Toda a gente tem uma noção empírica e acertada de que a “Internet” é a grande responsável pela falência financeira e pelo fechamento em massa de pequenos comércios em todas as cidades brasileiras. Aliás, no mundo inteiro, cada vez mais lojas tradicionais encerram de vez suas atividades. Mas como se dá essa quebradeira generalizada? Como os mercados virtuais substituem os pequenos comércios locais do mundo real?

É fato que, hoje em dia, quase que qualquer produto que procuramos encontramos por um preço menor nas grandes plataformas de comércio digital, como a Amazon, o Mercado Livre, a Shopee, a OLX, a Magalu etc. E sua entrega é, na maioria das vezes, no mesmo dia, nas capitais, ou no dia seguinte, no interior, sem custo algum, ou quase sem qualquer custo, ao consumidor. Mas como apenas eles conseguem isso?

Basta todo mundo ir para o digital?

Muita gente que quer empreender no comércio digital é seduzida a vender seus produtos através dessas grandes plataformas. As pessoas são atraídas pelas plataformas por elas serem as maiores empresas do mercado, ou seja, a maior fatia do mercado consumidor compra através dessas plataformas, também no Brasil. Quer dizer, elas possuem os clientes, de antemão. Outras boas facilidades para o vendedor são suas logísticas: de venda em si, de pagamento e de entrega.

Como o mercado que essas empresas dominam é gigantesco (podendo chegar a ser até o país inteiro para alguns produtos), o vendedor é iludido pela ideologia contida nos cursos de Youtube de que ganhará muito dinheiro quanto mais vender suas mercadorias, ou seja, para usar um jargão do mercado, “ganhará escala”, já que sua margem de lucro tem que ser, necessariamente, muito reduzida. Afinal, existem também milhares de vendedores concorrentes, mesmo dentro da mesma plataforma utilizada por ele.

É assim que se dá o que estamos chamando de “pirâmide das plataformas”: nosso vendedor, além de cobrar pouco por seu produto, na maioria das vezes abaixo do preço normal de mercado, ainda tem despesas altas, como as taxas cobradas pela plataforma em cada transação de venda (que varia entre 13% e 26% do valor bruto da venda) e anúncios de sua mercadoria dentro da própria plataforma, pois, sem esses, não há chances de vender a quantidade de mercadorias desejada, não há como aparecer ao consumidor em meio aos muitos outros vendedores. E ainda tem que arcar com todos os custos sobre as devoluções de produtos, devoluções sem ônus ao cliente, garantidas pelas plataformas.

As consequências para os pequenos negócios físicos

Como resultado dessa concorrência anarquista e predatória, o pequeno negócio de rua, de shopping, físico e local, sofre. Não consegue oferecer o mesmo preço da “Internet” aos seus clientes. Os municípios perdem demasiados postos de trabalho do comércio local e seus centros comerciais ficam esvaziados de gente quando comparados com o movimento de apenas cinco anos atrás. A pandemia de Covid-19 apenas acelerou esse processo e não é a única culpada. Ela somente fez com que, rapidamente, todos aprendessem a fazer compras pelos celulares e computadores, o que iria levar mais alguns anos para acontecer.

Resumindo, o trabalho do nosso vendedor digital se torna “uberizado” pelos grandes monopólios do comércio digital, que ditam todas as regras do seu negócio. Chamamos esse processo erradamente de “pirâmide”, pois quem realmente ganha é sempre apenas um: a plataforma. Mas, tão logo esse nosso vendedor não consiga mais prosseguir vendendo, quer seja porque tem prejuízo em cada venda, quer seja porque desiste de trabalhar tanto e receber tão pouco, surgem novos vendedores desavisados para ocupar seu lugar.

Qual a saída?

