A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nessa sexta-feira (9) para condenar a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) a uma pena de 10 anos de reclusão em regime fechado, além da perda do mandato e da suspensão dos direitos políticos por oito anos. A decisão foi tomada no julgamento que acusa a parlamentar de participação a suposto ataque hacker ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocorrido em janeiro de 2023, juntamente com o hacker Walter Delgatti Neto, também condenado a oito anos e três meses de prisão.
O julgamento, realizado em ambiente virtual, segue até o próximo dia 16, mas já conta com votos suficientes para definir a condenação. Acompanhando o relator Alexandre de Moraes, votaram os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin. Restam os votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. O formato do julgamento impede qualquer debate entre os ministros, sustentação oral da defesa ou audiência com os advogados, sendo todo o procedimento feito por meio de registro eletrônico de votos.
Segundo o voto do relator, há “provas técnicas irrefutáveis” de que Zambelli atuou como instigadora e mandante do ataque. Moraes cita que arquivos idênticos aos que foram inseridos por Delgatti no sistema do CNJ foram localizados nos dispositivos eletrônicos da deputada, o que, em sua avaliação, comprova o vínculo direto entre os dois acusados. O ministro também destacou que Zambelli demonstrou “pleno conhecimento da ilicitude de suas condutas” e atuou “de forma premeditada, organizada e consciente”.
Entre os documentos supostamente inseridos por Delgatti no sistema do CNJ, estariam três alvarás de soltura falsos, um mandado de prisão forjado contra o próprio Alexandre de Moraes — com a frase “faça o L” — e uma falsa ordem de bloqueio de R$22,9 milhões em bens do ministro. A quantia corresponde à multa aplicada ao Partido Liberal (PL) em 2022 por questionar o resultado das eleições. Também foi inserida uma suposta ordem de quebra de sigilo bancário do magistrado.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), assinada pelo procurador-geral Paulo Gonet, acusa Zambelli de ter “comandado” e “planejado” o ataque, tendo como finalidade criar um “ambiente de desmoralização da Justiça brasileira” para obter vantagens políticas. A PGR afirma que Delgatti obteve acesso ao sistema do CNJ utilizando credenciais de servidores do órgão e chegou a forjar uma credencial com privilégios de magistrado para inserir os documentos falsos.
Em depoimento à Polícia Federal, Delgatti confessou a autoria das invasões e afirmou ter recebido cerca de R$40 mil pelos serviços. Parte do valor, segundo ele, foi transferida por um ex-assessor de Zambelli, e o restante entregue em espécie, em São Paulo. A Polícia Federal reconheceu que parte dos depósitos foram usados para compra de garrafas de uísque, mas apontou como relevante a existência de movimentações financeiras entre o hacker e pessoas ligadas à deputada.
Zambelli alega que contratou Delgatti apenas para cuidar de seu portal e redes sociais. No entanto, assessores da deputada ouvidos pela PF afirmaram que ele jamais prestou esse tipo de serviço. Além disso, foram encontrados áudios em que a deputada solicita ao hacker o endereço de Alexandre de Moraes. Ela declarou que sua mãe pretendia enviar uma carta ao ministro.
A pena fixada por Moraes inclui também multa de R$2 milhões a título de indenização por danos materiais e morais coletivos. O ministro argumentou que os motivos do crime “pesam em desfavor da acusada” e que ela demonstrou “desprezo e desrespeito ao ordenamento jurídico, às instituições e, consequentemente, à democracia”.
O relator vinculou o episódio à escalada de ações golpistas no país após as eleições de 2022. “A correlação temporal entre esses eventos não é meramente coincidencial”, escreveu Moraes, relacionando o ataque ao Judiciário com a preparação para os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Zambelli responde a outro processo no STF, relacionado ao episódio em que perseguiu um homem com arma de fogo nas ruas de São Paulo, na véspera do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Nesse caso, a maioria dos ministros também já votou por sua condenação, mas o julgamento está suspenso por pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.
A defesa da deputada criticou o julgamento e, por meio de nota, classificou a decisão como arbitrária, denunciando a ausência de garantias básicas de defesa. A íntegra da nota é a seguinte:
“A defesa da Deputada Carla Zambelli novamente externa sua irresignação, não somente pelo voto proferido que arbitrariamente julgou procedente as acusações, mas especialmente pelas inúmeras nulidades desprezadas e cerceamento de defesa ocorrido.
Além disso, apesar do enorme respeito que se tem para com os Eminentes Ministros da 1ª Turma da Suprema Corte, inadmissível que o processo não tenha sido submetido a julgamento presencial ou virtual com a possibilidade de sustentação oral na presença dos julgadores, bem como, que ainda não tenha sido disponibilizada ao menos audiência com os integrantes da Turma julgadora para que a defesa possa apresentar memoriais e externar pontos importantes do processo.
Absolutamente injusto que Deputada tenha sido julgada e condenada sem provas irrefutáveis e induvidosas, ainda mais por fatos que desconhecia, como por exemplo os alvarás falsos que o mitômano Walter fez para seu primo e terceiras pessoas.
Saliente-se que jamais se deixará de acreditar na Justiça e se espera que algum dos Ministros possa pedir vistas e examinar todos os argumentos lançados pela defesa e, futuramente, modifique o rumo sugestionado pelo Relator.”
Ao final do julgamento, caberá recurso à própria Corte. A pena, no entanto, só poderá ser executada após o trânsito em julgado.