Não é à toa que a reivindicação pelo fim da escala 6×1 está ganhando cada vez mais popularidade. O Brasil tem uma das maiores jornadas de trabalho do mundo e um dos menores salários mínimos. O excesso de trabalho e o pouco tempo livre também têm contribuído para a epidemia de doenças mentais que assolam a classe trabalhadora.

No caso das mulheres, devido à dupla jornada, a situação é ainda mais grave. Elas dedicam, em média, 21 horas semanais aos afazeres domésticos, enquanto os homens dedicam apenas 11h. Assim, na única folga semanal, a trabalhadora segue sobrecarregada com cuidados da casa e da família.

Reduzir os lucros das grandes empresas, para reduzir a jornada

Segundo estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 19 milhões de trabalhadores estão em sobrejornada — ou seja, acima das 44 horas semanais previstas na Constituição. Ao mesmo tempo, mais de 75 milhões trabalhadores formais e informais poderiam se beneficiar da redução da jornada para 36 horas, sem redução de salários, com benefícios à saúde, ao convívio familiar e à sociedade e gerando mais empregos.

Contudo, os empresários e a grande imprensa têm reagido com a ladainha de que o fim da escala 6×1 seria “impossível” e causaria um “desastre econômico”. Alegam que a redução da jornada, sem redução de salários, forçaria as empresas a contratarem mais funcionários, aumentando seus custos, o que levaria ao repasse para os consumidores ou a demissões em massa. São os mesmos argumentos usados contra o 13º salário, o FGTS e outras conquistas.

Em nota oficial, a Associação Comercial de São Paulo chegou a declarar que a medida “é um retrocesso por duas razões: a primeira é porque pode colocar em risco o emprego do funcionário, já que ao adotá-la a empresa terá um custo maior e vai precisar modificar seu custeio de uma maneira geral. Por outro lado, se a empresa aceitar esse custo adicional que o empresário vai carregar, isso será necessariamente repassado ao preço do produto final. Ao final, quem pagará a conta será o próprio trabalhador”.

O que não falam é que eles não precisam nem demitir, nem cortar salários e nem repassar os custos, há uma quarta opção: reduzir os lucros das grandes empresas.

Só o setor farmacêutico, dominado por três grupos (RD, Pague Menos e DPSP), faturou R$ 91,3 bilhões em 2023. Já os 15 maiores supermercados movimentaram mais de R$ 348 bilhões, com quatro redes concentrando 70% do mercado. Esses números revelam não apenas o alto grau de concentração e lucratividade desses setores, mas também demonstram que há margem para reduzir jornada sem cortar salários ou repassar preços.

Por isso, não confiamos nas falácias dos empresários, que defende a semana 4×3, com objetivo de intensificar o ritmo de trabalho e até transferir os custos para o Estado, por meio de isenções fiscais. Somos contrários a qualquer contrapartida desse tipo.

Defendemos outro caminho: sobretaxar as 250 maiores empresas do país para financiar a transição dos pequenos negócios ao novo regime de trabalho. E se os grandes conglomerados ameaçarem encerrar operações no país ou descumprirem a lei, o governo deve colocar a expropriação na mesa.

Mobilização

Não é possível vencer se não sabemos contra quem lutamos

Nos atos de 1º de Maio ecoou o grito pelo fim da escala 6×1. De um lado, trabalhadores retomaram a histórica luta por redução da jornada — origem do Dia do Trabalhador, com a greve dos operários de Chicago, em 1886. Do outro lado da trincheira, o Supremo Tribunal Federal (STF) travou as ações judiciais que contestam o uso da pejotização para burlar direitos trabalhistas, ameaçando legalizar um modelo ainda mais precário de contratação.

A cena retrata a realidade nitidamente: se depender dos “de cima”, do Congresso, do Judiciário e do governo se sensibilizarem pelo clamor das ruas, nossos direitos continuarão sendo rifados em nome dos lucros empresariais. Não por acaso, a proposta da semana 4×3 foi chamada de “sonho” por Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara, que há meses está sentado em cima da PEC do fim da 6×1.

Afinal, para abolir essa escala da escravidão moderna será preciso inverter o jogo, apostar na mobilização independente da classe trabalhadora, sem ilusões nas instituições e no governo. Apoio popular não falta: a rejeição à escala 6×1 já conquistou a maioria da sociedade e a força nos locais de trabalho cresce. A greve no dia 1º de maio no Zaffari (rede de supermercados) foi exemplo disso, passando por cima do sindicato pelego, que negociou a absurda escala 10×1.

Não é à toa que até Lula, após meses de silêncio, tenha sido obrigado a se pronunciar. Mas, enquanto acena aos trabalhadores com promessas de “diálogo”, também celebra empresas como o Mercado Livre — símbolo da exploração em escala 6×1.

