Em editorial publicado em 17 de maio, a Folha de S.Paulo comemora com entusiasmo o que chama de “racionalização do ecossistema partidário brasileiro”, afirmando que “o total de partidos pode cair em breve para 24” e que “o Legislativo, que chegou a ver 30 siglas representadas, poderá passar a abrigar 16”. Segundo o jornal, isso seria um avanço, pois “o número de agremiações cresceu de forma quase constante ao longo das últimas décadas”, o que teria gerado uma “quantia delirante do ponto de vista da representação política”.

Delirante, na verdade, é considerar a pluralidade partidária — expressão legítima da diversidade social, regional, ideológica e cultural do Brasil — como um problema. Essa visão revela um profundo desprezo pelo princípio democrático mais elementar: o de que todo poder emana do povo, e que esse poder se exerce diretamente ou por meio de representantes, conforme determina o artigo 1º da Constituição Federal.

Os partidos políticos são instrumentos de representação. Reduzir artificialmente sua existência por meio de cláusulas de desempenho e restrições ao funcionamento livre das siglas é atentar contra a própria estrutura do Estado Democrático de Direito. A medida de extinguir as coligações proporcionais e impor barreiras para acesso ao fundo partidário, elogiada pelo editorial, é na prática uma forma de asfixia institucional: “as duas regras tiraram o sossego das legendas de médio e pequeno porte, forçadas a crescer ou viver na irrelevância”.

Ora, forçar a extinção ou fusão de partidos não é “racionalização”. É exclusão deliberada de setores da sociedade que não contam com os recursos dos grandes partidos já consolidados. A suposta solução — as chamadas federações partidárias — nada mais é do que um disfarce para fusões forçadas e perda de identidade política: “essa novidade permite que duas ou mais agremiações atuem em conjunto, como se fossem apenas uma”.

O argumento da governabilidade, tão repetido, é frágil. O editorial afirma que “essa tendência, se concretizada, terá efeitos benéficos do ponto de vista da governabilidade, pois o Executivo poderá montar a base de apoio com menos alianças”. Mas o que está em jogo não é apenas a facilidade de formar maiorias parlamentares, e sim a qualidade da representação popular. Governabilidade à custa da diversidade significa um Legislativo mais dócil, menos representativo e mais suscetível ao controle da burguesia.

A experiência histórica brasileira já demonstrou o risco de um sistema bipartidário artificial. Durante a ditadura, o país foi reduzido a duas legendas: a ARENA, partido da situação, e o MDB, oposição consentida. Foi uma das fases mais sombrias da vida política nacional. O que está sendo feito hoje, com roupagem constitucional, pode levar a uma nova forma de bipartidarismo.

Nos Estados Unidos, modelo implícito por trás dessa política, o sistema bipartidário produziu uma alternância criminosa entre democratas e republicanos, ambos comprometidos com os mesmos interesses econômicos.

Menos partidos não significam mais democracia. Pelo contrário. O povo tem o direito de organizar-se politicamente como quiser. Se há trinta partidos no Congresso, isso é porque há, na sociedade, trinta correntes legítimas de pensamento e interesse. E deveria haver muito mais, não fossem os entraves burocráticos para a formação de partidos.

Quem quer menos partidos, quer mais controle. A burguesia prefere negociar com poucos representantes afinados com seus interesses. Para os trabalhadores e os oprimidos em geral, quanto mais partidos, melhor.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 19/05/2025