O artigo Não é uma questão de número, assinado por Eduardo Guimarães e publicado pelo Brasil 247, é uma demonstração de que a esquerda pequeno-burguesa, de tão adaptada à pressão do imperialismo, abandonou por completo a defesa de um regime minimamente democrático.
Comentando a votação recente que pode resultar na anulação da ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o blogueiro Eduardo Guimarães afirma: “esses meliantes de extrema-direita tentam vender aos mais burros a premissa de que é uma questão de número a rejeição pelo STF da patranha do trancamento de ação penal de um parlamentar também beneficiar quem não é parlamentar (como Bolsonaro)”.
O próprio linguajar do deputado já chama a atenção. É normal na luta política chamar um político profissional de “meliante”. Benjamin Netaniahu, primeiro-ministro de “Israel”, é um meliante, para se dizer o mínimo. É um delinquente, um patife, responsável pela morte de dezenas de milhares de pessoas.
Os “meliantes” a quem Guimarães se refere, no entanto, não são políticos. São pessoas cujo “crime” é pensar diferente dele. Para o blogueiro, apoiar Bolsonaro é suficiente para que alguém seja considerado um criminoso — e, portanto, na visão dele, uma pessoa que não é humana. Afinal, quem divide o mundo entre “meliantes” e “não meliantes” é a extrema direita, para quem “bandido bom é bandido morto”.
Guimarães usa o termo “meliante” porque quer vencer seus adversários na truculência. Não quer se dar ao trabalho de argumentar e defender as suas posições — o que seria esperado de uma pessoa civilizada. Quer transformar a luta política em um assunto de polícia.
Dito isso, vejamos agora o que o autor diz. Segundo ele, a “questão de número” seria algo que não teria a menor importância para o debate:
“Hei, gado burro, não importa se foram 315 votos do Legislativo e 5 do Judiciário, os agentes são apenas dois, os Poderes Legislativo e Judiciário.”
Formalmente falando, Guimarães tem razão. A maioria dos votos do Supremo Tribunal Federal (STF) determina as decisões do Judiciário, da mesma forma que a maioria dos votos da Câmara dos Deputados determina as decisões do Legislativo. A maioria do Judiciário implica em um total de seis e, em certos casos, tão-somente três votos. Já na Câmara dos Deputados, 257 formam uma maioria.
Mas este não é o debate. O debate é que cada instituição, segundo a Constituição Federal, deve atuar conforme as suas atribuições. Ao Congresso, cabe criar leis. Ao Judiciário, fiscalizar o seu cumprimento.
O STF, muito longe de fiscalizar o cumprimento da Lei, decidiu estuprar a Constituição de 1988 como nunca visto ao aceitar a denúncia da “tentativa de golpe de Estado”. Uma quantidade inacreditável de direitos democráticos foram violados.
O que o Congresso fez, neste caso, foi aprovar a sustação da ação penal, com base no artigo 53 da Constituição Federal, que rege a imunidade parlamentar. Tudo o que o Congresso fez foi tentar impedir que o STF violasse a Constituição.
Dada a posição de cada um, agora chegamos a uma conclusão fundamental: o STF está atropelando duplamente os direitos democráticos da população. Por um lado, rasga estes direitos ao tomar decisões arbitrárias. Por outro, ao atropelar o Congresso, joga no lixo os votos daqueles que escolheram os seus parlamentares.
E é neste momento que o debate dos números se torna relevante. Pois o que o caso mostra é que o voto de meia dúzia de juízes que não foram eleitos por ninguém está acima do voto de centenas de deputados eleitos por milhões de pessoas. Isto é, que o regime é uma ditadura.