O presidente Lula (PT) demonstrou irritação na manhã desta quarta-feira 14 em Pequim (noite da terça 13 em Brasília) com o vazamento de uma conversa entre ele, a primeira-dama Janja da Silva e o presidente da China, Xi Jinping.
Veículos brasileiros noticiaram que Janja teria protagonizado uma suposta saia-justa ao pedir a palavra e se pronunciar sobre efeitos da rede social chinesa TikTok no Brasil sobre o avanço da ultradireita no Brasil.
Questionado por jornalistas, Lula afirmou ter partido dele uma pergunta a Xi sobre a possibilidade de Pequim enviar ao Brasil um representante de confiança para discutir “a questão digital”, em especial o TikTok.
Nesse momento, segundo Lula, Janja teria pedido a palavra para contextualizar o que ocorre nas redes sociais no País, em especial a respeito da viralização de discurso de ódio.
Xi, conforme o petista, afirmou que o Brasil tem autonomia para regular as plataformas digitais. Lula considerou positivo o fato de o presidente chinês ter abordado o tema na presença do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e do deputado federal Elmar Nascimento (União-BA), que representou a Câmara.
Lula, no entanto, não escondeu o descontentamento com o vazamento da conversa – e repreendeu a delegação brasileira.
“Como é que essa pergunta chegou à imprensa se só estavam meus ministros lá, o Alcolumbre e o Elmar? Alguém teve a pachorra de ligar para alguém e contar uma coisa muito confidencial”, disse o presidente.
“A pergunta foi minha e eu não me senti nem um pouco incomodado. O fato de a minha mulher pedir a palavra é porque ela não é cidadã de segunda classe. Ela entende mais de digital que eu.”
Pequim ainda não se manifestou oficialmente sobre o diálogo.
Questionamentos sobre o funcionamento do TikTok no Brasil não se limitam a Janja e têm ganhado tração na esquerda. Em abril, por exemplo, a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) acionou o Ministério Público Federal contra a plataforma por supostamente induzir jovens a receber conteúdos misóginos e contra minorias. Ela pediu uma investigação sobre o algoritmo adotado pela rede chinesa.
A representação de Hilton se baseia em um estudo do Núcleo Jornalismo, em parceria com a revista AzMina, a revelar que perfis de meninos entre 14 e 15 anos são expostos gradualmente a discursos de ódio, que começam em tecnologia e economia, mas levam a conteúdos sobre submissão feminina e ideais “tóxicos” de masculinidade.
O Brasil, porém, não é a principal “dor de cabeça” para a ByteDance, controladora do TikTok, cujo funcionamento nos Estados Unidos continua em risco. No mês passado, o presidente Donald Trump estendeu por 75 dias o prazo para a plataforma encontrar um comprador que não seja chinês para evitar o banimento em território norte-americano, supostamente por motivos de segurança nacional.
Já no início de maio, o TikTok foi multado em cerca de 530 milhões de euros — 3,3 bilhões de reais — na União Europeia por não garantir a proteção adequada dos dados de usuários europeus na China.
Enquanto isso, no Brasil, a regulamentação das redes segue emperrada. Em abril de 2024, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um grupo de trabalho para discutir o assunto, uma escolha que feriu de morte o PL das Fake News.
Com isso, recaiu sobre o Supremo Tribunal Federal a tarefa de se debruçar sobre o tema, embora em outros termos e de forma muito mais limitada. A Corte discute, por exemplo, processos que tratam do artigo 19 do Marco Civil, a dispor sobre as circunstâncias em que um provedor de internet pode ser responsabilizado por postagens de internautas.
Não se sabe, porém, quando a Corte tomará uma decisão: na sessão de 18 de dezembro de 2024, o ministro André Mendonça pediu vista — ou seja, mais tempo para estudar os autos — e suspendeu a votação.