Meu primeiro contato com Fernando Collor foi no Bar do Alemão, em circunstâncias boêmias. Nicodemus Pessoa, o querido Pessoinha, jornalista que veio do Nordeste, apareceu no bar com um sujeito grandão. Estávamos em plena roda de choro e ele nos apresentou o amigo:
- Este aqui é Pedro Collor, filho do senador e Arnon de Mello.
Um diabinho conhecido entrou no meu cérebro e tirou, dos seus recônditos, lembrança que guardei desde os 8 anos. E o chopp do Alemão destravou minha língua:
Até o nome da vítima eu lembrava. Pedro levantou na hora querendo brigar. Foi contido pelos outros boêmios, Serginho Leite e Baiano.
A noite terminou com Pedro sentado em uma cadeira, bêbado como um gambá, e recebendo um sermão do Pessoinha – que, de pé, tinha a mesma altura de Pedro, sentado:
- Você é a vergonha do Nordeste. Te apresento meus amigos e você faz esse papelão.
O segundo contato foi quando já tinha meu programa Dinheiro Vivo, na TV Gazeta. Dia sim, dia não, desancava o governo Sarney. Mais ainda depois que Saulo Ramos negociou meu pescoço na Folha, com Otávio Frias.
Irmão de Fernando Collor, Leopoldo Collor trabalhava para a Manchete. Um dia, me convidou para almoçar. No almoço falou dos pontos em comum com seu irmão – as críticas ao governo Sarney -, disse que Fernando seria o próximo presidente do Brasil e me convidou para me aliar a ele. Perguntei quem já tinha se aliado. E ele:
- Ferreira Neto!
Manifestei meu alívio com a informação, porque já era o argumento definitivo para não chegar nem perto de Collor.
Ferreira Neto foi um dos primeiros jornalistas entrevistadores da TV. Tinha um programa na Gazeta, também. Quando Orestes Quércia foi eleito, ele conseguiu subir para superintendente da Gazeta. Meu programa sempre terminava com uma entrevista rápida. Certo dia, com o ex-Ministro Severo Gomes como entrevistado, ele me abordou antes do começo do programa:
- Vamos acabar com essa história de você fazer entrevistas. Aqui na Gazeta, só eu.
Reagi na hora:
- Então, no horário da entrevista, ficarei o tempo todo calado e olhando a câmera. E você se explica depois para a imprensa.
O ex-Ministro Severo, figura educadíssima, assistiu tudo com os olhos arregalados.
Quando estourou o Plano Collor, fui convidado para a apresentação inicial. Estavam na sala a Ministra Zélia Cardoso de Mello, o novo presidente do Banco Central, Ibrahim Éris, e, como jornalistas, eu, Joelmir Betting, Paulo Henrique Amorim e Lilian Witte Fibe.
À medida em que Zélia expunha o plano era o espanto geral. Haveria o confisco de cruzados e uma regra para impedir a contaminação do pós-cruzado pelo resíduo de inflação do mês anterior. Ponderei a Zélia:
- Mas isto é uma tablita.
Ela negou vigorosamente. Insisti, ela negando. Aí observo Eris olhando fixamente para mim. Olhei para ele que acenou a cabeça afirmativamente, tipo, é tablita sim, mas pare de pressioná-la. De fato, a ignorância de Zélia era cavalar.
Pouco antes, a Agência Dinheiro Vivo promoveu seu almoço mensal no Maksoud, com clientes especiais – em geral, dirigentes de multi ou de grandes empresas nacionais. Nele, havia a participação de Zélia e do economista Afonso Celso Pastore. Zélia foi uma enxurrada de afirmações desconexas, mostrando a pouquíssima familiaridade com a economia. Temi que Pastore, com sua rude franqueza, fosse humilhá-la. Mas ele se comportou como um cavalheiro, ou como um professor benevolente.
