
Por Carolina Bataier e Katia Marko/Equipe de texto da 5ª Feira da Reforma Agrária
Da Página do MST
Em 2024, o Brasil enfrentou diversos eventos climáticos extremos. No Rio Grande do Sul, a população sofreu com a pior enchente da história, enquanto no Amazonas, a seca dos rios afetou milhares de pessoas. Incêndios no Sudeste e a seca no Pantanal completam o cenário de emergência climática.
Tudo isso está acontecendo no mundo inteiro e nós não podemos realmente deixar a temperatura continuar subindo”, alerta o cientista climático Carlos Nobre.
A Fala de Nobre ocorreu durante na conferência Agroecologia: produzir alimentos e enfrentar a crise climática, na programação da 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária. Ele dividiu a mesa de debates com o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile, e da ministra das Mulheres, Márcia Helena Carvalho Lopes.
Em sua fala, o cientista apresentou números que indicam a relação entre a exploração predatória da natureza e a crise do clima. No Brasil, cerca de 70% das emissões de gases causadores do aquecimento global são resultado de ações do agronegócio, como o desmatamento e a produção de gado em larga escala, de acordo com Nobre.

Em nível mundial, o sistema de exploração do solo em larga escala também tem impactos nas emissões. “No mundo, 30% das emissões praticamente vem do agronegócio, até porque, globalmente, essa forma de produção usa muito combustível fóssil para energia”, informa o cientista.
O agronegócio, além dos crimes ambientais, não produz alimentos”, pontua Stédile. “Ele produz commodities. Isso não desenvolve o país, não resolve os problemas do povo, só agrava. Para produzir alimentos saudáveis é preciso incorporar a agroecologia”, destaca.
Os dados de 2023 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) dão um panorama da ameaça. Estados onde o desmatamento aumenta como consequência das atividades do agronegócio lideram a lista de emissores. O Pará fica em primeiro lugar, seguido do Mato Grosso. Entre as principais fontes de emissão de gases causadores do efeito estufa no Brasil, estão as mudanças no uso do solo em primeiro lugar, seguida da criação de gado.
Todo o sul da Amazônia está no ponto de não retorno. Toda a região do sul do Pará está muito desmatada. A estação seca já está cinco semanas mais longa”, alerta Nobre. Isso significa que, se o desmatamento não for contido nessas áreas, a floresta não será capaz de se regenerar. “Pode levar milhares e milhares de anos para aquele ecossistema voltar”, explica o cientista.
Natural de Londrina, no Paraná, a nova ministra das Mulheres, Márcia Helena Carvalho Lopes, é uma parceira antiga do MST, como destacou Stedile. Ela ressaltou sua intenção de trabalhar com o movimento na sua gestão no ministério. “O MST é um exemplo para nós, não só pela produção, mas por sua política inclusiva. Quero me encontrar com todas vocês mulheres desse país para conversar e ver pautas comuns.”

A nova ministra também reforçou que cada um que toma uma decisão errada contra o meio ambiente, também comete crimes. “Para mudar a situação precisamos fazer mais formação política. O MST sabe o que é formar desde as primeiras gerações. É nas novas gerações que temos que apostar muito. Esse debate não é do MST, é de toda a humanidade.”
Agroecologia para conter a crise climática
Após alertar para o cenário global da crise climática, Nobre indicou as práticas agroecológicas e a Reforma Agrária Popular como as saídas para o problema.
“Todos os produtos da nossa biodiversidade – o número um é a mandioca, número dois é o açaí, castanha, cacau, vários outros, jabuticaba, etc., tudo isso é 0,3 a 0,4% do PIB [Produto Interno Bruto] do Brasil. Nada”, informa, chamando a atenção para o desafio de ampliar a relevância econômica dos produtos cultivados de modo saudável.
“Um produto, a carne bovina, é 6% do PIB. Quer dizer, um produto que é o maior vetor de desmatamento em todos os nossos biomas é 15 a 20 vezes mais que todos os produtos da agroecologia. Então eu quero realmente colocar isso como um enorme desafio”, diz.

Stedile ressalta que, nos 41 anos de existência, o MST mudou sua missão, agregando a pauta ambiental à luta pela terra. “Nos demos conta que só a conquista da terra não resolvia o problema. Nas últimas duas décadas mudou as condições de luta pela terra. Precisa ser uma luta contra o modelo capitalista de produção. Incorporamos a ideia de defender a natureza. Construímos o programa de plantio de árvores. Queremos plantar 10 milhões de árvores por ano em todos os nossos territórios, mas também nas cidades. Nosso sonho é plantar árvores em todas as beiras de BRs do Brasil”, diz.
Segundo ele, o MST também estabeleceu como um pilar importante plantar alimentos saudáveis, superando o desafio dos insumos, com o desenvolvimento de pesquisas para a produção de sementes.
“Quem não controla as sementes não controla a agricultura”, constata Stedile.
O dirigente também defendeu que é preciso introduzir a agroecologia com a produção em grande escala. Para isso, anunciou a instalação de fábricas de fertilizantes orgânicos pelo país, em parceria com o governo brasileiro e chinês. Outra iniciativa para massificar a agroecologia são as máquinas agrícolas, também com tecnologia chinesa. Por fim, anunciou também que o Movimento trará para o Brasil a tecnologia da energia solar concentrada para substituir o uso de caldeira.
“Essas são algumas ideias do que nós estamos fazendo e, claro, não estamos fazendo sozinhos, nós precisamos de pesquisadores, da parceria com a Embrapa, dos governos, para nós encontrarmos soluções e transformar a agroecologia em uma agricultura em escala para produzir todos os 167 tipos de alimentos diferentes que a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] se dispõe a comprar e já comprava no primeiro mandato do governo Lula. Nós temos aí um horizonte enorme para a produção de alimentos em escala, para podermos garantir comida boa na mesa de todo o povo brasileiro”, concluiu.
Para Nobre, o trabalho do MST é essencial para a mudança do modo de produção no país e, consequentemente, para a contenção dos efeitos da crise do clima.
Nosso grande desafio é a COP 30 em Belém, vamos todos juntos, por favor, MST estejam fortemente representados porque vocês têm que ir lá e mostrar que vocês têm sim a solução sustentável para a agricultura e a agroecologia (…). Por favor, vençam essa batalha da agroecologia”, pediu Nobre.
*Editado por Solange Engelmann