
Jovem israelense mantida refém pelo Hamas por 54 dias disse que seu maior medo era ser estuprada no cativeiro. Esse medo, porém, não se concretizou em território palestino, mas sim em seu país natal, por um compatriota — alguém que, segundo ela, representava ‘segurança’. O agressor não foi um “inimigo externo”, mas um famoso personal trainer e influencer de Israel
Ana Oliveira, para o Pragmatismo
Após sobreviver a 54 dias de cativeiro sob o Hamas, a jovem israelense Mia Schem denunciou ter sido drogada e estuprada dentro da própria casa, em Tel Aviv, por um famoso personal trainer de Israel. O episódio reacende discussões sobre violência sexual, machismo estrutural e hipocrisia social em um país onde, frequentemente, a ameaça é externalizada — enquanto crimes brutais seguem sendo cometidos dentro das próprias fronteiras.
Em entrevista ao Canal 21, transmitida na última quinta-feira (1º), Mia contou que seu maior temor durante o cativeiro em Gaza era sofrer violência sexual. Esse medo, porém, não se concretizou em território palestino, mas sim em seu país natal, por um compatriota — alguém que, a princípio, representava segurança.
Segundo seu relato, o personal trainer, de 30 anos, ofereceu ajuda profissional com promessas de conexões em Hollywood e de apoio para que ela pudesse compartilhar sua história. Ele foi até sua casa, e, após sua chegada, Mia afirma não se lembrar de mais nada. “Meu corpo se lembra. Meu corpo sentiu. Meu corpo sabe que passei por algo”, declarou. Ela relatou flashbacks, sintomas físicos e traumas que a levaram a entender que havia sido drogada e violentada.
O suspeito foi preso no final de março, teve sua residência revistada e seus dispositivos eletrônicos apreendidos. Apesar disso, foi liberado da custódia policial e responde ao processo em liberdade. O acusado, influenciador fitness com ampla clientela entre celebridades — incluindo um ex-primeiro-ministro — nega o crime.
A denúncia de Mia expõe uma dolorosa contradição: enquanto o governo israelense, setores da imprensa e parte da sociedade insistem em retratar os palestinos como ameaça existencial, uma jovem israelense sobrevive à guerra apenas para ser violentada em seu próprio lar, por um membro da elite local. O caso lança luz sobre uma realidade muitas vezes negligenciada — a de que o machismo, a violência sexual e o abuso de poder estão entranhados também dentro da sociedade israelense, independentemente de conflitos externos.
“Mesmo em cativeiro, quando me machuquei, eu superei. A última coisa que eu precisava era de um incidente como este”, desabafou Mia. “Preciso de um momento de paz para processar minha vida por um segundo — ainda não comecei a processar meu cativeiro”.
A denúncia de Mia ocorre em um contexto em que a causa palestina é frequentemente associada à barbárie, e crimes cometidos por israelenses recebem tratamento brando ou são minimizados. A tragédia pessoal da jovem escancara como o verdadeiro perigo pode estar mais perto do que se imagina — não necessariamente do lado de lá da fronteira, mas dentro das estruturas de poder e prestígio da própria sociedade.
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