Na última segunda-feira (12), a Polícia Militar de São Paulo assassinou Nicolas Alexandre Pereira dos Santos de Oliveira, de 19 anos, durante uma operação na comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista. A morte do jovem, conhecido como Matue, desencadeou uma onda de revolta entre os moradores, que bloquearam as avenidas Giovanni Gronchi e Hebe Camargo com barricadas de fogo, pneus queimados e oito ônibus atravessados. A resposta da PM foi a repressão violenta, com o uso de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e agressões físicas contra manifestantes, incluindo um caso registrado em vídeo onde policiais agridem um morador com cassetetes.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) alega que Nicolas resistiu à abordagem e portava uma arma, mas moradores afirmam que ele era um trabalhador, vítima de mais uma ação truculenta da polícia. A Ouvidoria da Polícia requisitou o afastamento dos agentes envolvidos e a investigação do caso, que está sob apuração do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A ação policial que resultou no assassinato de Nicolas ocorreu na noite do último sábado (10), na Rua Ernest Renan, em um local conhecido como Viela Passarinho, em Paraisópolis. Segundo o boletim de ocorrência, policiais do 16º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) realizavam patrulhamento quando avistaram um grupo supostamente envolvido com tráfico de drogas.
Conforme a contestada versão da PM, os suspeitos fugiram ao perceberem a aproximação dos agentes, mas por algum motivo não esclarecido, Nicolas teria resistido, levando à intervenção policial. Três PMs dispararam com dois fuzis e uma pistola, atingindo o jovem na mão esquerda, braço direito, cintura e perna esquerda.
Ele foi levado ao Hospital Campo Limpo, mas não resistiu aos ferimentos. Segundo um padrão em ocorrências do gênero, a SSP informou que foram apreendidos com o jovem drogas, dinheiro, celulares, uma faca, mochilas e cadernos de anotações, descritos como contabilidade do tráfico. Uma pistola, que segundo os policiais estava com o jovem, também foi apresentada, embora a própria PM confirme que a arma não foi disparada.
Moradores da comunidade, no entanto, contestam veementemente a narrativa oficial. Um residente, que preferiu não se identificar, declarou: “vejo que muitos aqui não tem a real noção do quão agressiva é a abordagem. Matam um trabalhador e a comunidade não aceita ser massacrada pela força policial. Buscamos todos os meios legais e nada resolve, fazemos uma manifestação e a polícia chega com violência. Estão falando para a comunidade aceitar seu extermínio”.
Amigos de Nicolas prestaram homenagens nas redes sociais, destaca do sua índole. Uma amiga escreveu: “que a sua memória continue a nos inspirar a sermos melhores, a valorizarmos os laços que temos e a buscarmos alegria nas pequenas coisas. Descanse em paz, querido amigo”.
A comunidade afirma que Nicolas era trabalhador, reforçando a percepção de que a ação policial foi desproporcional e injustificada.
Reagindo ao episódio, os moradores começaram um protesto na noite de segunda-feira (12), por volta das 18h20, com duração de cerca de quatro horas. Os manifestantes bloquearam trechos das avenidas Giovanni Gronchi e Hebe Camargo, utilizando madeiras, pneus incendiados e oito ônibus atravessados para interromper o tráfego.
Uma caminhonete da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) foi tombada, e o motorista teve a chave do veículo tomada, embora não tenha sofrido ferimentos. Vídeos divulgados nas redes sociais mostram a intensidade da manifestação, com barricadas em chamas e uma forte presença policial.
O capitão Simões, da PM, afirmou em entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, destacou que “a mobilização está avançando comunidade adentro, e a situação não tem previsão de ser controlada”. A SSP informou que o 3º Batalhão de Choque foi acionado para dispersar os manifestantes, utilizando bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Um helicóptero Águia 12 sobrevoou a área, e uma viatura blindada da PM foi atingida por disparos, segundo a pasta, sem registro de feridos.
