Douglas Barros, psicanalista e autor do livro “O Que É Identitarismo?” – Foto: Reprodução

Em entrevista à Folha, o psicanalista Douglas Barros, autor do livro “O Que É Identitarismo?”, defendeu sua tese de que o identitarismo não é uma escolha pessoal, mas sim uma imposição do Estado neoliberal. Para ele, a construção de políticas públicas voltadas para minorias no capitalismo pós-fordista não busca apenas promover a inclusão, mas gerenciar identidades para evitar conflitos sociais que possam ameaçar o sistema. O psicanalista argumenta que a ascensão de líderes da extrema direita, como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Viktor Orbán, está diretamente ligada ao ressentimento de aqueles que acreditam que grupos minoritários estão “furando a fila” ao acessar mais direitos.

Na esquerda há quem diga que o identitarismo não existe –que é apenas um espantalho construído pela extrema direita. Ele existe, afinal?

Existe, né? Tanto que se fala dele. A minha tese é que ele não existe como uma escolha, mas como uma forma impessoal de gestão dos conflitos sociais. Só que aí vem algo complicado: essa forma organiza identidades que aparecem como sólidas, fechadas e muito definidas. A identidade se marca por exclusão.

Quando você cria uma gestão baseada na organização de identidades, você cria condições para que essas identidades acessem direitos em detrimento de outras.

Na tentativa de evitar o conflito social, ele entra por outra porta —com o ressentimento diante do acesso aos direitos. É o que vemos na fala da extrema direita. Como se as pessoas excluídas do processo de modernização, de renda básica, de riqueza, estivessem agora furando a fila.

O sr. defende que o neoliberalismo produziu o identitarismo do século 21. De que forma?

Sobretudo por uma mudança no mundo do trabalho. Você sai de uma estrutura rígida, com horários fixos e organizada por leis trabalhistas. O neoliberalismo vai por outra premissa, que é a flexibilização, a competição e a busca por satisfação.

Isso tem como resultado uma substituição do espaço da solidariedade. O fato de que você trabalhava a vida toda num único lugar também gerava uma solidariedade entre seus pares. A flexibilização do trabalho vai ter outros impactos. Um deles é uma relação de mobilidade e competitividade baseada na ideia de meritocracia.

Só que precisa ter um acerto de contas com a dimensão histórica. Ficou muito visível, com a ruptura do mundo do trabalho fordista, que grupos excluídos estavam em desvantagem competitiva.

Essa transformação do modo de gerir consolidou formas de garantir também a competitividade desses grupos. Além de serem consumidores em potencial, eles também são fontes de conflitos políticos e sociais. A tentativa é sempre dirimir qualquer possibilidade de conflito. Daí a necessidade de criar categorias engessadas para organizar esses grupos no mercado.(…)

A direita radical de Bolsonaro, Trump ou Orbán é também identitária?

Sem dúvida. À medida que eles evocam a ideia de universalidade, eles dizem: “Mas essa universalidade é para nós, os brancos”. A primeira medida de Trump foi ultraidentitária, que é excluir todos os diferentes do território. Não é à toa que você vê bandeiras do lado branco da Guerra Civil. Eles estão imersos nessa lógica ultraidentitária, uma lógica protofascista.

Orbán pede uma limpeza étnica, uma consolidação de fronteiras. O diferente tem que ficar no lugar de fora. Elon Musk não estava dando tchauzinho —foi um aceno para as bases identitárias da extrema direita. Esses valores universais proclamados por eles são universais para um pequeno grupo. O grupo branco, patriarcal, heteronormativo.(…)

Donald Trump e Jair Bolsonaro durante encontro em Mar-a-Lago – Foto: Alan Santos/PR

Há saída da bolha do identitarismo?

No horizonte ser realista é não enxergar saídas. Qual a resposta para o fracasso do neoliberalismo? Me parece ser o recrudescimento ao fascismo e às guerras.

Mas a história é muito mais dinâmica do que as formas que temos de avaliá-la e interpretá-la. Talvez uma boa resposta seja voltar a entender a política como conflito. Não o que a extrema direita impõe: um conflito de disputa de ideias e de visão de mundo.

Me acendeu uma esperança imensa a ideia do fim da escala 6×1, porque é também uma desmistificação da visão de mundo neoliberal. As pessoas estão morrendo no trabalho. Dizer que a vida não precisa ser só isso talvez seja uma das formas de recolocar o nosso campo no horizonte da política, no horizonte social e no horizonte das pessoas comuns. São essas pessoas que importam. Apesar de dizerem que meu livro é muito difícil e que elas não vão ler.

Conheça as redes sociais do DCM:

⚪️Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo

🟣Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 12/05/2025