
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Pepe Mujica é um símbolo mundial de humildade, coerência e humanidade, provando que a simplicidade e a honestidade podem coexistir com a grandeza política. “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade”, disse. Vai fazer muita falta. Muita.
Ele, que nasceu em um bairro humilde de Montevidéu, se tornou um ícone global não por seu poder, mas por sua recusa a ele. Enquanto muitos políticos se perdem na corrupção e no luxo, Mujica escolheu viver com menos para ser mais. Durante seu mandato como presidente do Uruguai (2010-2015), doou 90% de seu salário para programas sociais e manteve sua vida simples em uma pequena casa rural, longe dos palácios presidenciais.
Sua filosofia de vida minimalista não era apenas um gesto simbólico, mas uma crítica profunda ao consumismo desenfreado. Suas palavras eram um convite à reflexão sobre o que realmente importa. Enquanto líderes globais se cercavam de seguranças e jatinhos, dirigia seu fusca velho e recebia visitas em sua modesta propriedade, onde cultivava flores para vender no mercado local.
Mujica não fugia de polêmicas quando acreditava estar do lado certo. Foi seu governo quem liderou a legalização da maconha no Uruguai, uma medida ousada que colocou o pequeno país na vanguarda das políticas de drogas, cuja guerra mata os mais pobres. Acreditava não estar incentivando o uso, mas tirando o negócio das mãos do tráfico. Desafiou o proibicionismo e inspirou debates globais sobre a regulação.
Também foi pioneiro em direitos reprodutivos, apoiando a despenalização do aborto, e sobre o casamento LGBT+. Para Mujica, a justiça social não era discurso, mas prática. Seu governo ampliou programas de habitação, educação e inclusão digital, sempre com um olhar voltado para os mais pobres. Colocava em prática a ideia de que o povo não come PIB, ou seja, indicadores econômicos não podem ser a única régua da felicidade de pessoas.
Na juventude, integrou o Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros, enfrentando a ditadura uruguaia. Preso político, passou 14 anos encarcerado, muitos deles em condições desumanas. Mas, ao contrário de outros que saíram da prisão cheios de ódio, Mujica emergiu com uma mensagem de reconciliação. Não diria que é o Mandela da América do Sul. Prefiro crer que a África tem o Mujica deles.
Isso o levou à política institucional. Eleito deputado, depois senador e, finalmente, presidente, mostrou que era possível transformar a sociedade sem abandonar os princípios. Seu governo foi marcado por transparência e acesso direto ao povo.
Mujica nunca quis ser um mito e, por isso, se tornou um. Recusou homenagens excessivas e evitou cultos à personalidade. Mas seu exemplo ecoou longe. Foi apelidado pela imprensa de o “presidente mais pobre do mundo”, um título que abraçou com orgulho. Pois, no fundo, sabia que era um homem rico.

Sua influência ultrapassou fronteiras. De jovens ativistas climáticos a líderes mundiais, muitos se inspiraram em sua mensagem de que o desenvolvimento não pode ser inimigo da felicidade. Enquanto o mundo discutia crescimento a qualquer custo, Mujica lembrava que a verdadeira riqueza está nas relações humanas e na preservação do planeta.
Apesar de tantas vidas vividas em uma só, de guerrilheiro a estadista, Mujica dizia que seu maior acerto foi encontrar Lucía, companheira no amor e na política por cinco décadas.
Um cara assim não se vai. Mujica morreu hoje, mas — contra a sua vontade — alcançou a imortalidade.
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