Um episódio particularmente grave foi registrado em vídeo durante o protesto. As imagens, captadas de uma sacada, mostram pelo menos dois policiais militares agredindo um morador com cassetetes. Após as agressões, os fardados gritam: “levanta. Vai, vaza”.
A violência ocorreu no mesmo momento em que a comunidade protestava contra o assassinato de Nicolas, explicitando a truculência da PM na repressão aos manifestantes. A SSP não se pronunciou sobre o caso de agressão registrado, limitando-se a informar que um adolescente de 17 anos foi apreendido por render um motorista de ônibus e danificar o veículo.
O jovem foi levado ao 89º Distrito Policial (Jardim Taboão) e liberado na presença de um responsável legal. Em nota, a Ouvidoria da Polícia declarou:
“A Ouvidoria está abrindo um procedimento oficiando a Corregedoria da Polícia Militar, solicitando as imagens das COPs de todos os policiais envolvidos, o GPS de todas as viaturas e ainda o afastamento dos policiais envolvidos no homicídio. Oficiamos também a Polícia Civil solicitando todos os exames periciais bem como as imagens das câmeras do entorno.”
A investigação está a cargo do DHPP, que analisa as imagens das câmeras corporais usadas pelos seis policiais envolvidos na ação, além das armas apreendidas – incluindo a suposta pistola atribuída a Nicolas e as três armas dos PMs (dois fuzis e uma pistola). A PM destacou que os agentes seguiam diretrizes operacionais e que a posse de arma por parte de Nicolas, combinada com um “comportamento hostil”, justificaria a intervenção. A corporação afirmou:
“Quanto à dinâmica da ocorrência, destaca-se que o indivíduo portava arma de fogo e apresentou comportamento hostil diante da abordagem policial, o que por si só já configura uma situação de confronto iminente. Ressalta-se que, segundo os procedimentos operacionais, a simples posse de arma em contexto de resistência ou ameaça já representa risco potencial à integridade da equipe, independentemente de ter havido troca de tiros, exigindo assim uma reação imediata.”
Com cerca de 100 mil habitantes, a favela de Paraisópolis é uma das maiores do Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A região tem um histórico de episódios criminosos de repressão sofridos pela Polícia Militar.
Em 2019, o chamado Massacre de Paraisópolis, durante a repressão a um baile funk, resultou na morte de nove jovens, com laudos apontando asfixia mecânica por sufocação indireta. Familiares das vítimas, como Adriana Regina dos Santos, mãe de Dennys Guilherme dos Santos França, de 16 anos, cobram justiça até hoje. Em 2024, ela desabafou:
“Cadê a nossa resposta? São cinco anos e o que eu vejo são mais familiares chegando, sentindo a dor que nós estamos sentindo”.
A Corregedoria da PM, na época, considerou a ação dos policiais lícita, mas o Ministério Público denunciou 12 agentes por homicídio com dolo eventual, e o caso segue em tramitação. Outro episódio marcante ocorreu em abril de 2024, quando uma criança de 7 anos foi baleada durante uma operação policial, gerando novos protestos.
O assassinato de Nicolas Alexandre por policiais militares em Paraisópolis é o mais novo capítulo da guerra declarada pelo Estado contra os trabalhadores e a juventude dos bairros operários. A repressão violenta ao protesto, com bombas, balas de borracha e agressões físicas, revela o verdadeiro papel da Polícia Militar: um instrumento do terror da burguesia contra o povo.
A tentativa de justificar o crime com alegações de “resistência” e “tráfico”, é desmentida pela comunidade, que clama por justiça e denuncia a execução de um jovem trabalhador. Finalmente, o histórico de massacres da PM mostra que essa instituição não pode ser reformada, devendo ser extinta. Só a mobilização organizada dos trabalhadores, com comitês populares de autodefesa, pode pôr fim à violência do Estado e garantir a segurança da classe trabalhadora.