de obras públicas. A acusação, porém, baseava-se sobretudo em conjeturas sobre sua influência política, sem documentos que comprovassem desvio de recursos.
No Equador, Rafael Correa foi condenado no caso “Subornos”, baseado em provas altamente questionadas, como uma planilha de Excel sem assinatura e e-mails sem perícia. A sentença foi confirmada em tempo recorde, pouco antes do fim do prazo para registro de candidaturas, impedindo sua participação eleitoral.
Esses casos revelam a instrumentalização do direito penal para enfraquecer figuras de liderança progressista. Em todos eles, as acusações carecem de provas materiais contundentes, baseiam-se em testemunhas duvidosas e apresentam graves falhas processuais.
- Objetivos extralegais
O lawfare busca inabilitar politicamente seus alvos, priorizando objetivos políticos em detrimento da justiça. No Brasil, Lula — líder do Partido dos Trabalhadores (PT) — foi preso em abril de 2018 após condenação em segunda instância, o que o impediu de disputar as eleições presidenciais de outubro daquele ano, nas quais liderava as pesquisas, com 39% das intenções de voto (Datafolha). Sua exclusão abriu caminho para a vitória de Jair Bolsonaro.
No Chile, Daniel Jadue obteve 39,4% nas primárias presidenciais de 2021 e era amplamente considerado uma figura em ascensão, com potencial para disputar as eleições de 2025. Sua prisão preventiva, decretada em 3 de junho de 2024, o obrigou a deixar a prefeitura de Recoleta após 45 dias, interrompendo 12 anos de gestão com expressivo apoio popular (41% dos votos em 2012, 56% em 2016 e 64% em 2021). Essa medida afetou sua influência nas eleições municipais de outubro de 2024 e limitou sua projeção presidencial. Diversas organizações internacionais, como a Associação Americana de Juristas (AAJ), a International Association of Democratic Lawyers (IADL), a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), a Rede Lawfare Nunca Mais, o Coletivo por um Ministério Público Transformador (TRANSFORMA MP), o Serviço Paz e Justiça (SERPAJ Brasil), o ALBA Movimentos e o Comitê Pan-Americano de Juízas e Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana (COPAJU), denunciaram tentativa de proscrição com o objetivo de barrar seu projeto progressista, centrado em políticas de desmercantilização da vida, como as Farmácias Populares.
Esses casos evidenciam um padrão comum: o lawfare atua como um mecanismo de neutralização de projetos progressistas, retirando lideranças populares da arena política para limitar sua influência e alterar o curso democrático.
- Seletividade
A perseguição seletiva é uma marca registrada do lawfare, já que líderes progressistas são submetidos a um tratamento desproporcional em comparação com figuras alinhadas ao poder.
No Brasil, a Operação Lava Jato investigou diversos partidos e políticos, mas a maior visibilidade, judicialização e número de condenações recaíram sobre membros do Partido dos Trabalhadores (PT), especialmente Lula. Michel Temer — acusado de corrupção no caso JBS e ator central no impeachment de Dilma Rousseff, classificado por muitos como um golpe institucional — evitou a prisão graças ao apoio da Câmara dos Deputados, que negou a autorização para que seu julgamento prosseguisse no Supremo Tribunal Federal em 2017.
No Chile, Daniel Jadue foi submetido à prisão preventiva em 2024 por conta de uma suposta dívida de um milhão de dólares relacionada à Achifarp, apesar da ausência de provas de enriquecimento pessoal. Em contraste, casos de impacto significativamente maior sequer resultaram em abertura de processos judiciais. Um exemplo emblemático é o de Jaime Mañalich, ex-ministro da Saúde no governo de Sebastián Piñera, que sequer foi processado, mesmo após um relatório da Controladoria-Geral da República, divulgado em 2021, apontar a perda de 3,8 bilhões de pesos em medicamentos vencidos durante sua gestão na pandemia de COVID-19. O informe detalhou falhas graves na gestão de estoques e na distribuição de insumos médicos em um dos períodos mais críticos da crise sanitária, sem que isso tenha resultado em responsabilização penal do ex-ministro.
No Equador, enquanto Rafael Correa foi condenado, em 2020, a oito anos de prisão e inabilitação política por suposta corrupção no caso “Subornos”, processos envolvendo governos conservadores, como o escândalo do Isspol — que envolveu fraudes milionárias no fundo de pensão da Polícia — avançaram de forma lenta e sem condenações firmes até hoje.
Essa disparidade revela um viés sistemático contra líderes de esquerda que desafiam o status quo.
