A taxa de juros e a política econômica do poder: no longo prazo todos estaremos mortos

por Rubens R. Sawaya

“Aquele que pretender parecer fraco a fim de tornar o inimigo arrogante precisa ser extremamente forte, pois só assim poderá simular a fraqueza. … Leva o inimigo a tomar a fraqueza por força e a força por fraqueza”… Na arte da guerra não existem regras fixas. Estas dependem unicamente das circunstâncias. …” (“A Arte da Guerra”, Sun Tzu, p.53)

Quando Keynes afirma “no longo prazo todos estaremos mortos”, o sentido da frase é que se não fizermos nada no curto prazo para ajustar as expectativas de longo prazo, o desastre aparecerá à frente. As expectativas as quais se refere Keynes não tem qualquer relação com “estabilidade macroeconômica” no curto prazo, mas com o conceito de “demanda efetiva”, ou onde estará efetivamente a demanda agregada, o consumo e o investimento no futuro, expectativa que determina a decisão de investir hoje segundo as expectativas de demanda futura, o que elevará a oferta agregada no futuro.

Fundamenta-se no incentivo ao investimento hoje fornecendo alguma segurança de que a nova oferta encontrará no futuro, efetivamente, uma demanda agregada que, ao contrário do senso comum, não se trata apenas de mais consumo futuro, mas de um nível de investimento contínuo (compra dos bens de capital) que garanta o emprego e renda no futuro para criar o consumo necessário para que a oferta criada seja comprada.

Trata-se de uma dinâmica na qual o investimento contínuo – transformação contínua de dinheiro em capital – é o fator dinâmico, é o fator que garante o nível de emprego para o consumo necessário. Assim, segundo essa lógica da demanda efetiva, são as expectativas quanto a demanda real futura que determinam o investimento hoje. O papel da política econômica é criar essas expectativas de longo prazo.

A taxa de juro é um elemento central para a decisão de investimento, mas é um fenômeno de curto prazo que define a escolha entre ficar líquido, comprar ativos financeiros existentes que dão direito de propriedade sobre a renda no tempo, proveniente da capacidade produtiva já criada, ao invés de apostar na compra de novos ativos produtivos, realizar investimento real elevando a capacidade produtiva.

Nesse sentido, o nível de taxas de juros realmente atrapalha o investimento real como um “custo de oportunidade” pela comparação da taxa interna de retorno esperada da compra de bens de produção (eficiência marginal do capital) e a taxa de retorno dos ativos financeiros (a taxa de juros). Mas, ressalte-se, a primeira funda-se em uma expectativa de longo prazo (tempo de maturação do investimento real) e a segunda refere-se ao curto prazo aos ganhos diários no mercado financeiro especulativo.

Sem compreender essas diferenças, torna-se muito difícil entender por que empresas produtivas investem no Brasil com a taxa de juros real extremamente elevada, o que não é uma característica apenas no período atual. No último ciclo de crescimento do PIB entre 2005 e 2010, a taxa de juros real não foi inferior a 4% ao ano. O objetivo de tal nível de taxa de juros estava ligado não a qualquer controle de inflação de demanda, mas ao controle da taxa de câmbio, mantendo-a valorizada para evitar uma inflação de custos, ao mesmo tempo que pagava ao capital financeiro rentista para que não atrapalhasse a estratégia de crescimento.

Na época, diante da queda na relação dívida pública/PIB, apesar do elevado o gasto com a conta juros, a elevação da arrecadação resultante do crescimento econômico mais do que compensou o nível elevado de taxas de juros, resultando em contínuos superávits primários, mesmo com elevação do gasto público.

O resultado negativo desse nível de juros foi impedir que o crescimento econômico se refletisse em maior produção nacional, mas em elevação das importações, principalmente, de partes e peças para a produção nacional de manufaturados. Isso impediu que o efeito dinâmico do crescimento se refletisse em maior investimento industrial, de certa forma, impedindo a reindustrialização.

A queda na dívida pública/PIB, o superávit primário, a taxa de câmbio valorizada, a entrega do banco central para o capital rentista que mantinha a taxa de juros elevada, a inflação estável, o crescimento econômico, eram elementos que deixavam os ativistas do mercado financeiro sem argumentos.

Ao assumir o poder com Temer, o “mercado”, aproveitando a recessão brutal que seu representante causou em 2015-2016, baixou a meta de inflação para 3%, um nível sem qualquer paralelo na história brasileira. Deixou como legado a política de teto fiscal restritiva que impedia qualquer ação do Estado e o obrigava a contar gastos sociais. Privatizou ou destruiu empresas centrais na dinâmica econômica nacional de investimentos públicos e privados, eixos de cadeias de valor importantes. Deixou ainda um parlamento com aloprados de extrema direita com herança, manipulável pelos interesses do “mercado”. Tudo isso tornou as brechas para ação muito mais estreitas.

