A universidade mais antiga do Brasil e a comunicação, por Carlos Dantas

A universidade mais antiga do Brasil e a comunicação

por Carlos Dantas

O decreto de Pedro I, criando os Cursos Jurídicos de Olinda e São Paulo, em 11 de agosto de 1827, demorou alguns dias para chegar aos destinos. Documentos e cartas viajavam de navio a vela do Rio de Janeiro, a capital, até Recife. A cavalo e a pé, chegavam a São Paulo e Olinda, no Largo de São Franciscanos e no Mosteiro de São Bento. O trem com locomotivas inglesas e vagões americanos alcançou Olinda em 1870.   

Estimativas indicam que havia mais de 90% de analfabetos e até 99% no país em 1822. O Ginásio Pernambucano e o Diário de Pernambuco, ambos de 1825, estavam na lista das atividades permitidas após a transferência da família real portuguesa em 1808, que fugia da invasão das tropas de Napoleão em Portugal. Com o decreto Pedro I decidiu formar a elite para o Brasil independente.

A primeira turma em 1832, formou brasileiros de diversas províncias, além de portugueses e um angolano. Pedro de Araújo Lima, o Marquês de Olinda, era diretor da Faculdade de Direito de Olinda (FDO), em 1827. Foi primeiro-ministro do império e o ministro da justiça Eusébio de Queiroz, o angolano, estudou direito em Olinda. O colega, Tomaz Nabuco de Araújo, apoiou o movimento contra o tráfico de pessoas escravizadas, que foi proibido pela lei Eusébio de Queiroz, de 1850. Partiu do Mosteiro de São Bento em 1854 e foi para a Rua do Hospício, no edifício conhecido como o Pardieiro, então, a Faculdade de Direito do Recife (FDR).                

Nos anos 1870 até o final dos 1880, a Escola do Recife, o movimento jurídico, filosófico, sociológico mais renovador da educação no país nasceu e floresceu na FDR. A influência da Escola continua a ser estudada, os mais citados são Tobias Barreto, Sílvio Romero e Raul Pompéia da Faculdade de Direito de São Paulo veio concluir o curso no Recife. A genética da Escola, observada em diversas áreas do conhecimento, foi beneficiada pela posição geográfica de Recife, que recebia livros da Europa antes do Rio de Janeiro. O telégrafo ligou Lisboa a Recife por meio do cabo submarino em 1874.  As pessoas começaram a conversar à distância em 1883 pelo telefone.       

O teatro Santa Isabel, construído pelo engenheiro francês Vauthier e inaugurado em 1850, foi palco da campanha contra a escravidão com Joaquim Nabuco e Castro Alves, discípulos da Escola do Recife. Era a fonte dos discursos, peças de teatro, poesia, enquanto o Santa Isabel, o centro da vida cultural da cidade, era o meio de divulgação. Certamente, este é o momento de maior comunicação entre sociedade e educação da história que começou em 1827.      

O caráter seminal do Curso Jurídico eclodiu na criação das Faculdades de Engenharia (1895), Farmácia (1903), Odontologia (1913), Medicina (1927), Belas Artes (1932), Filosofia (1941), reunidas na Universidade do Recife em 1946. No período, três registros são válidos: A transmissão pelo rádio começa em 1919; nos anos 1930 o eclipse, segundo A Filosofia das Ciências Naturais na Escola do Recife, Bezerra Coutinho, A. (Editora Universitária, 1988); e os primeiros carros Ford são vistos no Recife de 1930.

As pessoas, circulando de bonde elétrico, ônibus e a pé, desenharam na Cidade uma região de divulgação de ideias, conectando os auditórios das Faculdades e Escolas da Universidade do Recife a partir de 1946. Estudantes, professores, profissionais e padres discutiam educação, cultura, política, criando o clima de comunicação com a população na época da vitalidade do Recife. A primeira empresa de TV é de 1954 e o bonde da “Tramway” foi desativado nos anos 1960.       

A Universidade do Recife passa a integrar o novo sistema de educação do país em 1965, como Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a FDR permanece no Recife no edifício-palácio inaugurado em 1912, e a transferência para o campus no bairro da Várzea vai até o início dos anos 1980, contribuiu com o processo de abandono e degradação do centro da Cidade, que já vinha ocorrendo. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) se mudou do centro para a Cidade Universitária, no edifício considerado um expoente da arquitetura modernista.

Em 1993, chegou à Internet. A UFPE irradiou o conhecimento para criar o Espaço Ciência em 1994 e o Porto Digital em 2000. A revitalização do bairro do Recife foi projetada com a expansão dos distritos digitais. A SUDENE foi extinta em 2001, revelando a falência do modelo: financiar empresas sem priorizar a geração da tecnologia. Em 2006, começa o programa de interiorização para instalar os campi de Vitória e Caruaru, com a UFPE levando a educação para conectar as cidades e as pessoas. As cotas para estudantes das redes públicas, em 2013, constituem um marco na inclusão social do ensino superior. O número de usuários da Internet cresceu rapidamente depois de 2005. O edifício da antiga SUDENE foi cedido à UFPE, em 2017.

Na classificação do “QS World University Rankings” a UFPE ocupa posições 9 e 14 entre as melhores universidades do país, a melhor do Nordeste, e está presente na lista das melhores Universidades do mundo. Os campi de Vitória e Caruaru se tornam, em cooperação com outras Universidades, polos de desenvolvimento no eixo central do Estado. Em 2024, o Parque Tecnológico Celso Furtado é instalado no antigo edifício da SUDENE. Ressuscitar o gigante por meio de incubadoras de empresas sustentáveis é a motivação.  Em 2015, cinco Institutos Nacionais de Tecnologias foram aprovados para a UFPE. No Sertão de Pernambuco, continua a interiorização com a instalação do campus de Sertânia, previsto para 2025.

A UFPE consolidou sua atuação em áreas de pesquisa avançada como inteligência artificial e computação quântica, solicitadas pela competitividade da tecnologia da comunicação. Ligadas a Internet, redes sociais como WhatsApp, Instagram, Facebook, TikTok, YouTube, estão entre as mais utilizadas no Brasil e no mundo. Desde o navio à vela, as empresas multinacionais participam da tecnologia da comunicação, na trajetória da educação.  Hoje, a divulgação das ideias com a população enfrenta uma fase crítica no país, devido aos ataques contra a Universidade Pública e Gratuita. 

Em 2024, a UFPE completou 197 anos, a decisão remete à origem do Curso Jurídico de Olinda.  O decreto de Pedro I tinha o objetivo de preparar a elite para o Brasil independente. Cumprindo a sua missão, a Universidade Federal de Pernambuco, em 2027, vai celebrar 200 anos. 

Carlos Costa Dantas é professor aposentado do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco

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