Em uma rua movimentada de São Paulo, uma senhora aguarda o ônibus sob o sol forte. Tem 63 anos e trabalha como cuidadora em um contrato informal. Ao perder o direito à gratuidade no transporte, perdeu também o vínculo formal que mantinha. Seu rosto é um retrato do envelhecimento em um Brasil desigual.
O envelhecimento populacional brasileiro não é mais uma projeção para os anos futuros: é uma realidade nas ruas, nas casas e nas cidades. Segundo o Censo de 2022, mais de 32 milhões de pessoas no Brasil têm 60 anos ou mais — um crescimento de 56% em relação a 2010. Em 12 anos, a população idosa passou de 10,8% para 15,8% do total. Paralelamente, a proporção de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos caiu de 24,1% para 19,8%.
Esse envelhecimento, embora visível nas famílias, nas ruas e nos dados, ainda ocupa espaço tímido nas agendas públicas. O fenômeno não ocorre de forma homogênea. O Sul e o Sudeste são hoje as regiões mais envelhecidas, seguidos por Nordeste, Centro-Oeste e Norte. No Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, o índice de envelhecimento já ultrapassa 100 – ou seja, há mais idosos do que jovens. No Norte, o ritmo é mais lento: em estados como Amapá ou Roraima, esse índice está abaixo de 35.
São Paulo, a maior cidade do País, já vivencia a inversão: há mais pessoas idosas do que jovens. As pessoas idosas na capital paulista passaram de 2 milhões no Censo de 2022, representando 17,7% do total. Enquanto isso, as de 0 a 14 anos eram 17,1%.
Mesmo diante desse contexto, o envelhecimento ainda ocupa um espaço tímido nas políticas públicas, no planejamento urbano e na cultura das cidades.
A forma como se envelhece no Brasil está profundamente ligada ao CEP. Assim, o lugar onde se envelhece influencia profundamente as possibilidades no curso de vida.
Em São Paulo, por exemplo, a expectativa de vida aos 60 anos pode variar em mais de 10 anos entre distritos separados por alguns quilômetros. Enquanto em Alto de Pinheiros essa expectativa chega a 28,7 anos, em Vila Curuçá, na zona leste, a média é de 18 anos. Essas desigualdades refletem acessos distintos a saúde, educação, emprego, renda, segurança, alimentação, transporte, moradia ao longo da vida, entre tantos outros aspectos relevantes.
Antônia, nome fictício daquela senhora que esperava o ônibus, representa tantas mulheres que vivem essas desigualdades. Aos 63 anos, ela sustenta a casa com o que ganha como cuidadora. Divide a moradia com pais, filhos e netos, cuida e é cuidada, mas com poucos recursos e uma rede de apoio limitada além da própria família. Muitas vezes, suas refeições incluem alimentos ultraprocessados e de preparo rápido, opção frequente nas cidades brasileiras, mas associada a problemas como obesidade, hipertensão e diabetes.
A velhice no Brasil tem rosto feminino. As mulheres são maioria entre as pessoas idosas, e essa proporção aumenta com o passar dos anos.
Entre as pessoas idosas com 80 anos ou mais, as mulheres chegam a ser o dobro dos homens. Essa sobrevivência, no entanto, vem acompanhada de desafios: elas ganham menos, acumulam trabalho não remunerado e têm maior probabilidade de envelhecer sozinhas.
O modelo idealizado de uma família que cuida dos seus nem sempre corresponde à realidade, e muitas pessoas idosas não têm com quem contar. A sobrecarga e o isolamento tornam-se comuns justamente em um momento da vida que pode exigir mais apoio. É fundamental repensar esse imaginário e garantir políticas públicas que reconheçam essa diversidade de arranjos e necessidades.
