Francisco rompeu padrões ao nomear cardeais das periferias do mundo, e agora seu legado molda a eleição de um novo pontífice com horizontes ampliados
Nesta quarta-feira (7), cardeais eleitores de todo o mundo se reunirão na Capela Sistina, no Vaticano, para iniciar o processo de escolha do próximo Papa. Desta vez, o grupo reflete como nunca as mudanças demográficas globais da Igreja Católica. Ao longo de seus 12 anos de pontificado, o Papa Francisco nomeou 163 cardeais de quase 80 países, incluindo cerca de duas dezenas de nações que nunca antes tinham tido um representante no Colégio Cardinalício — como Haiti, Mianmar, Timor-Leste, Malásia, Laos, Bangladesh, Suécia e Lesoto.
Como primeiro Papa latino-americano, conhecido como o “Papa das periferias”, ele olhou além do tradicional eixo de poder europeu, de onde o centro de gravidade da Igreja vem se deslocando há décadas.

“Toda vez que ele nomeava novos cardeais, eu tinha que correr para a estante pegar o atlas para descobrir de onde vinham meus novos irmãos cardeais”, disse o cardeal Timothy Dolan, arcebispo de Nova York e eleitor, em entrevista à CNN no mês passado. “Ele não queria que nenhuma língua, nenhuma origem racial ou região geográfica ficasse sem representação na vida da Igreja. Esse é um legado fenomenal.”
O Colégio de Cardeais, um grupo de clérigos seniores escolhidos pelo Papa, é responsável pela eleição do novo pontífice em uma série de votações secretas. Dos 252 membros do colégio, apenas 135 são eleitores — cardeais com menos de 80 anos no momento da morte do Papa.
A Europa sempre foi a maior fonte de cardeais, mas sua influência está diminuindo. Estabelecido em sua forma atual no ano 1150, o colégio só começou a se internacionalizar de fato no século XIX. O primeiro cardeal dos EUA foi nomeado em 1875.
Nos dois últimos conclaves, os cardeais europeus formavam a maioria dos eleitores. Desta vez, representam cerca de 39% — 53 dos 135 eleitores elegíveis. Dois cardeais não participarão por motivos de saúde, segundo o Vaticano, que não divulgou seus nomes. O cardeal italiano Angelo Becciu, que recorre de uma condenação por corrupção, também não estará presente.

A Europa, que abriga cerca de 20% dos católicos do mundo, mantém uma representação muito acima de seu peso demográfico. Historicamente, isso se devia em parte à dificuldade de reunir cardeais de regiões distantes no Vaticano a tempo da eleição.
Ao trazer representantes de diversas partes do mundo, incluindo lugares com poucos católicos, Francisco ajudou a promover a “globalização da Igreja”, disse Mark Gray, diretor do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado da Universidade Georgetown.
Enquanto a Europa enfrenta um declínio demográfico no catolicismo, a população católica cresce na África, Ásia e América Latina. Segundo o Vaticano, o número global de católicos aumentou pouco mais de 1% entre 2022 e 2023, com grande parte desse crescimento concentrado na África. Em 1910, menos de 1% dos católicos viviam no continente africano; em 2010, eram 16%, de acordo com o Pew Research Center. Hoje, a África abriga um quinto dos católicos do mundo — a mesma proporção que a Europa.
A eleição de Francisco em 2013 já foi vista como um reconhecimento a essas mudanças demográficas. Italianos representaram cerca de 80% dos Papas — embora nenhum tenha sido eleito desde 1978.
Francisco nomeou 163 cardeais de quase 80 países em seis continentes, enquanto seu predecessor, Bento XVI, nomeou cerca de 90 cardeais de três dezenas de países. Dos 135 eleitores atuais, 108 foram escolhidos por Francisco — um dado que críticos usam para argumentar que ele “lotou o conclave” com seus apoiadores.
No entanto, Dolan afirmou que o fato de a maioria dos eleitores terem sido nomeados por Francisco “não terá um grande impacto na forma como votarão”. Bento XVI havia nomeado cerca de 56% dos cardeais que escolheram seu sucessor em 2013.
A Igreja Católica não é organizada em facções claras, e campanhas abertas são tabu, mesmo com debates sobre o futuro da instituição. Gray afirmou que o posicionamento dos cardeais em questões como justiça social, imigração e aceitação de LGBTQ+ pode influenciar seus votos.

A região de origem dos cardeais também pode ter peso na eleição, disse Dolan. “Eles estão conscientes das realidades locais, dos desafios enfrentados em cantos do mundo que antes não tinham representação.”
Além dos 40% de eleitores europeus neste conclave, cerca de 12% vêm da América do Norte, 12% da América do Sul, 12% da África e 15% da Ásia. O restante é dividido entre América Central, Oriente Médio e Oceania. Os cardeais italianos sozinhos representam 12,5% dos eleitores.
Antes de se tornar Papa, quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio fez um discurso aos cardeais antes do conclave de 2013, no qual pedia que a Igreja “saísse de si mesma e fosse às periferias”. O próximo Papa será um produto dessa visão.