“Ele era correria e muito feliz… trabalhava com tudo que desse na mão dele: pintar uma casa, cuidar do jardim, ou deixar seu pet… O sorriso dele era a coisa mais contagiante que tinha.”

É com a voz embargada que a historiadora Bárbara Ferreira lembra do amigo Vitor Cerqueira, o ‘Vitinho’. de 28 anos, morto de forma brutal durante uma operação policial em Caraíva, distrito turístico a 700 km de Salvador, no sábado 10 de maio.

Amigos e testemunhas e o advogado da vítima apontam que Vitinho foi vítima de uma prisão arbitrária pela polícia, já que não tinha relação com organizações criminosas, além de ter sido torturado e morto pelos agentes. A polícia, por seu lado, sustenta outra versão. Diz que o rapaz era ‘segurança’ de um criminoso alvo de uma operação.

Vitinho foi preso durante operação; seu corpo foi encontrado cerca de 9 horas depois no IML de Trancoso. Créditos: Reprodução Instagram

Ouvida por CartaCapital, Bárbara conta que, na tarde do sábado 10, Vitinho se deslocou para as margens do Rio Caraíva, onde receberia hóspedes para levá-los até a pousada onde trabalhava. O momento coincidiu com o início da operação policial no distrito, o que fez com que Vitinho não encontrasse os clientes. Vitor teria deixado de responder mensagens pelo celular por volta das 18 horas. O corpo do jovem foi localizado às 3h da manhã de domingo 11, no IML de Trancoso, a aproximadamente 100 km de Caraíva.

A comunidade denuncia sinais de tortura: múltiplas fraturas no tórax, hematomas no rosto, ferimento por arma branca na costela que atingiu o coração e um disparo na jugular. Marcas de algemas e joelhos esfolados sugerem que foi rendido vivo e executado. “O rosto estava visivelmente deformado por agressões violentas”, descreve uma nota sobre o caso, divulgada pela comunidade de Caraíva.

Defesa rebate versão apresentada pela Polícia

A operação que resultou na morte de Vitor contou com agentes da Polícia Militar, da Polícia Civil e da Polícia Federal. O objetivo era cumprir mandados de prisão contra integrantes da facção Anjos da Morte, que controla o tráfico de drogas na região.

Na mesma ação, foi morto Davisson Sampaio dos Santos, de 23 anos, conhecido como Alongado, apontado como chefe do grupo criminoso.

O comandante do Comando de Policiamento da Região Extremo Sul, coronel Luís Alberto Baqueiro Paraíso Borges, afirmou que a operação transcorreu dentro da legalidade e que eventuais desvios serão apurados. O PM também sustentou que, no momento da abordagem, Alongado estava acompanhado por dois seguranças armados – um deles seria Vitor.

O advogado Rafael Rosa, que faz a defesa dos familiares da vítima, rebate. “Não havia qualquer investigação contra o Vitor”, declarou à reportagem. “O Vitor era uma pessoa que todos gostavam em Caraíva e não tinha qualquer envolvimento com tráfico.” Para o advogado, trata-se de mais um caso de racismo – os policiais teriam confundido com outro homem chamado João Vitor, também apelidado de Vitinho, que tem ficha criminal. “Por fotos, a única coisa que iguala os dois é a cor da pele.”

Ainda de acordo com Rosa, há relatos de que policiais desligaram câmeras de segurança antes da abordagem.

O Ministérios Público da Bahia abriu um processo para acompanhar as investigações. A Polícia Civil também já apura o caso.

CartaCapital pediu esclarecimentos do caso à Secretaria de Segurança Pública da Bahia, mas não obteve respostas. A reportagem também solicitou uma posição sobre o caso ao gabinete do governador Jerônimo Rodrigues (PT), mas não teve respostas.

Protestos e intimidação

Vitinho foi sepultado na segunda‑feira 12, em Itabela, sob forte comoção. Depois, amigos percorreram as ruas e pontos emblemáticos de Caraíva. Nas mãos, cartazes com as frases: ‘Por que mataram meu amigo?’, ‘Justiça por Vitinho’ e ‘Vitinho vive’.

Moradores denunciam que têm sido intimidados por policiais envolvidos na operação, que seguem circulando pela região.

O corpo do Vitinho foi encontrado no dia das Mães, mais uma mãe negra chorando a morte de seu filho. Ele carregava o nome da mãe dele, Luzia, tatuado no peito. Ele gostava de ser chamado de Vitinho da Luzia”, lamentou Bárbara.

“Queremos transformar a morte do Vitinho, que sempre foi uma pessoa revolucionária, em uma luta maior, de reestruturação da Polícia Militar da Bahia, a que mais mata jovens negros no País”, criticou a amiga da vítima. “Eles já foram longe demais”.

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Last Update: 13/05/2025