Em 9 de maio de 2025, a Rússia celebrou os 80 anos da vitória sobre o nazismo na Grande Guerra Patriótica (1941-1945), ocasião em que a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), sacramentou a vitória sobre a Alemanha Nazista, em um dos eventos mais significativos da história. As comemorações foram marcadas por um profundo senso de memória coletiva, orgulho patriótico e mensagens geopolíticas contextualizadas pelo atual cenário internacional. Houve celebrações em todo o país. O evento central ocorreu na capital, Moscou, na Praça Vermelha, com um grande desfile militar exibindo equipamentos da Segunda Grande Guerra, assim como os muito modernos, que o país dispõe.

O Dia da Vitória comemora a rendição da Alemanha nazista em 9 de maio de 1945, após a tomada de Berlim pelo Exército Vermelho. Estima-se que a URSS perdeu na guerra cerca de 27 milhões de vidas. O número, por si só, já revela a importância que tem a data para o povo russo (que perdeu 13,9 das 27 milhões de pessoas). Sem sombra de dúvidas, a vitória sobre os nazistas é um pilar da identidade nacional da Rússia, como seria para qualquer povo que tivesse o país invadido e perdido milhões de compatriotas em uma guerra contra uma força hostil. 

A Rússia aproveitou as comemorações do Dia da Vitória para exibir sua capacidade bélica, política que cumpre vários papéis ao mesmo tempo. Do ponto de vista interno, reforça o orgulho nacional e a confiança nas condições das Forças Armadas. Promove também a coesão política interna, fundamental para um país de características continentais. Do ponto de vista internacional, as comemorações de 9 de maio, enviam sinais de força aos adversários, principalmente aos EUA, reafirmando que a Rússia, muito mais do que em 1941, está preparada para defender seu território. Essa sinalização é especialmente relevante neste momento, em que a Rússia enfrenta uma guerra na Ucrânia, e o maior número de sanções econômicos que um país já sofreu na história (16.500).  

As comemorações na Rússia são particularmente importantes, neste momento em que o país sofre um bloqueio econômico e político histórico, e enfrenta um sentimento crescente de hostilidade dos países europeus. Os governos europeus, que aderiram à guerra na Ucrânia por absoluta subserviência aos EUA, vêm procurando nos últimos anos, principalmente a partir da Guerra na Ucrânia, hostilizar e condenar o país, como se este fosse o culpado de todas as mazelas do continente.   

É conhecido que a ideologia e prática do regime nazista em relação aos eslavos se caracterizou pela intenção de eliminar ou subjugar, ou explorar essas populações, visando expandir o Lebensraum (“espaço vital”) alemão. Adolf Hitler, em inúmeras ocasiões, defendeu que os eslavos não podiam se autogovernar e deveriam ser escravizados pelos arianos. O documento central que revela o plano de extermínio, expulsão e escravização dos eslavos foi o Generalplan Ost (Plano Geral do Leste). O plano, desenvolvido pelos nazistas entre 1939 e 1942, pretendia colonizar e germanizar a Europa Oriental após uma vitória na Segunda Guerra Mundial. Entre alguns dos seus principais aspectos estava a remoção forçada ou o extermínio de milhões de eslavos, judeus, ciganos e outros considerados “racialmente indesejáveis”. 

O governo e a população da Rússia têm clareza que a invasão da União Soviética pela Alemanha nazista em junho de 1941, foi motivada por interesses de domínio de recursos e territórios, mas também pelo aspecto racista. Hitler e seus comandantes afirmavam que o “bolchevismo” fazia parte de uma conspiração judaico-eslava que precisava ser eliminada. Apesar das dificuldades de aferição precisa do número de mortos na Segunda Guerra Mundial, calculasse que entre os aproximadamente 27 milhões de soviéticos mortos, entre 13 e 15 milhões eram civis. Entre estes, as maiores causas das mortes era a violência dos invasores, a fome, as políticas de extermínio, deportação e trabalhos forçados. A propaganda do comando nazista reforçava a imagem dos soviéticos, e dos eslavos em geral, como “sub-humanos”, portanto não requeriam um tratamento civilizado. 

Uma das preocupações que ficaram evidentes, por ocasião das comemorações da vitória sobre os nazistas, está relacionado com a distorção, nos últimos anos, dos fatos ligados à Segunda Grande Guerra. Passados 80 anos do final do conflito, há gerações na Europa completamente ignorantes sobre os acontecimentos históricos daquele período, e que acreditam em qualquer coisa, inclusive que Hitler e Stálin seriam, ao fim e ao cabo, a mesma coisa. A antipatia em relação à figura de Stálin, não pode servir de pretexto para a manipulação da história. Podemos ter as maiores críticas sobre a figura de Stálin, que certamente cometeu inúmeros erros. Mas não se pode comparar seu papel na história com o de Adolf Hitler.  

Há muita manipulação também em relação a como a guerra teria terminado. Membros do governo russo, mencionam pesquisas realizadas especialmente na França e no Reino Unido, que revelam que nos anos de 1950, apenas algum tempo após a guerra, quando perguntavam quem foi o principal responsável por derrotar a Alemanha nazista, a esmagadora maioria apontava a União Soviética. No entanto, ao longo das décadas, a política de propaganda da Guerra Fria, e a grande mídia, fizeram mudar completamente essa percepção. Em função dessa maciça propaganda, as pessoas pensam que foi o exército dos EUA que quebrou a espinha dorsal do fascismo, o que é de uma fantasia absoluta. 

