Por Carolina Bataier
Da Página do MST/Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária

Em 2019, o produtor rural Adailton Souza Santos acordou com o barulho de seis helicópteros invadindo o acampamento Abril Vermelho, em Juazeiro (BA). 

A área, morada de centenas de famílias, foi alvo de uma operação violenta de retirada dos moradores. “Lá nós tínhamos uma produção de banana, coco, goiaba, acerola, manga, cebola, tomate e pimentão. Chegou a ser o maior acampamento do Brasil, em termos de produção”, lembra.

O despejo acabou com o trabalho de décadas. Em poucas horas, as plantações, casas e até a escola estavam destruídas. “Os tratores passavam por cima de porcos e carneiros, que explodiam. Eles simplesmente vieram para para amedrontar”, conta. 

Aquele era o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), que iniciou o mandato com a suspensão dos processos de demarcação de terras para a reforma agrária. 

“A ideia dele era cumprir aquela promessa de acabar com o sem terra, né? Mas com sem terra, minha filha, não acaba não”, diz Santos, com brilho nos olhos. “Sempre tentaram acabar. Já tem o quê? 40 anos de luta e não conseguiram”. 

A aproximação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aconteceu há 16 anos. Antes disso, Santos chegou a falar mal do movimento. “Quando houve a ocupação e o massacre do Eldorado dos Carajás, que foi manchete, eu tive a frieza de dizer: bem feito, quem manda eles invadir terra alheia”, lembra. O massacre resultou na morte de 19 trabalhadores rurais, em 1996, no oeste do Pará. 

Embora se mantivesse distante do MST, Adailton Santos sempre foi um homem da terra, filho de agricultores e, por isso, decidiu buscar um lote para poder viver e realizar o seu trabalho com as mudas frutíferas. 

Antes de viver no acampamento Abril Vermelho, ele era meeiro, trabalhando em terras de outras pessoas e entregando, como pagamento, parte da sua produção. 

“Eu tava já cansado disso”, diz. Quando soube que o MST estava dividindo lotes na área do Abril Vermelho, ele decidiu ir para lá, “mas só pela terra”, ressalta. “Mas quando eu cheguei lá, eu ouvi uma frase que não sai nunca dos meus ouvidos, que é ‘se vocês pensam que para a gente conquistar isso aqui, vai ser mamão com mel, vocês estão enganados. Isso aqui é dureza”. 

De fato, não foi fácil. O acampamento Abril Vermelho foi alvo de seis ameaças de despejo. O último deles terminou de forma violenta e, até hoje, quando lembra daquela madrugada quando chegaram os helicópteros, Adailton fica com os olhos cheios de lágrimas. 

O alerta sobre a dificuldade da vida em acampamento, dado por uma liderança do MST, soou para Santos como um compromisso. E, também, como uma prova da seriedade do movimento que hoje ele defende. “Eu choro pelo movimento, eu sou movimento”, diz. 

Santos divide a rotina de trabalho entre a coleta das sementes, comercialização e criação das mudas. Foto: Larissa Lopes

Na 5ª Feira da Reforma Agrária, ele usava um boné do MST. O fundo da banca era coberto por uma bandeira do seu estado, a Bahia. No balcão, pinhão, cacau, cupuaçu, banana, melão e buriti formavam uma composição atrativa para os visitantes. As frutas não estavam à venda, mas eram uma amostra de tudo que Santos pode produzir com suas mudas. 

“Você acredita que tem gente que não sabe de onde vem o chocolate?”, diz, com um cacau na mão. Com paciência, ele responde as perguntas de quem passa pela sua banca, no Caminho da Agroecologia, espaço que concentra a experiência do MST sobre produção saudável e temáticas ambientais. 

Na noite de sábado, penúltimo dia do evento, restavam poucas mudas para serem vendidas. Uma jovem agricultora para ali para perguntar o preço do cupuaçu e Santos explica que não está à venda, é parte da decoração. Ela lamenta, porque não encontrou o fruto em lugar nenhum. Santos, então, entrega o cupuaçu à moça, que sorri. 

O agricultor celebra mais uma troca, entre tantas realizadas durante o evento. “Eu me alimento disso”. 

‘Aprendi olhando a natureza’

De Juazeiro até São Paulo, foram três dias de viagem de ônibus. Junto de Santos, vieram 158 mudas de árvores frutíferas, quase todas vendidas nos três primeiros dias da V Feira Nacional da Reforma Agrária. 

Ao entregar as plantas aos visitantes, o produtor não economiza conhecimento aos que fazem perguntas. “Aí é o buriti”, diz, apontando o fruto pequeno, de casca dura. “Ele dá um doce fantástico. A palha dele faz chapéu, peneira, leque”.

A lida com plantas começou na infância, de observar o pai fazendo mudas de coco. Experiente, Adailton Santos precisa de poucos minutos para explicar, por exemplo, a importância dos enxertos na produção de frutas mais saborosas e árvores mais resistentes. 

“Primeiro, a planta enxertada, ela ocupa um espaço menor”, diz. “Segundo, você tem a certeza que é uma planta de qualidade”. 

No acampamento Terra Nossa, ele divide a rotina de trabalho entre a coleta das sementes, a comercialização e a criação das mudas, tarefa preferida, porque “de certa forma, quando você senta para você fazer uma muda de uva, você tá criando um novo ser”. 

Para esse trabalho, ele explica, as mãos devem estar limpas e as ferramentas precisam ser boas. Isso, ele também aprendeu com o pai e com a própria experiência, aperfeiçoada ao longo dos anos.“Eu não tenho nenhuma formação, nada nesse sentido, absolutamente nada”, revela. “Aprendi olhando a natureza, olhando o meu ambiente”, diz. 

* Editado por Mariana Castro

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Last Update: 11/05/2025