Há muitas velhices no Brasil. Envelhecem pessoas indígenas, quilombolas, LGBTQIA+, negras, ribeirinhas e tantas outras, que carregam histórias distintas e desafios específicos ao envelhecer. No entanto, nossas políticas ainda são pouco sensíveis a essa pluralidade. Alguns grupos, como pessoas idosas em situação de rua, as que vivem sozinhas sem uma rede de suporte social, entre outras, podem estar sobrevivendo em um contexto de grande vulnerabilidade social.
Embora existam marcos legais importantes — como o Estatuto da Pessoa Idosa, a Política Nacional da Pessoa Idosa e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa —, os serviços disponíveis seguem aquém da demanda. A rede de atenção é limitada e desigualmente distribuída, especialmente nas periferias e nos territórios mais vulnerabilizados. Há uma urgência por profissionais qualificados para lidar com as especificidades das pessoas idosas, nos diferentes campos de atuação. As políticas públicas carecem de maior investimento, dado o acelerado processo de envelhecimento populacional, e de um escopo mais abrangente, buscando atender necessidades das pessoas idosas antes não mapeadas, como cursos de educação básica específicos para a população idosa e em horário diurno, não se limitando a este exemplo.
Ainda assim, há experiências que apontam caminhos. O Programa Acompanhante de Idosos (PAI), em São Paulo, garante apoio domiciliar e em tarefas do cotidiano a pessoas idosas em algum grau de vulnerabilidade social. Na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, o projeto Favela Compassiva promove cuidados paliativos em casa, voltados a pessoas que vivem em contextos complexos — muitas dessas são pessoas como Antônia, que enfrentam múltiplos papéis e responsabilidades sem o suporte necessário. É preciso maior troca das experiências existentes em todos os níveis do federalismo para que a rede de serviços das diferentes localidades conte com um leque de serviços e programas disponíveis, atuando nos diferentes perfis e necessidades distintas das pessoas idosas.
É preciso superar a ideia de que envelhecer bem depende apenas de escolhas individuais. O envelhecimento ativo ou saudável, embora importante, precisa ser compreendido também como direito e como resultado de condições sociais favoráveis. As desigualdades enfrentadas ao longo da vida não desaparecem com a idade — elas podem se transformar em barreiras no envelhecer. Portanto, é necessário que os esforços para promover um envelhecimento mais digno para as pessoas idosas brasileiras sejam do Estado, da sociedade e, também, mas não somente, das famílias, como defendido por nossas leis.
A resposta precisa ser coletiva. A dignidade no envelhecer deve ser uma meta pública, com ações estruturantes pelos diferentes setores da sociedade, como a inclusão de conteúdos voltados ao envelhecimento e velhices em todos os níveis da educação formal, e políticas integradas, considerando a multidimensionalidade do envelhecimento e os múltiplos fatores que os determinam.
Isso envolve formação de profissionais, ampliação da rede de serviços, combate ao idadismo estrutural e promoção de espaços urbanos acessíveis e inclusivos, que beneficiam as pessoas dos diferentes grupos sociais e etários. As particularidades locais devem orientar tais esforços, pois onde se envelhece determina, em grande medida, o acesso aos recursos que se tem no curso de vida. Por mais que autonomia, independência e capacidade de realizar as próprias escolhas sejam fundamentais para envelhecer com qualidade de vida, precisamos centrar nossos esforços na interdependência. Assim, podemos almejar uma sociedade centrada no cuidado para todas as pessoas, independentemente do grupo etário. Certamente, isso também beneficiará as pessoas idosas.
O futuro já chegou — e está nos rostos, nas histórias e nos passos das pessoas idosas em nossas cidades. Enfrentar as desigualdades no envelhecimento é uma tarefa urgente e compartilhada.
As conferências municipais, estaduais e, em breve, a Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa são oportunidades valiosas para propor caminhos, ouvir vozes diversas e fortalecer as políticas públicas. A participação social, por meio dos conselhos municipais, dos movimentos sociais e de outras instâncias, é fundamental para que o envelhecimento deixe de ser uma questão invisibilizada e passe a ser um compromisso real da sociedade, nas cidades, nos estados, no País.