Com mais da metade da força de trabalho desempregada, subutilizada ou na informalidade, o Brasil do “pleno emprego” festejado por Lula é, na verdade, um paraíso para as grandes indústrias, redes de farmácias, supermercados e e-commerces que lucram com jornadas extenuantes e os contratos temporários e precários permitidos pela Reforma Trabalhista e a lei das terceirizações.

Só falar não basta

Lula deve agir pelo fim da escala 6×1

Brasília (DF) 11/02/2025 O vice-presidente Geraldo Alckmin, o presidente da Câmara, Hugo Motta, o Presidente Luiz Inácio Lula Da Silva, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na abertura do Encontro de Novos Prefeitos e Prefeitas Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

No pronunciamento de 1º de Maio, Lula disse que é hora de “aprofundar o debate” sobre a escala 6×1. Gleisi Hoffmann prometeu que o tema será prioridade do governo. Mas, depois da demora injustificável para se posicionar diante de uma reivindicação tão urgente, isso é pouco. Discurso, por si só, não basta. Precisamos de ação concreta para garantir a aprovação dessa pauta.

É inadmissível que diversos projetos de redução da jornada continuem parados no Congresso. Afinal, quando se trata de ataques aos trabalhadores, o governo se mostra ágil. E ao contrário do que dizem seus defensores, o problema não é falta de força para agir. Até o líder do Partido Liberal (PL), o bolsonarista Sóstenes Cavalcante, contrário à pauta, reconheceu isso:

“O colégio de líderes nunca discutiu isso. Se o governo quiser, ele tem força para fazer a matéria andar, mas até agora não tenho sentido nenhum interesse do governo em fazer essa pauta avançar”, afirmou em entrevista ao portal UOL.

O que tem faltado é vontade política. E isso se explica pela opção do PT por um projeto de conciliação com os setores da burguesia.

O Centrão, que controla o Congresso com o apoio do próprio governo, não tem interesse algum em aprovar essa pauta. A oposição bolsonarista é abertamente contrária. Só a mobilização da classe trabalhadora, cobrando a responsabilidade do governo Lula e, também, enfrentando o Centrão, Hugo Motta e a extrema direita, pode romper o pacto do governo e do Congresso com os grandes empresários.

Vitória virá das ruas

Independência frente ao governo Lula para enfrentar os interesses dos capitalistas

As centrais sindicais, após longo período de imobilismo, realizaram ato em Brasília no dia 29 de abril contra a escala 6×1 e entregaram uma pauta de reivindicações aos Três Poderes. No entanto, centraram sua crítica na extrema direita, não denunciando o fato de que o atual governo não revogou sequer um ponto das reformas Trabalhista e da Previdência, o que ajuda a própria extrema direita. Muitas dessas centrais, inclusive, assinam acordos com empresas que legalizam jornadas abusivas, bancos de horas e trabalho aos domingos e feriados.

O movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que teve papel importante ao pautar o tema, também se acomoda à estratégia do governo. Ao subordinar a mobilização apenas à pressão sobre Hugo Motta e às articulações no Congresso, reforça a narrativa de que o verdadeiro obstáculo é apenas a direita, enquanto o próprio governo não faz nada para o tema avançar.

O Congresso e a direita são os inimigos. Precisamos derrotá-los. Mas é preciso também cobrar o governo e manter a luta independente para termos vitória. Não será através das negociatas no Congresso que venceremos. A conquista virá da luta direta, das ruas e das paralisações.

Nessas ações, queremos toda unidade com o VAT para fortalecer as frentes e comitês de base, unificando greves em curso, o breque dos apps, sindicatos combativos e movimentos sociais e de luta contra as opressões — afinal, são as mulheres, negros, LGBTIs e imigrantes que ocupam os postos mais precarizados.

Não podemos passar o pano para qualquer governo. É hora de unir os trabalhadores com independência de classe, exigindo de Lula:

  • Medida Provisória que proíba a escala 6×1, já!
  •  Revogação das reformas Trabalhista e da Previdência, da Lei das Terceirizações e do PL dos Aplicativos.
  • Taxação das 250 maiores empresas para subsidiar um programa de apoio aos pequenos empresários na transição para um novo modelo de jornada.
  • Proibição das demissões em massa e controle de preços para impedir repasses aos consumidores.
  •  Redução da jornada para 30 horas semanais, sem redução de salários, e adoção da semana 4×3: Trabalhar menos, para trabalhar todos e viver melhor!

Não há jornada justa neste sistema

No capitalismo, os avanços tecnológicos e o aumento da produtividade servem para demitir trabalhadores e trabalhadoras e intensificar o ritmo de trabalho. Em vez de garantir bem-estar e reduzir a jornada, tudo é subordinado à concorrência entre capitalistas e à busca por lucros.

Por isso, defendemos a construção de uma sociedade socialista, com uma economia planificada e as horas de trabalho divididas socialmente, de acordo com as necessidades dos trabalhadores e da vida no planeta.

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Last Update: 09/05/2025