A impressão de que o governo está apenas preocupado com o curto prazo é a mais aparente, a mais divulgada na mídia, porque é a pauta do “mercado” que a utilizada como forma de poder político para minar a autonomia do governo, principalmente em sua estratégia de gerar crescimento econômico e melhorar do padrão de vida, como foi feito em Lula I e II.

A estratégia do governo atual é promover o crescimento econômico, tentando corrigir em parte o erro com novos incentivos à reindustrialização com a NIB, nova política industrial, bem como com a reformulação do PAC. Adicionalmente, busca redistribuir de renda para elevar o consumo. Essas estratégias estão fundadas no crédito dos bancos públicos, únicas instituições que ainda mantém sob seu controle. Tem tido sucesso, uma vez que já promoveu o crescimento superior a 3% em 2023 e 2024. Via crescimento, conseguiu acabar com o argumento do “mercado” de descalabro fiscal, diário e sem trégua, ao entregar o resultado primário prometido apesar da absurda nova meta fiscal, mas que possui um papel político central.

Desmobiliar a pressão do mercado para a elevação das taxas de juros básicas é mais complexo. Vale lembrar que em 2012, praticamente derrubaram a presidente quando ela diminuiu a taxa básica de juros e ousou trocar o presidente do Banco Central retirando o representante do “mercado”. Essa é a mesma razão que justificava manter a taxa real de juros elevada em Lula I e II. Agora o “mercado” pede quase 10% de juro real usando a meta de inflação irreal de 3%. O objetivo do “mercado” é impedir o sucesso das políticas de crescimento, o sucesso do governo, dado o impacto negativo sobre a atividade econômica e o emprego. Não tem relação com a inflação, que não é demanda (exceto por alguma sazonalidade normal), mas ditada por preços internacionais e pela taxa de câmbio. Uma inflação de 4,5% ou mesmo 5%, nunca ocorreu na história real do Brasil, exceto quando o PIB caiu quase 7% entre 2015 e 2016 e o desemprego foi a mais de 12%, a estratégia “Milei” brasileira. Diante dessas pressões, o Governo é quase que obrigado a manter elevada a taxa básica de juros como estratégia política – como que fazendo o que o mercado pede – e como estratégia econômica para impedir desvalorizações cambiais especulativas inflacionárias.

De outro lado, conta com o crédito público tanto para a NIB como para o novo PAC, com políticas distributivas de isenção de IR e valorização do salário-mínimo. Dessa forma promove o crescimento econômico com a distribuição de renda. Busca criar expectativas favoráveis para o investimento real dirigido por uma tentativa de reindustrialização.

Essa estratégia de longo prazo tem tido sucesso, mesmo com o estrago sobre a relação dívida/PIB e sobre o consumo que as taxas de juros elevadas básicas causam. Mas vale ainda lembrar, as taxas de juros dos bancos privados para o consumo são da ordem de 40% aa, com pouca relação com as taxas básicas de juros. O governo conta com a elevação da demanda efetiva, da expectativa de retorno futuro para os empresários produtivos, o que depende pouco das elevadíssimas taxas de juros do mercado privado.

Olhando-se superficialmente parece que o governo está acuado. De fato, no dia a dia da mídia, assim como ressaltava-se um inexistente descalabro fiscal tentando prender o governo no curto prazo, agora exalta-se a “expectativa de inflação explosiva”, tentando fazer com que as empresas de fato elevem seus preços por antecipação. Ressalte-se, a inflação nunca esteve no Brasil abaixo de 6% ao ano e agora está, com crescimento econômico em 4,5% aa.

Essa realidade, não deixa alternativa ao governo a não ser manter a taxas de juros elevada. Na “arte da guerra” é bom que o inimigo imagine seu opositor enfraquecido, como sabem bem os chineses. A aparência é de um governo pautado pelo mercado olhando apenas para o curto prazo. Ao contrário do que parece, o longo prazo requer planejado e estratégia a partir da materialidade que a realidade concreta impõe. Pelo menos tem sido assim desde o início desse governo. O sucesso do crescimento econômico dos últimos 2 anos demonstra que os resultados das ações hoje só serão conhecidos no futuro. Só então se poderá dizer que a estratégia de parecer subserviente ao “mercado” foi equivocada. É uma guerra.

Talvez o novo presidente do BACEN saiba do jogo delicado de poder que está sendo jogado, assim como Haddad parece saber. Se as pressões do “mercado” tiverem sucesso, no longo prazo todos estaremos mortos. Mas para o “mercado” isso não importa – baixo crescimento, desemprego elevado, dívida/PIB explosiva, desindustrialização – desde que eles voltem ao poder com sua “ponte para o futuro”. Dane-se o país. Em sua batalha, eles não se importam com o número de mortos e feridos. Já na arte da guerra, a melhor política consiste em vencer o inimigo com o mínimo de destruição.

Rubens R. SawayaÉ professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP e coordenador do World Economy Working Group (IIPPE).

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Last Update: 08/05/2025