Partiram dois gigantes que alimentavam a esperança

por Maria Luiza Falcão Silva

A América Latina, marcada por desigualdades sociais históricas, perde, em pouco tempo,  dois líderes que dedicaram suas vidas às causas dos pobres: o Papa Francisco, líder espiritual da Igreja Católica, e José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai. Apesar de atuarem em esferas distintas, ambos compartilharam um compromisso visceral com a humanidade, deixando marcas que transcendem fronteiras e crenças. 

Francisco e Mujica foram símbolos de uma simplicidade revolucionária. O Papa, conhecido por rejeitar ostentações, optou por morar em residências modestas e enfatizou a “Igreja pobre para os pobres”.

Mujica, enquanto presidente, doava 90% de seu salário para projetos sociais e vivia em uma chácara humilde, longe do luxo do poder. Para ele, o verdadeiro sentido da política era servir ao povo e combater as desigualdades. Durante sua presidência promoveu avanços significativos na educação, na inclusão social e na ampliação dos direitos dos cidadãos.

Mujica e Papa Francisco desafiaram a cultura do consumo, provando que a autoridade moral não depende de riqueza. “O dinheiro deve servir e não governar, dizia Francisco. “Se vivêssemos dentro de nossas necessidades as sete bilhões de pessoas no mundo teriam tudo o que precisam”, defendia Mujica.

Seus discursos e ações sempre priorizaram os excluídos. Francisco denunciou a “globalização da indiferença” e abraçou migrantes, refugiados e comunidades periféricas. Mujica, por sua vez, lutou por políticas progressistas, como a descriminalização do aborto e da maconha, sempre com foco na inclusão e na redução das desigualdades.

Ambos criticaram o sistema econômico que idolatra o lucro em detrimento da dignidade humana. Defenderam mudanças dos modos de produção e consumo preocupados com as questões sociais e ambientais.

A encíclica *Laudato Si’*, do Papa, ecoou o apelo de Mujica por um desenvolvimento sustentável. Enquanto Francisco alertava sobre a “casa comum” em crise, Mujica questionava o consumismo desenfreado em discursos memoráveis, como na ONU: “Não venham falar de pobreza: lutem contra o luxo”. 

Embora um guiasse uma instituição milenar e o outro fosse um líder político laico, ambos enfrentaram críticas por romperem com tradições rígidas. Francisco promoveu diálogos inclusivos, enquanto Mujica desafiou tabus com pragmatismo e humanismo. Suas vidas lembraram que é possível governar, liderar e inspirar sem perder a essência ética. 

Ao partirem deixaram um vazio imenso, mas também um chamado à ação.

“Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade” (Mujica). “Não podemos permanecer insensíveis diante da desigualdade que afeta tantos irmãos e irmãs”(Francisco).

Que suas trajetórias nos inspirem a construir sociedades mais solidárias, onde a compaixão supere a indiferença e a simplicidade seja sinônimo de grandeza. 

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 14/05/2025