As vitórias centristas escondem um colapso político profundo: o sistema que os sustenta está em crise e empurra eleitores para os extremos


Quando Emmanuel Macron derrotou Marine Le Pen com folga para reconquistar a presidência francesa em 2022, o establishment liberal entrou em êxtase. Seu veredito de que o centro político se mantinha firme era tão compreensível quanto infundado. Na realidade, o segundo mandato de Macron ajudou a extrema-direita a se tornar a força política mais forte da França. Na semana passada, Mark Carney e Anthony Albanese derrotaram seus rivais trumpistas para manter os cargos de primeiro-ministro no Canadá e na Austrália, respectivamente. Mais uma vez, a notícia do renascimento do centro político pode se revelar uma ilusão centrista.

Há muito tempo, era razoável esperar que eleitores que consideravam votar em um extremista de direita para protestar contra as políticas centristas que os oprimiam voltassem a si no momento em que esse extremista parecesse próximo de chegar ao poder. Algo assim aconteceu na França em 2002. Na época, socialistas de classe média, ecologistas jovens e comunistas da classe trabalhadora se alinharam nas urnas ao lado de conservadores para dar 82% dos votos ao direitista Jacques Chirac e manter o ultradireitista Jean-Marie Le Pen — pai da atual líder da extrema-direita francesa — longe do Palácio do Eliseu. Mas isso não aconteceu na França 25 anos depois, nem no Canadá ou na Austrália na semana passada.

A armadilha de Macron e a ascensão da extrema-direita

Em 2002, seis anos antes da quase morte do capitalismo ocidental, Chirac derrotou Le Pen porque os partidos socialista e comunista direcionaram seus eleitores a ele. Sob o slogan “Votamos em você hoje, mas vamos combatê-lo amanhã!”, eleitores descontentes com o establishment votaram em uma figura do establishment para manter um neofascista longe do poder — sem abandonar sua lealdade à esquerda. Já Macron venceu esmagando os partidos de esquerda.

Eleitores da classe trabalhadora, sofrendo com as políticas de austeridade dos centristas, revoltaram-se contra Macron, um ex-banqueiro que impôs impostos “verdes” sobre eles enquanto dava benefícios fiscais à elite burguesa. Sem alternativas, migraram em massa para Le Pen. Então, algo surpreendente aconteceu: Macron e Le Pen tornaram-se codependentes, apesar de sua antipatia mútua. Quanto mais austeridade ele impunha, maior era o descontentamento e maior o apoio a ela. E quanto mais Le Pen crescia, mais Macron apelava aos antifascistas para votarem nele, mesmo a contragosto, para mantê-la longe do poder.

Essa dinâmica levou a extrema-direita a conquistar impressionantes 40% dos votos nas eleições parlamentares de junho de 2024. Nada indica que essa tendência esteja perdendo força. Assim, a história pode lembrar Macron não como o salvador, mas como o coveiro do centro liberal.

Vitórias frágeis no Canadá e na Austrália

Na semana passada, os partidos de direita do Canadá e da Austrália, que tentaram surfar a onda trumpista, foram derrotados. Carney e Albanese venceram porque Donald Trump praticamente garantiu suas vitórias — ao ameaçar anexar o Canadá e impor tarifas à Austrália, um aliado que sempre se esforçou para agradar os EUA.

Porém, por trás dessas vitórias, é fácil discernir tendências sociais semelhantes às que tornaram o triunfo de Macron uma vitória de Pirro. No Canadá, após 11 anos no poder, os liberais perderam apoio da classe trabalhadora, que optou por se abster ou votar nos conservadores. Eles mantiveram uma maioria mínima apenas ao canibalizar a esquerda (o NDP e o Partido Quebequense), assim como Macron fez.

Na Austrália, a vitória esmagadora do Partido Trabalhista escondeu um fato crucial: ele obteve a menor porcentagem de votos primários da história. Embora tenha conquistado a maioria dos distritos operários de Sydney e Melbourne, foi graças a preferências secundárias, enquanto perdia eleitores tradicionais — especialmente imigrantes, que antes eram sua base mais fiel.

O mecanismo global que alimenta a crise

Essas semelhanças ocorrem em economias muito diferentes: a França, ligada à Alemanha e à UE; Canadá e Austrália, economias baseadas em recursos e integradas ao complexo energético-industrial-militar dos EUA. Mas todas estão presas ao mesmo mecanismo global de reciclagem de excedentes, centrado nos Estados Unidos — um sistema em crise que mina as perspectivas dos centristas.

Desde os anos 1970, os déficits comerciais dos EUA garantiram demanda para as exportações da Europa e da Ásia, enquanto esses países reinvestiam seus lucros em Wall Street. Um alto funcionário chinês descreveu esse acordo como um “pacto sombrio”: os EUA mantinham seu déficit para sustentar a demanda, e a China investia seus dólares no setor financeiro americano.

Mas esse sistema exigia desequilíbrios cada vez maiores — e seu colapso era inevitável. Em 2005, Paul Volcker, ex-presidente do Fed, alertou: “Esse padrão confortável não pode continuar indefinidamente”. Três anos depois, veio o crash de 2008.

Trump e o fim da negação centrista

A grande força de Trump está em fazer a pergunta que os centristas se recusam a encarar: o que vem depois do “pacto sombrio”? Seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, resumiu: “O status quo de grandes desequilíbrios não é sustentável”.

As soluções de Trump podem ser equivocadas, mas sua equipe ao menos identificou o problema. Enquanto isso, os centristas, como o rei Canuto, ordenam que a maré do descontentamento recue — e seguem perdendo terreno, mesmo quando vencem eleições.

Enquanto a economia global se desequilibra, a política também entra em colapso. Macron, Carney e Albanese podem comemorar vitórias, mas não têm plano para frear o declínio de seu poder sobre eleitorados cada vez mais rebeldes. E, no fim, quem colhe os frutos dessa crise são justamente as forças que eles juram combater.

Com informações de UnHerd*

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Last Update: 06/05/2025