Durante entrevista coletiva concedida em Pequim no dia 14 de maio, ao final de sua visita oficial à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas contundentes à supremacia do dólar como moeda de referência no comércio internacional. A resposta de Lula foi motivada por uma pergunta do jornalista Joe Leahy, do Financial Times, sobre a possibilidade de os países do BRICS criarem uma moeda comum.

Joe Leahy (Financial Times): “Você acha que as condições atuais são favoráveis para a criação de uma moeda para os países que compõem o BRICS?”

A pergunta levou o presidente brasileiro a ampliar o escopo da resposta para uma crítica mais ampla ao papel do dólar como moeda dominante no sistema internacional. Para Lula, essa hegemonia foi imposta unilateralmente pelos Estados Unidos e precisa ser superada por meio de alternativas viáveis, como o uso de moedas nacionais ou a criação de uma nova unidade monetária para o comércio entre países do Sul Global.

“Quem é que decidiu que o dólar era a moeda padrão? Vocês participaram de alguma votação? Vocês conhecem alguma reunião na ONU que decidiu? Vocês conhecem alguma votação em algum lugar do mundo que decidiu? Não. Foi os Estados Unidos que impôs. Como só ele tem a fábrica de produzir dólar, ele leva uma vantagem imensa sobre países que, às vezes, não têm sequer dinheiro para comprar dólar.”

Lula defendeu que os países em desenvolvimento busquem alternativas à dependência do dólar para suas transações comerciais. Segundo ele, essa autonomia financeira é fundamental para garantir maior soberania econômica.

“O que a gente quer, na verdade, é criar um jeito de encontrar, ou uma moeda, ou uma cesta de moedas, que possa permitir que a gente possa fazer negócio sem ficar dependendo de uma única moeda.”

O presidente citou uma experiência anterior de seu governo, durante seu primeiro mandato, em que Brasil e Argentina tentaram promover transações comerciais em suas respectivas moedas nacionais. A iniciativa, segundo Lula, falhou por não ter sido uma política obrigatória, mas voluntária, o que comprometeu sua eficácia.

“Nós fizemos uma experiência aqui na Argentina, no tempo do Kirchner e do meu primeiro mandato. De que os pequenos negócios […] fizessem comércio na moeda argentina e na moeda brasileira. E depois os bancos centrais, no final de cada mês, de cada período, fizessem o ajuste necessário.”

Lula também enfatizou que a busca por alternativas ao dólar não significa confronto com os Estados Unidos, mas sim uma tentativa de construir um sistema mais equilibrado e justo. Para ele, o debate sobre uma nova moeda não deve ser interpretado como uma postura hostil do BRICS ou de seus integrantes.

“Nada que a gente quer fazer é o BRICS se confrontando com o Norte, o BRICS se confrontando com o G20. Não. O BRICS é o G20. Todos os países do G20, todos os países do BRICS estão no G20.”

Em tom provocativo, Lula questionou a estrutura das instituições internacionais e a distribuição desigual de poder nas decisões que impactam a economia global. Ele criticou o desequilíbrio histórico dessas estruturas e defendeu um redesenho da ordem financeira global.

“Nós não podemos continuar na metade, no primeiro quarto do século XXI, do mesmo jeito que a gente estava no meio do século passado. É preciso fazer inovação. Inovação comercial, facilitar a vida das pessoas.”

O presidente também apontou para a ascensão das moedas digitais como uma tendência inevitável no comércio global, sugerindo que as transações entre países do BRICS poderão, em breve, prescindir completamente do dólar.

“Eu acho que a gente está a ponto de que as moedas digitais vão tomar conta do mercado, inclusive da relação comercial. Eu acho que daqui a pouco nós vamos fazer comércio com os BRICS. Acabou, não tem mais nada.”

Lula terminou o trecho reafirmando a importância estratégica do BRICS como espaço de articulação dos países do Sul Global e criticando a estrutura de instituições como o Comitê Olímpico Internacional, o qual ele usou como exemplo da distorção representativa que favorece os países ricos.

“Essas instituições foram criadas com um domínio absurdo da Europa e dos Estados Unidos. Então é preciso que a gente ressurja com muita força. Nós queremos igualdade. E é isso que o BRICS representa. E é isso que nós vamos fazer.”

A fala do presidente brasileiro, feita ao lado de lideranças chinesas e com forte apelo ao multilateralismo, revela a disposição do governo Lula de assumir uma postura mais ativa na contestação da ordem econômica vigente. A defesa de uma nova moeda para o BRICS e o ataque direto ao privilégio do dólar indicam que o Brasil pretende usar os fóruns internacionais como plataformas para repensar as bases do comércio global, com foco em maior equilíbrio e soberania para os países em desenvolvimento.

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Last Update: 14/05/2025