- Apoio midiático
Os meios de comunicação hegemônicos desempenham um papel central no lawfare, ao amplificar narrativas condenatórias que corroem a presunção de inocência e moldam a opinião pública antes mesmo de qualquer julgamento.
No Brasil, o conglomerado Globo liderou uma ofensiva midiática contra Lula durante a Operação Lava Jato, dedicando ampla cobertura a denúncias de corrupção entre 2014 e 2018, com foco desproporcional no PT. Análises do Observatório de Mídia da UFRJ e de outros estudos acadêmicos mostraram como vazamentos seletivos da força-tarefa eram apresentados ao público de forma a induzir à culpabilidade do ex-presidente antes do julgamento.
No Chile, o jornal La Tercera publicou 557 matérias contra Daniel Jadue entre 2021 e 2024, segundo levantamento do jornalista Francisco Herreros, incluindo vazamentos que violavam o sigilo do processo. Imagens de Jadue algemado em junho de 2024 foram amplamente retransmitidas por canais como Mega e TVN, gerando uma percepção pública de criminalidade, mesmo sem sentença ou provas definitivas.
Na Argentina, os jornais Clarín e La Nación desempenharam papel semelhante no caso “Cuadernos” (2018), contra Cristina Fernández de Kirchner, ao divulgar supostos diários de um motorista como prova de corrupção, sem verificar sua autenticidade. A cobertura midiática gerou condenação pública antes mesmo do julgamento judicial.
Esses casos demonstram como os grandes meios de comunicação operam em sincronia com setores judiciais e políticos para legitimar a perseguição a líderes progressistas, desgastando sua imagem pública e comprometendo as condições para um julgamento justo.
- Abuso de instituições
O lawfare depende do funcionamento de instituições judiciais parcializadas, que exageram ou fabricam acusações para cumprir objetivos políticos.
No Brasil, o então juiz de primeira instância Sergio Moro atuou com parcialidade no caso de Lula, coordenando-se com os procuradores da Operação Lava Jato, como revelado pelas mensagens divulgadas pelo The Intercept em 2019. Essa conduta levou o Supremo Tribunal Federal a declarar sua suspeição em 2021 — decisão que foi respaldada, em 2022, por parecer do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que concluiu que Moro violou o direito de Lula a um julgamento justo e imparcial, em desacordo com o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
No Chile, a promotora Giovanna Herrera, responsável pela investigação contra Daniel Jadue, foi questionada por possíveis conflitos de interesse devido a seus vínculos familiares com uma rede de farmácias concorrente das Farmácias Populares: ela é concunhada de Javier Vega Sepúlveda, fundador da “Farmacias Fracción”, que, segundo seu site institucional, pretende “melhorar o acesso a medicamentos para as famílias chilenas e (…) alcançar todo o país com preços justos, sendo líderes e pioneiros no fracionamento de medicamentos”, uma missão bastante similar à das farmácias populares. Apesar dessa possível parcialidade, a juíza Paulina Moya decretou prisão preventiva para Jadue em junho de 2024, classificando-o como “perigo para a sociedade” — mesmo diante de sua ficha limpa e da disposição em colaborar com a Justiça —, contrariando os padrões estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
No Equador, juízes alinhados ao governo de Lenín Moreno condenaram Rafael Correa no chamado caso “Subornos”, num contexto de ruptura política entre ambos os líderes. O processo foi marcado por diversas irregularidades processuais, denunciadas por juristas e organismos internacionais, que colocaram em dúvida a sua legitimidade.
O lawfare não opera no vazio: depende de uma estrutura institucional disposta a subverter o Estado de Direito para fins de perseguição política.
- Uso de teorias jurídicas controversas
O lawfare se apoia em construções jurídicas duvidosas para criminalizar a ação política e enfraquecer lideranças populares.
No caso de Lula, utilizou-se a teoria do domínio do fato, aplicada de forma distorcida para responsabilizá-lo penalmente por atos cometidos por terceiros. A acusação partiu da premissa de que, por ser presidente, ele “deveria saber” dos casos de corrupção na Petrobras, mesmo sem apresentar provas diretas. Essa interpretação foi duramente criticada em 2020 pelo próprio criador da teoria, o jurista alemão Claus Roxin, que afirmou que ela estava sendo desvirtuada e violava o princípio da responsabilidade penal individual.
