
A revista norte-americana The New Yorker publicou nesta quinta-feira (8) uma entrevista com o presidente Lula (PT), na qual o petista criticou a postura global do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, classificando-a como uma “ameaça séria”. Lula também condenou as tarifas impostas pelo republicano contra o Brasil e alertou para a ameaça de um mundo mais violento e fragmentado com a ascensão de líderes de direita:
(…) Lula construiu sua carreira com princípios esquerdistas inabaláveis, mas também sempre se orgulhou de sua habilidade de se dar bem com diversos líderes. Agora, no entanto, ele confessou estar confuso com o aumento do poder dos populistas de direita e anti-globalistas ao redor do mundo.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro passado, ele tentou organizar um encontro com presidentes progressistas. “Quando sentamos para fazer a lista, descobri que não havia mais progressistas!” disse ele. Na América Latina, restam apenas um pequeno grupo de líderes de esquerda, incluindo Gustavo Petro, da Colômbia, Gabriel Boric, do Chile, e Claudia Sheinbaum, do México.
“Para que o encontro não ficasse tão pequeno, mudei ‘progressistas’ para ‘democratas’, para poder convidar Biden, Macron e outras pessoas”, explicou Lula. “Tivemos dois encontros desde então, para discutir como criar uma narrativa que justifique a importância do sistema democrático como a melhor coisa já criada para a convivência humana — um sistema com regras, onde todos têm direitos, e os direitos de alguém terminam quando infringem os direitos dos outros. Foi o que funcionou no mundo. Monarquias, impérios — eles não funcionaram. O nazismo não funcionou. O comunismo de Stalin não funcionou.”
Em seu país e nos Estados Unidos, ele sugeriu, grandes porções da população pareciam ter perdido o contato com a realidade. “Há pessoas que acreditam em coisas que todos deveriam entender como mentiras, porque são tão absurdas”, me contou. “E minha preocupação é como vamos construir uma narrativa para destruir isso.” O mais preocupante, ele disse, é que “ainda não temos uma resposta”.
Parte do problema, ele explicou, é econômico. “A democracia começa a cair quando ela deixa de atender aos interesses do povo. Desde 1980, as pessoas que trabalham em países que construíram estados de bem-estar social só perderam, enquanto a concentração de renda aumentou. Então, que resposta podemos dar à sociedade brasileira? E à sociedade alemã e americana?” Também havia a questão da liderança. “Os Estados Unidos eram o espelho da democracia, o pilar da democracia para o planeta”, disse.
“Apesar de ser o país que mais faz guerras, é o país que mais fala de paz, o que mais fala de democracia. E agora temos Trump, que às vezes age como—” Lula se interrompeu, e então continuou. “Vi um discurso dele no Congresso dos EUA recentemente, e foi um absurdo — aqueles republicanos aplaudindo qualquer bobagem que ele dizia. Foi quase o mesmo tipo de discurso que os anarquistas costumavam fazer na Itália e no Brasil no início do século, pedindo por uma sociedade sem instituições, uma sociedade onde o império do capital governa.”

O presidente Donald Trump deixou claro suas intenções intervencionistas para a América Latina assim que assumiu o cargo; em seu discurso inaugural, ele prometeu “retomar” o Canal do Panamá. Desde então, a maioria dos líderes da região tem tratado Washington com grande cautela. (…)
Lula e o chileno Boric têm sido os líderes mais francos da América Latina. Em uma recente visita oficial à Índia, Boric descreveu a posse de Trump, com bilionários da Big Tech “prestando homenagem a um novo aspirante a imperador”, como algo reminiscente de “algo de outra era”. Ele criticou as tarifas como “irracionais” e “insustentáveis”. (…)
Lula ridicularizou o desejo de Trump de tomar a Groenlândia e o Canadá. “A única coisa que falta para ele tomar é a Antártida”, disse ele. “Por que Rússia e EUA querem aumentar seus territórios se não conseguem nem administrar o que já têm?”
Para ele, a postura global de Trump, Vice-presidente J. D. Vance e Musk era uma ameaça séria. “Eles são negadores das instituições que garantem a democracia mundial”, disse.
“O fato de o vice-presidente dos EUA interferir na política da Alemanha já é um crime. Eu nunca fui a outro país para interferir numa eleição!” Ele sugeriu que a retórica belicosa acabaria prejudicando-os. “No começo, pode parecer bom”, disse ele. “Mas o resultado pode ser muito pior do que o que eles estão criticando. Quando você solta uma fera selvagem, depois não sabe como controlá-la.”
Pouco antes de nossa conversa, o governo dos EUA havia anunciado uma tarifa de 25% sobre o aço brasileiro. “Haverá reciprocidade”, disse Lula. “Mas, antes da reciprocidade, queremos mostrar aos EUA o que representam duzentos anos de relações diplomáticas e comerciais entre Brasil e EUA.”
Ele destacou que os EUA tiveram um superávit comercial de sete bilhões de dólares com o Brasil no ano passado, incluindo as importações de aço. “O que os EUA importam do Brasil, eles transformam e depois exportam de volta para o Brasil”, disse ele. “É uma via de mão dupla, então acho que isso será prejudicial para os EUA. Por nossa parte, queremos negociar diplomaticamente. Se não houver possibilidade, tomaremos providências.”
Quando perguntei a Lula se Trump havia entrado em contato com ele, ele disse que não. “Se, como representante do estado americano, ele quiser conversar com Lula, representante do estado brasileiro, eu conversarei com ele calmamente”, disse. “Mas até agora não tive nenhum interesse em falar com ele. Se algum dia eu tiver um problema e precisar ligar para ele, eu ligarei.”
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