Depois do anúncio do bloqueio, foi um terremoto. Um pouco antes, aliás, nossa newsletter, Guia Financeiro, havia previsto algo do gênero, artigo do Sergio Sister e de um economista, professor da PUC. Na época, a hipótese parecia meio fantasiosa. Agora, era o país inteiro estatelado com o bloqueio.
Lembro-me que, na volta de Brasília, vim no avião com o herdeiro de um banco comercial de um estado do Nordeste que apoiara Collor. Perguntei qual sua posição agora. O filho, pequeno, veio correndo pela sala, para encontrar o pai. O banqueiro me disse:
- Quer saber? Meu filho tem um passarinho de nome Collor.
Quando o filho chegou, o pai perguntou o que achava de Collor. E o moleque:
- Fidaputa.
Collor iniciou com sua teoria do choque, mas com algumas iniciativas iniciais positivas. Montou a Câmara Setorial da Indústria Automobilística, sob comando da economista Dorothea Werneck, juntando toda a cadeia produtiva do setor, mais os sindicatos. Foi uma iniciativa fantástica.
Aos poucos, no entanto, foram aparecendo as brechas do plano. Primeiro, um desmonte irracional da economia, lembrando em muito o estilo de Donald Trump. A única medida boa foi o fim do SNI (Serviço Nacional de Informações). Apareceram denúncias de flexibilização do bloqueio e pagamento de propinas. O primeiro caso foi de suborno pago pela Rodonal (Associação de Empresas de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional) para liberar preços das passagens. Zélia acusou seu secretário particular, João Carlos Camargo. Anos depois, o comandante Rolim, da TAM, me confidenciou que as companhias aéreas também pagaram seu pedágio. Depois, começaram aparecer os negócios de Leopoldo Collor com a Telesp. E PC Farias já atuava de modo ostensivo.
Collor assumiu sem ter partido político e cercado por amigos alagoanos e aventureiros de todas as partes. Lembro-me do Edemar Cid Ferreira, o dono do Banco Santos, protegido de Sarney. Ele se aproximou da Telebras, dizendo a alguns executivos que tinha sido responsável por sua indicação junto a PC Farias. E começou a chantagear um colega de ginásio meu. O colega queixou-se, coloquei a menção no Guia Financeiro e recebo um recado apressado de Edmar, dizendo que pararia de pressionar meu ex-colega.
Na época, Dinheiro Vivo passava na TV Gazeta, na Educativa, do Rio, e na Nacional de Brasília. Entrou nas duas TVs federais por conta de um Ministro do governo Sarney, um gaúcho que, mesmo com as críticas ao seu presidente, gostava do programa.
Quando comecei a avançar nas críticas, Collor – que não perdia um programa – começou a se irritar. Em um aniversário, exagerou na bebida e passou a me atacar, o que foi testemunhado por José Nêumanne, que mencionou o ataque em uma reportagem no Estadão, sobre o aniversário de Collor, para o qual fora convidado.
A primeira represália surgiu com o fim da retransmissão do programa nas TVs federais. Minha irmã, na época repórter em Brasília, indagou do jornalista Marcelo Netto, diretor da TV Nacional, o que tinha ocorrido. Ele disse que tinha me ordenado não criticar mais a política econômica, e eu não o obedeci. Imediatamente liguei para ele. Disse-lhe que, na condição de presidente da TV Nacional, tinha o direito de romper o contrato com a TV Gazeta. Mas que não viesse com a história de que me ordenou qualquer coisa, pois sequer teve coragem de tentar.
O golpe final veio através da Globo. Ela cedeu à Gazeta vários blockbusters (filmes de grande audiência), para passar depois da meia noite, com a condição de que acabasse com meu programa. A Gazeta concordou. Pouco depois, explodiu a campanha do impeachment e a Folha me convidou para voltar com uma coluna diária, substituindo a de Joelmir Betting.
