A ‘pinguela para o passado’ está de volta
por Lauro Mattei
O título desse artigo toma emprestada a expressão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de 2016 proferida quando o senhor Michel Temer, ao dar o golpe na presidente Dilma Roussef, apresentou ao país o pomposo documento por ele denominado de “Ponte para o Futuro”. Tal documento, na essência, incorporou a agenda do mercado, cuja ênfase retomava o surrado debate sobre o “Custo Brasil” que decorria da alta carga de tributos na esfera trabalhista e dos elevados gastos fiscais adotados pelos governos petistas para implementar o social-desenvolvimentismo no Brasil. Esses fatores, segundo os artífices do mercado, eram os principais responsáveis pelos desequilíbrios das contas públicas e pela crise econômica que estava em curso no país à época.
Desta forma, o Governo Temer (2016-2018), “visando modernizar o país”, encaminhou diversas reformas: trabalhista, previdenciária e de cortes nos gastos sociais, cuja ênfase ocorreu com a aprovação da PEC do Teto dos Gastos Sociais ainda no ano de 2016. Ou seja, buscou-se combater a crise econômica com ênfase nos cortes das políticas públicas destinadas às camadas menos favorecidas da população, ao mesmo tempo em que se reduziu o papel do Estado por meio do retorno dos programas de privatizações.
Com amplo apoio da grande mídia corporativa, dos grupos e federações empresariais e dos representantes do sistema financeiro, o Governo Temer implementou a ideologia do mercado, cujo peso recaiu mais expressivamente sobre as camadas mais vulneráveis da população.
É importante recordar que no início de 2023 o senhor Temer concedeu uma entrevista que foi amplamente divulgada pelos meios de comunicação (Veja, CNN, UOL, JP News, Poder 360, etc.) defendendo o estabelecimento do semipresidencialismo no Brasil porque, segundo ele, o sistema político estava “esfarrapado”. Portanto, seria ideal aprovar esse sistema antes de 2026, uma vez que é possível trocar o sistema de governo “sem traumas institucionais” bastando apenas fazer uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Na verdade, o golpista se esqueceu que a população brasileira escolheu, à luz dos ditames da Constituição de 1988, o sistema de governo atual. Qualquer mudança nesse assunto, bem como os termos propostos por esse senhor, soaria como um atentado à soberana popular.
Recentemente esse mesmo senhor retornou à cena política do país, muito embora ao final de 2024 tenha dito em entrevista divulgada pelas maiores redes de comunicação que estava “fora da vida pública”, reação à fala de Bolsonaro à época que o mencionou com um possível vice em sua chapa. Mesmo assim, afirmou que tomava essa menção como um gesto de reconhecimento pelo bom trabalho que fez como presidente “golpista”. Na verdade, o convite se tornou público porque seu nome seria sinônimo do “garantismo”[1].
Em janeiro de 2025 participou do evento “Brazil Economic Forum 2025” organizado pela Revista Veja. Em entrevista afirmou que o debate sobre sucessão presidencial naquele momento era péssimo, uma vez que ele se considera um homem de centro que não tem apreço pelo debate sobre direita e esquerda. Ressaltou, todavia, que nas eleições municipais de 2024 o centro prevaleceu, fato que mereceria um programa de governo.
Nesta toada lançou em 25.04.25 o “Movimento Brasil” nos moldes do “Pinguela para o Passado”. Tal movimento, que foi amplamente divulgado por todos os principais meio de comunicação do país entre os dias 25.04 a 30.04.25, busca construir uma chapa alternativa à polarização Lula x Bolsonaro, ignorando completamente que o ignóbil ex-presidente tem seus direitos políticos cassados até 2030. Obviamente que mais uma vez os principais meios de comunicação do país, além de reforçar a farsa da direita, louvaram a atitude do senhor Temer porque “ele está procurando unir o país” e porque, segundo a Jovem Pan News, “essa é uma atitude republicana que fará o país ter relevância internacional novamente”.
Na essência, pode-se qualificar esse “Movimento Brasil” como um velho projeto da direita, uma vez que as ideias centrais desse projeto de poder tem apenas uma única lupa: evitar que governos de centro-esquerda continuem no poder. E isso fica claro quando se observa o movimento inicial do senhor Temer: se reuniu nas últimas semanas com governadores dos seguintes estados: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Goiás, todos eles estão com os dois pés no bolsonarismo, o que por si só demonstra a farsa da “alternativa à polarização”. Afinal, que alternativa seria essa se todos os interlocutores já são de direita e apenas um dos interlocutores citados não é bolsonarista declarado?
Segundo Temer, seus movimentos políticos recentes têm como objetivo construir um projeto para o país em 2026 nos moldes do projeto de 2016, profetizando que em 2026 o país terá uma nova “ponte para o futuro”.
Neste cenário, fico imaginando o que diriam as figuras históricas do MDB que tanto contribuíram para o país vendo esse movimento do partido liderado por Temer se abraçando fortemente com a direita mais reacionária que a sociedade brasileira já produziu.
Lauro Mattei – Professor Titular de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador Geral do NECAT-UFSC. Email: [email protected]
[1] Na essência, ambos não passam de dois golpistas travestidos de democratas.
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