Jovens do movimento negro Uneafro Brasil ocuparam, na manhã desta quinta (08), a entrada principal do Ministério da Educação, em Brasília, exigindo mudanças urgentes no edital do programa CPOP (Chamada Pública de Apoio a Cursinhos Populares). Com faixas, cartazes e palavras de ordem, o ato cobrou coerência entre os objetivos declarados da política e as regras excludentes do Edital CPOP nº 01/2025.

Apesar de reconhecerem a importância histórica do programa — fruto de uma antiga reivindicação de educadores populares —, os manifestantes denunciaram que, na forma como está redigido, o edital pode inviabilizar a participação justamente dos cursinhos que mais necessitam de apoio. “O tal do CPOP precisa de mais cara de periferia e menos meritocracia”, afirmaram em uma das faixas.

Uma política necessária, mas mal calibrada

A carta entregue ao MEC é assinada por 143 coletivos, redes e cursinhos populares de todas as regiões do Brasil. O documento celebra a criação do programa como uma “notável iniciativa” e uma oportunidade de transição educacional para juventudes negras, periféricas, indígenas e quilombolas — público historicamente marginalizado no acesso ao ensino superior.

No entanto, o texto também denuncia uma série de inconsistências e critérios excludentes que, segundo os signatários, contradizem os próprios objetivos do programa.

Entre os principais pontos criticados estão:

  • Prazos incompatíveis: O edital deu menos de sete dias úteis para inscrição, prazo considerado inviável frente à documentação exigida e à estrutura precária de muitos coletivos. Mesmo uma prorrogação até 14 de maio, feita discretamente via Portal Prosas, não foi amplamente divulgada.
  • Ausência de ações afirmativas: Apesar de o CPOP citar como público-alvo negros, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência, não há critérios de pontuação que valorizem projetos voltados a esses grupos. O único item que menciona a questão racial vale apenas cinco pontos, um peso considerado “desproporcional e temerário”.
  • Carga horária irreal: A exigência de 20 horas semanais de atividades, sendo 12 presenciais, desconsidera a realidade da maioria dos cursinhos, que funcionam aos finais de semana e atendem jovens trabalhadores.
  • Exigência de CNPJ: Muitos cursinhos são informais por necessidade, mantidos por voluntários e comunidades locais. O requisito pode excluir uma parcela expressiva da rede popular.
  • Critérios que favorecem instituições com padrão privado: Exigências como projeto pedagógico formalizado, estrutura curricular detalhada e formação docente técnica podem beneficiar cursinhos com maior institucionalização, em detrimento dos que atuam em territórios mais vulneráveis.

Pedidos formais e alerta sobre o risco de exclusão

No ato realizado no MEC, a Uneafro entregou os pedidos diretamente ao Secretário-Executivo Adjunto, Gregório Durlo Grisa. As principais reivindicações incluem:

  1. Suspensão imediata do edital e retificação dos critérios, com posterior reabertura do prazo de inscrições por pelo menos 30 dias.
  2. Divulgação efetiva das prorrogações, em canais oficiais do MEC.
  3. Criação de um fórum permanente de diálogo e monitoramento, com participação direta das redes de cursinhos populares.

Segundo os organizadores, o objetivo não é inviabilizar a política, mas ajustá-la para que ela cumpra seu papel histórico de democratização do acesso à educação. “Sem ação afirmativa, o combate à desigualdade racial terá poucos efeitos práticos”, diz um trecho do documento.

Educação libertadora vs. mercantilização

Outro ponto crítico refere-se à produção de material didático e formação pedagógica. Os cursinhos reivindicam que esse processo seja construído com transparência e participação dos educadores populares, para que defendam uma abordagem baseada na pedagogia libertadora e nas contribuições do movimento negro. Há receio de que o conteúdo e a formação fiquem a cargo de empresas que “mercantilizam a educação”, rompendo com o espírito coletivo que sustenta esses projetos há décadas.

O que está em jogo

O Edital CPOP nº 01/2025 pretende apoiar até 130 cursinhos gratuitos em todo o Brasil. No papel, é uma política que visa “ampliar o acesso ao ensino superior de pessoas socialmente desfavorecidas”. Mas para as redes que constroem essa história há anos, o desafio é garantir que essa ampliação não exclua quem sempre esteve à margem.

“A informalidade é inerente ao funcionamento dos cursinhos populares. Eles nascem da escassez, se sustentam na solidariedade e são movidos por uma pedagogia do afeto, não por editais tecnocráticos”, diz a Carta ao Ministério da Educação.

Com mobilização crescente e ampla adesão nacional, os movimentos populares esperam agora uma resposta do MEC que esteja à altura da promessa de inclusão anunciada pela política.

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Last Update: 09/05/2025