Críticos veem na tentativa de deportação acelerada uma ameaça aos direitos humanos, enquanto Trump critica a corte por “impedir sua autoridade executiva”
A maioria da corte manteve mais uma vez a decisão de que migrantes têm direito ao devido processo legal antes da deportação. A Suprema Corte dos Estados Unidos concedeu um pedido de emergência de um grupo de migrantes no Texas, impedindo o uso de uma lei do século XVIII, criada para tempos de guerra, para acelerar suas remoções. A decisão sem assinatura desta sexta-feira (16) é mais um revés para o governo do presidente Donald Trump, que tentou usar a Lei dos Estrangeiros Inimigos de 1798 para deportar rapidamente imigrantes indocumentados dos EUA.
Apenas dois juízes conservadores discordaram: Clarence Thomas e Samuel Alito.
Embora a Suprema Corte ainda não tenha se pronunciado sobre o mérito do uso da lei por Trump, concedeu “medida cautelar” a migrantes venezuelanos que enfrentavam expulsão sob a lei centenária.
“Por muito tempo, sustentamos que ‘nenhuma pessoa deve ser’ removida dos Estados Unidos ‘sem a oportunidade de ser ouvida em algum momento’”, escreveu a maioria da corte em sua decisão.
O texto reafirmou uma posição anterior de que migrantes nos EUA têm direito ao devido processo legal – ou seja, a um julgamento justo no sistema judicial – antes da deportação.
O caso desta sexta-feira foi apresentado por dois migrantes não identificados da Venezuela, referidos apenas por iniciais. Eles estão detidos em um centro no norte do Texas enquanto aguardam deportação.
O governo Trump os acusou, junto a outros venezuelanos, de serem membros da gangue Tren de Aragua. Além disso, tentou retratar a migração indocumentada para os EUA como uma “invasão” e associar as atividades do grupo ao governo venezuelano – alegação contestada por um memorando de inteligência recentemente desclassificado.
Essa justificativa, segundo a administração Trump, autorizaria o uso da Lei dos Estrangeiros Inimigos, que só foi aplicada três vezes na história dos EUA – e apenas durante guerras.
Mas a aplicação da lei por Trump gerou reações judiciais, com vários tribunais distritais analisando pedidos de migrantes que temiam expulsão sob essa legislação.
Vários juízes barraram o uso da lei para remoções aceleradas. Porém, uma juíza na Pensilvânia decidiu que o governo Trump poderia usá-la – desde que notificasse adequadamente os deportados. Ela sugeriu um prazo de 21 dias.
A Suprema Corte não opinou nesta sexta sobre a validade do uso da lei por Trump. Em vez disso, sua decisão – de 24 páginas, incluindo um voto dissidente – focou se os venezuelanos em questão mereciam proteção contra a deportação iminente.
A maioria dos nove juízes destacou que “evidências” do caso indicavam que “o governo de fato tomou medidas na tarde de 18 de abril” para invocar a lei, chegando a transportar os migrantes “do centro de detenção para um aeroporto, antes de trazê-los de volta”.
Os magistrados afirmaram seu direito de intervir para evitar “danos irreparáveis” aos migrantes e manter sua jurisdição. Caso contrário, a deportação poderia colocá-los fora de seu alcance.
O juiz Brett Kavanaugh foi além em um voto separado, pedindo que a corte emitisse uma decisão final e vinculante sobre o caso, não apenas concedendo o pedido específico.
“O contexto exige uma resolução rápida e definitiva, que provavelmente só esta Corte pode fornecer”, disse ele, apoiando a maioria.
Thomas e Alito, em seu voto dissidente, argumentaram que a Suprema Corte não deu tempo suficiente a um tribunal inferior para analisar o pedido de emergência.
Trump ataca decisão nas redes sociais
Após a decisão, Trump criticou a maioria da corte em sua rede Truth Social, acusando-a de ser branda com migrantes.
“A SUPREMA CORTE NÃO NOS DEIXA TIRAR CRIMINOSOS DO NOSSO PAÍS!”, escreveu ele no primeiro de dois posts consecutivos.
No segundo, chamou a decisão de “um dia ruim e perigoso na América”. Reclamou que garantir o devido processo levaria a “um processo legal longo, demorado e caro, que pode levar anos para cada pessoa”.
Ele também afirmou que a corte o impedia de exercer sua autoridade executiva.
“A Suprema Corte não está me deixando fazer o que fui eleito para fazer”, escreveu, prevendo que audiências de deportação prolongadas causariam “caos” nos EUA.
Seu governo frequentemente acusa o Judiciário de interferir em sua agenda. Críticos, porém, alertam que as ações de Trump – especialmente alegações de desrespeito a ordens judiciais – corroem o sistema de freios e contrapesos dos EUA.
ACLU elogia decisão como vitória contra abusos
Em comunicado, a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) celebrou a decisão como uma barreira contra violações de direitos humanos.
“A decisão da corte de suspender as deportações é uma forte rejeição à tentativa do governo de enviar pessoas às pressas para um presídio tipo Gulag em El Salvador”, disse Lee Gelernt, vice-diretor do Projeto de Direitos dos Imigrantes da ACLU.
“Usar uma autoridade de guerra em tempos de paz, sem garantir o devido processo, levanta questões de extrema importância.”
Atualmente, a Suprema Corte tem uma supermaioria conservadora, com seis juízes de perfil direitista e três esquerdistas. Três deles foram nomeados por Trump – e, neste caso, alinharam-se com a maioria.