No Chile, Daniel Jadue enfrenta uma acusação construída com base na mesma lógica: ele é responsabilizado por decisões administrativas tomadas por terceiros durante a pandemia, no âmbito da Associação Chilena de Farmácias Populares (Achifarp). Em 2024, o Ministério Público ainda acrescentou a tese da “bicicleta fiscal”, alegando que compras em excesso de produtos como Interferon (medicamento antiviral usado no tratamento de infecções respiratórias e outras doenças), próteses auditivas e máscaras teriam sido feitas para simular solvência financeira, esconder dívidas e proteger a imagem eleitoral de Jadue. Essa argumentação lembra a “pedalada fiscal” usada como justificativa para o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil em 2016 — acusação baseada no atraso de repasses para mascarar déficits, algo até então tratado como prática administrativa comum e nunca punida criminalmente. No caso de Jadue, também não há provas de intenção fraudulenta: as compras ocorreram em um contexto de emergência sanitária, com decisões tomadas sob alta incerteza, podendo refletir necessidades urgentes e não manipulação deliberada.
No Equador, o tribunal usou a tese do “influxo psíquico” para afirmar que Correa teria influenciado seus subordinados a cometer atos de corrupção, mesmo sem ordem direta. Essa construção jurídica ad hoc, sem respaldo no direito penal comparado, foi classificada pelo jurista Eugenio Zaffaroni como uma “aberração jurídica”.
Esses casos mostram como o lawfare borra as fronteiras entre gestão pública e crime, minando garantias fundamentais e enfraquecendo lideranças progressistas por meio de ficções legais.
- Impacto e medidas desproporcionais
O lawfare recorre a medidas extremas que geram danos irreparáveis, antes mesmo de qualquer condenação definitiva.
Lula passou 580 dias preso entre 2018 e 2019, sendo impedido de disputar as eleições presidenciais de 2018. Sua prisão foi transmitida ao vivo por diversos canais, gerando uma estigmatização pública duradoura. Mesmo após a anulação de sua condenação em 2021, o dano à sua reputação política permaneceu por anos.
No Chile, Daniel Jadue foi submetido à prisão preventiva de junho a setembro de 2024, o que resultou em sua destituição automática do cargo de prefeito de Recoleta: a Lei Orgânica Constitucional das Municipalidades prevê a remoção após 45 dias de ausência. Desde então, permanece em prisão domiciliar, o que compromete sua atuação política. Essas sanções foram impostas sem que houvesse condenação judicial, ou mesmo uma acusação formal do Ministério Público, afetando diretamente sua trajetória e visibilidade pública.
Na Bolívia, Evo Morales foi forçado ao exílio em 2019 após acusações de fraude eleitoral. Posteriormente, um estudo do MIT, em 2020, demonstrou que não houve irregularidades estatísticas no processo de contagem de votos, contrariando as alegações da OEA. A interrupção abrupta de seu mandato e o exílio causaram um dano profundo ao seu movimento político e à estabilidade democrática do país.
Sanções como prisão, destituição e exílio atuam, nesses contextos, como penas antecipadas, enfraquecendo projetos políticos antes de um julgamento justo, em clara violação ao princípio da presunção de inocência e à soberania popular.
- Momento suspeito
O lawfare sincroniza acusações e medidas judiciais com o calendário eleitoral, maximizando seu impacto político.
No Brasil, Lula foi condenado em 2017 e preso em abril de 2018, apenas seis meses antes das eleições presidenciais de outubro daquele ano — nas quais liderava todas as pesquisas. Sua exclusão da disputa foi decisiva para a vitória de Jair Bolsonaro.
No Chile, a denúncia contra Daniel Jadue teve início em outubro de 2021, logo após sua expressiva votação nas primárias presidenciais de julho do mesmo ano, onde obteve 39,4% dos votos. O caso avançou lentamente até 2024, quando a formalização da investigação contra Jadue (em maio) e a decretação de sua prisão preventiva (em junho) coincidiram com os preparativos para as eleições municipais de outubro. Nessas eleições, Jadue apoiava o candidato do partido conunista em Recoleta. Sua destituição e a prisão domiciliar, que se prolongam até 2025, limitam sua projeção como possível presidenciável do Partido Comunista para novembro daquele ano.
No Equador, Rafael Correa foi condenado em abril de 2020, exatamente dez meses antes das eleições presidenciais de 2021, ficando inelegível e impedido de influenciar diretamente no processo eleitoral.
Esses casos evidenciam um padrão: neutralizar lideranças progressistas justamente no momento em que sua presença poderia ser decisiva nas urnas, configurando um uso estratégico do sistema judicial para desequilibrar o jogo democrático.
- Interesses econômicos
Atores econômicos se beneficiam do lawfare ao eliminar lideranças que ameaçam seus lucros e privilégios.
No Brasil, a Operação Lava Jato enfraqueceu a Petrobras, que perdeu 43,6% de seu valor de mercado em 2014. Isso abriu espaço para a entrada de multinacionais como ExxonMobil e Shell no pré-sal, após mudanças nas regras de conteúdo local em 2017, durante o governo Temer.
