Com o título provocativo de “Nayib Bukele: The Dark Side of the ‘World’s Coolest Dictator’”, a reportagem do MintPress News revela, em detalhes estarrecedores, o funcionamento interno do regime salvadorenho e sua íntima ligação com a política repressiva do imperialismo norte-americano. Muito além da imagem cuidadosamente construída nas redes sociais, Nayib Bukele dirige um regime autoritário, marcado pela militarização da sociedade, a destruição das liberdades democráticas e a conversão de El Salvador em um imenso campo de concentração moderno — a serviço direto dos interesses dos EUA.

Prisões de massa, tortura e trabalho forçado

O centro da denúncia da reportagem está no CECOT (Centro de Confinamento do Terrorismo), um gigantesco complexo prisional rural com capacidade para 40 mil pessoas, inaugurado em outubro de 2023. Com financiamento de US$115 milhões, é descrito por organizações de direitos humanos como o maior presídio do mundo — e também um dos mais brutais. Lá, os presos são mantidos em celas superlotadas, com até 100 pessoas por espaço, dormindo em camas de concreto ou metal, obrigados a defecar em público, alimentando-se com as mãos de uma refeição única de 450g por dia.

O regime impõe luzes acesas 24 horas por dia, ausência total de assistência médica e proibição absoluta de visitas. Familiares sequer são informados da prisão de seus parentes e, frequentemente, o primeiro contato que têm com a realidade é a notícia de que o preso morreu sob custódia. “Eles não sairão nunca daqui”, afirmou o governo salvadorenho, deixando claro o caráter abertamente repressivo e extralegal da prisão.

As práticas descritas no CECOT não são exceções: são regra em um país que, desde 2022, vive sob um estado de exceção permanente. A justificativa do governo é a “guerra às gangues”, mas, na prática, essa política é usada para encarcerar indiscriminadamente qualquer cidadão pobre. Desde então, mais de 85 mil pessoas foram presas, incluindo ao menos 3 mil crianças, sem qualquer devido processo legal. A população carcerária triplicou e hoje cerca de 2% da população adulta do país está presa, a maior taxa proporcional do planeta.

Tortura, choques elétricos no chão molhado, espancamentos até a morte, detenções arbitrárias e assassinatos cometidos pelas forças de segurança do Estado foram todos documentados em relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Anistia Internacional e do próprio Departamento de Estado norte-americano. Mesmo assim, os EUA decidiram firmar um acordo para transferir milhares de imigrantes para essas prisões.

O pacto com Trump: exportação do Estado penal

O governo Trump, entusiasta do modelo salvadorenho, negociou diretamente com Bukele o envio de milhares de pessoas — imigrantes sem ficha criminal — para os presídios de El Salvador. Secretária de Segurança Interna, Kristi Noem chegou a dizer que os detidos devem “ficar presos pelo resto da vida”. Washington recorreu a uma obscura lei de 1798 para legitimar o envio dessas pessoas, rotuladas genericamente como “membros do Tren de Aragua”, um grupo criminoso venezuelano — sem provas ou julgamentos.

O senador Marco Rubio, figura de destaque do trumpismo e defensor da guerra contra a imigração, qualificou o acordo como “um gesto sem precedentes de amizade”. A lógica por trás do pacto é clara: a externalização do sistema carcerário norte-americano, baseado na superexploração, no racismo e na repressão da população pobre, agora transferido para um país subordinado e sob controle político direto do imperialismo.

Como afirmou Roberto Lovato, intelectual salvadorenho radicado nos EUA, “Bukele é um monstro criado pelos Estados Unidos”. Segundo ele, o país centro-americano vem servindo há décadas como campo de testes para as práticas repressivas do imperialismo: dos esquadrões da morte e da guerra suja dos anos 1980 ao atual laboratório de repressão digital. “A ‘salvadorização’ dos EUA já começou”, alerta Lovato. “O desmonte do Estado de bem-estar, os golpes, o encarceramento em massa, a militarização da polícia: tudo isso vem sendo aplicado agora no próprio território norte-americano.”

Censura, perseguição política e ditadura digital

O aparato repressivo salvadorenho não se limita aos presídios. Bukele usou o estado de exceção para perseguir diretamente a oposição política e os movimentos populares. Militantes do FMLN, partido de esquerda que governou o país entre 2009 e 2019, foram presos sob falsas acusações de ligação com o crime. Sindicalistas, líderes de comunidades ameaçadas de remoção, manifestantes contra a política econômica e jornalistas críticos ao regime foram detidos e torturados.

A imprensa independente sofreu uma verdadeira guerra jurídica e financeira. O jornal El Faro, o mais respeitado do país, foi forçado a se exilar na Costa Rica. As redações foram alvos de espionagem com o uso do famigerado software espião Pegasus, desenvolvido pela entidade sionista e comercializado como ferramenta de vigilância contra “terroristas”. Ao mesmo tempo, Bukele concentrou o poder judiciário em suas mãos, demitindo cinco juízes da Suprema Corte e o procurador-geral em 2021, em um verdadeiro autogolpe institucional.

Com total liberdade para governar por decreto, Bukele aplicou uma política de choque econômico: demitiu 22 mil funcionários públicos, reduziu impostos para empresários e ameaçou municípios que não cortassem tributos com processos criminais. Paralelamente, anunciou o país como um novo polo tecnológico, legalizando o Bitcoin como moeda oficial — sem qualquer base social ou estrutura — e inaugurando parques científicos e centros de dados. Lovato resume bem o modelo: “El Salvador é uma ditadura digital. Um modelo de fascismo adaptado à era das redes sociais”.

Um palestino a serviço do sionismo

Apesar de sua origem palestina, Bukele se tornou um dos mais agressivos defensores da entidade sionista na América Latina. Em 2019, visitou Jerusalém e posou para fotos no Muro das Lamentações. Após os ataques de 7 de outubro, afirmou que o Hamas era composto por “bestas selvagens” e defendeu a destruição total da organização — em linha com o discurso genocida de Netaniahu.

Sua postura revela o nível de subserviência ao imperialismo e ao regime sionista. Enquanto o povo palestino é massacrado em Gaza, o presidente de origem árabe se posiciona contra os próprios compatriotas — não por ignorância ou “contradição pessoal”, mas por alinhamento de classe. Bukele defende os interesses do imperialismo e de seus aliados porque é um agente desse bloco político.

A experiência salvadorenha sob Bukele é um alerta para toda a América Latina. O regime se apresenta como eficiente, moderno e “popular”, mas é, na verdade, a expressão mais crua da política imperialista para os países oprimidos: repressão total, liquidação das liberdades democráticas, censura, perseguição política, superexploração da classe operária e repressão aberta aos pobres.

A exportação do modelo carcerário dos EUA para El Salvador é o passo mais recente de um processo histórico. E, agora, pretende-se usar esse mesmo modelo como exemplo de “solução” para os próprios problemas internos dos Estados Unidos.

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Last Update: 16/05/2025