Os números falam por si: enquanto a União Soviética teve 27 milhões de mortos e um número de feridos entre 14,6 milhões e 17,6 milhões, os EUA tiveram aproximadamente 405.399 soldados que perderam a vida. Desse total, 291.557 morreram em combate e 113.842 por outras causas. Além disso, aproximadamente 670.846 soldados foram feridos durante o conflito. Estima-se que durante a Segunda Guerra Mundial, morreram entre 70 e 80 milhões de pessoas, aproximadamente 3% da população mundial da época. Nesse número estão incluídas tanto baixas militares quanto civis, caracterizando o conflito mais devastador da história humana. Morreram entre 20 e 25 milhões de militares e cerca de 50 a 55 milhões de civis, devido a genocídios, bombardeios, fome e doenças. Os países mais afetados foram: 

  • União Soviética: 27 milhões de mortos, incluindo militares e civis.
  • China: Perdas estimadas entre 15 e 20 milhões de pessoas, majoritariamente civis.
  • Alemanha: Entre 6 e 7 milhões de mortes.
  • Polônia: Perdeu aproximadamente 5 a 6 milhões de pessoas, a maioria vítimas do Holocausto.
  • Japão: Sofreu entre 2,5 e 3,1 milhões de mortes.

Não foi por acaso que a China ocupou um lugar de honra na comemoração dos 80 anos da vitória sobre os nazistas. Os números variam a depender da fonte, mas segundo os próprios representantes do governo russo, a China teria perdido mais pessoas na guerra do que a União Soviética: 35 milhões. A invasão japonesa da China começou antes mesmo da Segunda Guerra, com o início da Guerra Sino-Japonesa, em 1937. A invasão japonesa à China foi um dos conflitos mais longos e brutais da Segunda Guerra. A resistência dos chineses foi muito importante para imobilizar uma parte expressiva das forças japonesas, influenciando o equilíbrio na guerra entre os Aliados e o Eixo. Apesar disso, a propaganda dominante na grande mídia, praticamente não menciona o papel da China na Segunda Guerra. 

Em um artigo recente, publicado em maio, Xi Jinping comparou a “hegemonia” dos Estados Unidos às “forças fascistas” da Segunda Guerra Mundial. Segundo o presidente da China: “Oitenta anos depois, o unilateralismo, a hegemonia e o bullying são extremamente prejudiciais. A humanidade está mais uma vez na encruzilhada.” 

A declaração, feita em um momento em que Trump abriu fogo contra a China, através do tarifaço e de uma série de declarações tresloucadas, provocou reações hipocritamente indignadas dos governos dos EUA. 

O cenário dessa polêmica é uma encruzilhada histórica, de fato, muito importante: a crise do imperialismo e a consolidação de um novo eixo de poder global, formado pelos países do Brics, e com a liderança da China. Um sintoma desse cenário é o surgimento de grandes acontecimentos simultâneos, em curtos espaços de tempo, trazendo enormes incertezas. Ambiente no qual as decisões tomadas pelos países, possivelmente trarão consequências por décadas.

A exemplo da Rússia, a China sofre no mundo todo o que Xi Jinping classifica no seu artigo como “bullying”, que na verdade é calúnia e difamação feitas em escala industrial e sem limites. A guerra da informação, como sempre, é encarniçada, mas a China tende a prevalecer, apesar do poderio do império americano (que não deve ser subestimado). O que irá, mais cedo ou mais tarde, garantir a vitória da China nessa disputa, são os fatos. A China não exporta só produtos, mas também sua capacidade produtiva, influenciando, cada vez mais, as cadeias globais de produção. Outro aspecto fundamental é a sua proposta de uma globalização diferente, fundamentada numa filosofia de “ganha-ganha”, na direção contrária da política normal dos EUA, cujo princípio é “nós ganhamos tudo, vocês perdem o que pudermos tomar”. No modelo de parceria proposto pela China, prevalecem a cooperação e previsibilidade, e não interferências nas políticas internas dos países. 

A história da China, nos últimos 59 anos, é o melhor testemunho do que representa o país. Desde as reformas de 1978, o país manteve taxas de crescimento entre 8% e 10% e, mesmo com a crise de 2008, prosseguiu como uma das economias de crescimento mais acelerado do mundo – desempenho insuperável entre as grandes economias. Nas últimas décadas, a China transformou o investimento público maciço em infraestrutura, logística e tecnologia em um de seus principais motores de desenvolvimento. A combinação de planejamento consistente e abrangente, assim como a continuidade das ações, possibilitou a saída da pobreza extrema, do maior número de pessoas na história conhecida, como vimos. Ademais, a política desenvolvida pela China nas últimas décadas, que transformou o país no motor industrial e tecnológico do planeta, ao mesmo tempo que melhorou a vida do seu povo, tem um componente imprescindível, que é a defesa intransigente de um projeto de país, nacional e soberano.

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Last Update: 20/05/2025