No Chile, as Farmácias Populares criadas por Daniel Jadue reduziram em até 70% o preço de medicamentos, segundo dados municipais, desafiando o oligopólio de redes privadas como Cruz Verde, Ahumada e Salcobrand, que controlam 90% do mercado e foram condenadas por cartel em 2008. A denúncia contra Jadue foi iniciada pela empresa Best Quality, ligada a advogados envolvidos no caso Hermosilla — escândalo que revelou redes de corrupção associadas à direita chilena e a interesses empresariais, que influenciaram por anos a escolha de juízes e ministros do Poder Judiciário. Durante seu mandato, Jadue também confrontou projetos imobiliários emblemáticos de setores conservadores, como o da Universidade San Sebastián e da imobiliária Desarrollo Inmobiliario Bellavista S.A., que construiu edifícios com licenças municipais irregulares. A paralisação dessas obras provocou perdas milionárias e atritos com o empresariado local.
Na Argentina, os processos contra Cristina Fernández, como o caso “Hotesur” (2014–2021), coincidiram com tentativas de desregulamentar os setores de energia e telecomunicações, beneficiando grandes grupos como Techint e Clarín durante o governo de Mauricio Macri.
Esses exemplos mostram como o lawfare favorece interesses econômicos ameaçados por políticas progressistas, funcionando como uma ferramenta de restauração neoliberal.
- Prolongamento indevido do processo
O lawfare estende artificialmente os processos judiciais como forma de desgaste, drenando recursos, paralisando carreiras e mantendo os acusados sob constante vigilância e suspeita.
Lula enfrentou investigações desde 2014, foi preso em 2018 e teve suas condenações anuladas apenas em 2021 — um ciclo de sete anos de judicialização que o afastou da política institucional.
Daniel Jadue está sob investigação desde outubro de 2021 e, até abril de 2025, o caso segue sem resolução definitiva. Houve uma reformalização da investigação em janeiro de 2025 e outra já anunciada para maio, o que revela um padrão de adaptações constantes para manter viva a perseguição judicial.
Na Bolívia, Evo Morales foi acusado de “terrorismo” e “sedição” em 2019, com base na divulgação de um áudio cuja autenticidade foi contestada por peritos independentes. Embora um tribunal tenha anulado as acusações em 2020 por falta de devido processo, outras investigações foram mantidas abertas ou reativadas esporadicamente, criando um ambiente permanente de judicialização.
Esse tipo de dilação revela uma estratégia típica do lawfare: manter a sombra da suspeita mesmo na ausência de provas conclusivas ou de um encerramento formal do caso, limitando a participação política dos acusados e promovendo o desgaste progressivo de suas trajetórias.
Conclusão
Os casos analisados evidenciam que o lawfare não é um desvio isolado, mas uma estratégia sistemática e transnacional de desarticulação de projetos progressistas. Trata-se da instrumentalização coordenada do sistema judicial e da grande mídia, em contextos de polarização política, para criminalizar lideranças populares, restringir a soberania do voto e garantir a continuidade dos interesses das elites econômicas e políticas.
Essa prática compromete os fundamentos do Estado de Direito e da democracia, ao corroer a imparcialidade judicial, violar garantias processuais essenciais e impor sanções antecipadas que deslegitimam a atuação política mesmo antes de qualquer condenação.
Combater o lawfare exige uma resposta multidimensional: promover a conscientização pública por meio de campanhas educativas, fortalecer os meios de comunicação alternativos que desfaçam as narrativas estigmatizantes e articular-se com organizações internacionais para garantir julgamentos justos e transparentes. Além disso, é fundamental promover uma reforma estrutural do sistema de justiça que assegure sua independência, legitimidade e alinhamento com os princípios democráticos.
Para detectar e neutralizar o lawfare, é essencial criar observatórios independentes que monitorem a atuação do sistema de justiça, estabelecer protocolos que garantam o respeito ao devido processo legal, implementar canais seguros de denúncia para vítimas de perseguição judicial com motivação política e promover formações permanentes em direitos humanos para operadores do direito. Além disso, é necessário avançar em iniciativas legislativas que reconheçam e responsabilizem o uso abusivo do aparato judicial com fins políticos, reforçando o compromisso das instituições com a democracia, a imparcialidade e os direitos fundamentais.
Combater o lawfare não é apenas uma tarefa jurídica ou política: é uma condição fundamental para preservar a democracia e garantir que a justiça atue como verdadeiro pilar dos direitos e da soberania popular.