É preciso que os pequenos comerciantes, que vivem também do próprio trabalho, se unam contra as opressões que se impõem a eles, pontuaremos mais adiante sobre consciência de classe. Hoje em dia, o que se vê são pequenos comerciantes também querendo vender seus estoques nas grandes plataformas ou em seus sites próprios, tentando concorrer com as maiores corporações do mundo. Ou, ainda, quando poucos se juntam, é para ainda tentar um lugar na concorrência, criando entregas compartilhadas entre eles, por exemplo, para “tentar ganhar” da logística sofisticada dos grandes. Em outro esforço, as cooperativas de compras tentam negociar um maior volume de mercadorias em conjunto. Todas sem êxito, essas iniciativas duram pouco tempo.

O que não contam aos proprietários de negócios pequenos é que eles fazem parte da classe trabalhadora, não da classe burguesa, e estão mais próximos da bancarrota do que de acumular 1 bilhão de dinheiros. A sua pauta precisa ser outra. Devem se juntar e pressionar suas várias associações e sindicatos comerciais para lutar pela taxação das grandes fortunas, por linhas de crédito para pequenas empresas, pelo fim da escala de trabalho 6 por 1 e por transporte público gratuito, por exemplo, e com muita propriedade.

O Programa de Transição de Trotsky defende a estatização do sistema bancário para garantir crédito subsidiado a pequenos produtores, rompendo a dependência de instituições privadas que priorizam lucros sobre necessidades sociais. Modernizando essa proposta, os pequenos empresários podem lutar por taxar os gigantes do e-commerce em alguma porcentagem sobre cada uma de suas vendas para financiar linhas de crédito específicas aos pequenos negócios locais (físicos) e criar um banco público digital, integrado às novas fintechs, para oferecer empréstimos a juros próximos de zero para pequenos comerciantes, com critérios simplificados (por exemplo, análise de fluxo de caixa via APIs). As instituições financeiras e as grandes corporações que não aceitarem — e, pela própria lógica do capitalismo, não aceitarão —, devem ser expropriadas e estatizadas sob controle da classe trabalhadora.

A classe trabalhadora é o lado do pequeno empresário

No capitalismo, a busca por lucro máximo leva empresas a adotarem práticas como a escala 6 por 1, que explora trabalhadores com jornadas exaustivas e salários baixos; há também a superexploração dos entregadores de aplicativos. Apesar de ser vantajoso para cada empresa individualmente, quando essa lógica se generaliza, o resultado é coletivamente catastrófico: ao reduzir o poder de compra da maioria, o mercado consumidor encolhe. Trabalhadores sem tempo para descansar ou consumir e sem renda suficiente para além da subsistência, deixam de frequentar comércios locais. Assim, a mesma exploração que aumenta margens de lucro no curto prazo estrangula a economia real no longo prazo, criando um ciclo vicioso em que empresas reduzem custos, demitem e aprofundam a recessão. Um tiro no pé do próprio sistema que normatiza e normaliza a exploração do trabalho alheio, mas as grandes corporações conseguem se reerguer, sempre às nossas custas.

Em contraste com a lógica de mercado, o transporte público gratuito tem demonstrado impactos sociais positivos. Em cidades brasileiras que já estão utilizando a gratuidade no transporte público, houve em média 50% a mais de passageiros nos ônibus, gerando impactos positivos na economia local, no acesso a serviços e na qualidade de vida. Na prática, em média, a porcentagem da população que utiliza ônibus diariamente cresce de 40% para 65% com a implementação da gratuidade. Outras vantagens do transporte público gratuito para as cidades, que terão menos veículos circulando, são a redução dos congestionamentos no trânsito, queda nos índices de acidentes e nos índices de poluição atmosférica. Na saúde pública, observou-se aumento das consultas médicas e tratamentos concluídos, pois o usuário não falta ao hospital por falta de dinheiro para ir e voltar. Fora que amplia o acesso a emprego, educação e lazer, e alivia o orçamento das famílias mais pobres, que podem, assim, consumir mais do comércio local. E o melhor é a volta de circulação de pessoas nos centros comerciais dos municípios, onde estão localizadas a grande maioria das lojas físicas.

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Last Update: 19/05/2025