Coitados dos velhinhos lesados pelo INSS. Só que não. Por Fernando Castilho
A grande imprensa finalmente descobriu que os aposentados existem. E agora? O que eles comem? Como vivem? Poderiam ser tema do Globo Repórter.
Tanto a mídia hegemônica quanto os sites “progressistas”, que sempre trataram os aposentados com descaso ou silêncio, agora fingem interesse. Descobriram, enfim, que esse grupo — tachado de improdutivo, acusado de “mamar nas tetas do Estado” e sobrevivendo, em sua maioria, com um salário mínimo — está sendo roubado. Como se fosse novidade.
Mas sejamos claros: os aposentados vêm sendo lesados há anos. Desde o desgoverno Bolsonaro. A diferença é que agora a pauta virou útil. Serve como munição para induzir a população desinformada a culpar Lula, mesmo que o esquema envolva, na verdade, associações fraudulentas, servidores públicos corrompidos e bancos digitais famintos por lucro fácil.
Todo mundo sabia. A imprensa sabia. Os pais, avós e tios dos próprios jornalistas que agora posam de indignados talvez também tenham sido vítimas. Eu conheço vários. Eu fui um deles — ainda durante o governo anterior. Um banco digital depositou R$ 10 mil na minha conta do Banco do Brasil como empréstimo consignado que eu jamais solicitei. Devolver esse dinheiro foi um sufoco: o banco relutava em aceitar. E o que me disseram no balcão do BB? Que funcionários do INSS vendem dados dos aposentados para essas instituições.
Agora, de repente, nos chamam de “vulneráveis”. De “coitadinhos”. Não. Não somos coitadinhos. Somos cidadãos com direitos. E exigimos respeito.
Um desses direitos — a Revisão da Vida Toda — foi conquistado em 2022, por decisão do STF. Mas em 2025, essa vitória foi anulada por uma manobra sórdida da própria Corte, baseada em dados manipulados: disseram que o impacto da medida seria de R$ 480 bilhões. A verdade? R$ 3,1 bilhões em dez anos. Alguém viu manchete sobre isso? Editorial? Alguma indignação de colunista da “grande imprensa”? Nada. Silêncio ensurdecedor. Ignoraram solenemente a anulação de um direito legítimo.
Mas agora, quando o escândalo rende cliques e pode ser usado politicamente contra o atual governo, os aposentados viram notícia?
São 102 mil aposentados que tiveram suas contribuições anteriores a 1994 simplesmente apagadas, como se nunca tivessem existido. Gente que vive com um salário mínimo!
Foram enviados dezenas de e-mails e mensagens a deputados e senadores progressistas. Nenhuma resposta. Nenhuma! Para ser justo, apenas Luís Nassif (GGN) e Mauro Lopes (Fórum) ousaram tocar no tema — mas pararam por aí. Nenhuma matéria de impacto, nenhuma investigação. Um jornalista investigativo de um conhecido site de esquerda chegou a propor uma entrevista. Mas, curiosamente, recuou uma semana depois.
Enquanto isso, a Faria Lima pressiona o governo para não conceder aumento real ao salário mínimo. Cortar o pouco dos pobres pode. Mexer com os lucros dos que vivem de dividendos? Nem pensar.
Agora, uma matilha de hipócritas finge preocupação com os aposentados porque o esquema bilionário foi exposto. Um esquema que acontece há anos. Mas, claro… aposentado não serve para nada, não é? Só fica reclamando, como se tivesse direito a alguma coisa.
Pois bem. Que esta minha indignação alcance alguém com coragem e poder de ação. Que haja quem tenha disposição para esmiuçar esse escândalo, dar nome aos culpados e denunciar, alto e claro, mais essa injustiça.
Quem sabe.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
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