Poderia aproveitar o momento para engrossar a turba que linchava Collor. Mas a campanha era tão sem noção, sem escrúpulos, que não se sabia de que lado estavam os bandidos. Comecei a apontar as extravagâncias da campanha e apontar as denúncias consistentes, que não eram divulgadas pela mídia porque eram complexas de entender.
Uma das denúncias é que Collor mantinha recursos milionários em sua conta corrente. Na época, havia a conta remunerada. Todo dia o banco reaplicava o saldo do dia anterior. Os denunciantes somaram todas as reaplicações como se fosse dinheiro novo, resultando em um valor extraordinário. Fiz uma coluna mostrando o engano. Assim como ataquei os irmãos Gilberto Miranda e Egberto Baptista, que encenavam uma ofensiva contra Zélia. A Ministra me telefonou, então, agradecendo meu apoio a ela. Procurei deixar claro:
- Ministra, estou criticando dois aventureiros. Não significa apoio a você.
Em suas memórias, ela disse que decidiu pedir demissão depois que telefonou para um jornalista e constatou que não teria nenhuma forma de apoio da imprensa.
Ainda saracoteou um tempo. Fez uma viagem à Europa com o advogado Bernardo Cabral. Até concordou em contar sua história e sua paixão a Fernando Sabino, o consagrado autor de “Encontro Marcado”.
Na volta, foi visitar o governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury, e criticou os que a acusavam de ter se beneficiado do cargo.
Escrevi uma coluna com uma charada:
- Quando Zelia viajou, o bloqueio de cruzados ainda não havia sido flexibilizado.
- Zélia não tinha imóveis nem outra fonte de renda, que não o salário de Ministra.
- A viagem custou muito mais. De onde veio o dinheiro?
É óbvio que ela não respondeu. Mas o que arrecadou foi suficiente para que se mudasse para os Estados Unidos e se mantivesse por lá até hoje.
Tempos depois, Collor caiu. Passado um tempo recebo um e-mail de Laffaiette Coutinho, um ex-executivo do Banco Econômico que assumiu a presidência do Banco do Brasil, nomeado por Collor. No e-mail ele me desafiava. Dizia que eu gostava de enfrentar as unanimidades, e agora ele oferecia informações sobre uma que se formara: contra ele mesmo.
De fato, foi um bom presidente do BB, conforme outros funcionários me disseram depois.
Fomos almoçar no Cá D’Oro. Ele abusou um pouco da bebida e abriu o jogo.
Quando Collor estava acossado, Coutinho foi negociar o apoio de Orestes Quércia e Fleury. Teve duas reuniões, ambas com a presença de Roberto Amaral, super-lobista da Andrade Gutierrez. Ambos os políticos negociaram, então, quais as obras federais que deveriam passar para a Andrade Gutierrez, em troca do seu apoio.
Coutinho escreveu um relatório, colocou em um envelope e entregou a Collor. Meses depois, entrou no gabinete de Collor e o envelope continuava fechado. A ciclotimia de Collor tinha chegado ao auge, com ele em depressão, sem esboçar mais nenhuma reação.
Anos depois, negociei com a Folha uma entrevista com Collor, que estava em Miami. Na entrevista ele me disse que todos os donos de órgãos de imprensa tinham visitado ele, enquanto presidente, pedindo favores. O único que nada pediu foi Otávio Frias. De fato, Frias tinha uma ojeriza figadal da arrogância de Collor.
Indaguei dele o que o fez depor as armas, na campanha do impeachment. Para minha surpresa, disse que tinha sido a renúncia da Zélia. Ponderei que Zélia não tinha nenhuma dimensão técnica, defendia um modelo de grande agência pública investindo na economia, contra os princípios liberais de Collor. Mas, segundo ele, Zélia e seus jovens assessores representavam a juventude no governo. Reação bipolar, evidentemente.
A reportagem não saiu. Quando fui a Miami, pensava em falar com um ex-político. Na volta, veio o anúncio de que Collor pretendia se candidatar a nova eleição presidencial – o que acabou não acontecendo.
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