
A freira brasileira Aline Pereira Ghammachi virou manchete nesta segunda-feira (12) após ser destituída do cargo de madre-abadessa do Mosteiro San Giacomo di Veglia, em Veneza, na Itália, em um episódio marcado por polêmicas e denúncias de preconceito dentro da Igreja Católica.
Nascida em Macapá (AP) e filha de donos de jornal, ela se formou em administração de empresas, mas logo optou pela vida religiosa, atuando como intérprete e tradutora de documentos sigilosos.
Em 2018, aos 33 anos, Aline chegou ao comando do mosteiro, tornando-se a mais jovem em toda a Itália a assumir tal cargo. A comunidade liderada por Aline reunia pouco mais de 20 religiosas. Desde que assumiu a liderança do convento, ela promoveu uma série de mudanças: passou a receber o público, ofereceu apoio a mulheres vítimas de violência, criou uma horta voltada a pessoas com autismo e iniciou o cultivo de uvas para a produção de prosecco.
Há dois anos, no entanto, a freira foi denunciada anonimamente ao papa Francisco. A carta alegava que ela maltratava e manipulava outras irmãs, além de esconder informações sobre o orçamento do mosteiro. Após o recebimento da denúncia, o Vaticano iniciou uma auditoria. A primeira inspeção ocorreu em 2023, durou várias semanas e, de acordo com documento obtido pela Folha de S. Paulo, terminou com a recomendação de arquivamento do caso.

Apesar da recomendação de arquivamento, o processo contra a religiosa foi reaberto meses depois. Segundo ela, a decisão partiu de frei Mauro Giuseppe Lepori, superior da ordem responsável pelo mosteiro e antigo colega de trabalho. “Ele dizia que eu era bonita demais para ser abadessa, ou mesmo freira. Falava em tom de piada, rindo, mas me expôs ao ridículo”, relata.
Em 2024, o Vaticano enviou uma nova visitadora apostólica para assumir o seu lugar. “Ela não fez nenhum teste conosco, não fez absolutamente nada, apenas teve uma conversa. E chegou à conclusão de que eu era uma pessoa desequilibrada e que as irmãs tinham medo de mim”, afirma Aline.
Cerca de um ano após a visita, enquanto Francisco ainda se recuperava de problemas de saúde, Aline recebeu a notícia de que seria afastada do cargo. Uma nova madre-abadessa assumiria a liderança da comunidade.
A nova superiora, de 81 anos, chegou no mesmo dia da morte do papa. Apresentou-se como enviada por ele. “Isso aconteceu num dia de luto para a Igreja, e num dia em que nós não poderíamos recorrer a ninguém. Chega essa comissária e se diz representante de uma pessoa que não existe mais”, afirma.
Aline foi orientada a deixar o mosteiro e se recolher em outra comunidade católica. “Disseram que eu teria de fazer um caminho de amadurecimento psicológico.” Ela recusou. “Primeiro, porque eu não sabia a razão de ter sido mandada embora do mosteiro. E segundo porque não existiu uma denúncia formal ou um julgamento.”
O episódio que culminou em sua demissão ganhou repercussão mundial após a morte do Papa Francisco, pela suspeita de ser fundamentado em visões preconceituosas sobre sua idade e origem. Aline denunciou publicamente o que considera uma injustiça, influenciando outras freiras a segui-la.