Maria Clara Araujo, da Juventude Rebeldia
A profissão docente no Brasil atravessa uma crise que coloca em risco o futuro da educação pública. A evasão nos cursos de licenciatura atinge índices alarmantes, chegando a 70% em áreas como Física, Química e Matemática. Além disso, mais da metade dos estudantes de graduação não concluem seus cursos, e cerca de 30% dos professores da educação básica estão próximos da aposentadoria. Isso demonstra um cenário de desinteresse, desilusão, justificado pelas condições de trabalho docente cada vez mais precarizadas. A serviço de que está o colapso da educação?
Hoje, já há mais professores temporários do que efetivos nas redes estaduais. Em São Paulo, por exemplo, os docentes da “Categoria O” – professores contratados temporariamente sem garantia de continuidade no emprego – recebem menos, não têm estabilidade nem direitos trabalhistas básicos. A precarização também atinge funcionários terceirizados, que ganham menos de um salário mínimo.
Nas universidades públicas, o cenário não é diferente. Na USP, três licenciaturas do curso de Letras — Linguística, Latim e Grego — estão ameaçadas de fechamento. Ao mesmo tempo, os currículos são reformulados para atender às exigências do MEC, sem qualquer debate real com quem vive na universidade.
Esses processos não estão isolados — fazem parte da mesma engrenagem que precariza a vida da classe trabalhadora: suas condições de emprego, de educação e de existência.
É fundamental compreender que as reformas educacionais em curso estão diretamente conectadas às orientações de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que orienta a adaptar os sistemas educacionais às demandas do mercado de trabalho.
Mas qual é esse mercado de trabalho? A realidade do mundo do trabalho que a juventude encontra hoje é fruto de décadas de reformas a serviço do capital, destruição de direitos trabalhistas e uma reconfiguração econômica que transformou o Brasil em exportador de commodities. A reprimarização do país em termos de divisão internacional do trabalho, resultou em um mercado de trabalho brutalmente precarizado, informal e sem garantias. A docência, evidentemente, não escapou a essa lógica. A juventude trabalhadora — inclusive aquela que tenta seguir na licenciatura — está imersa em um cotidiano de exploração extrema.
Ao impor um modelo de educação voltado à “empregabilidade”, o FMI e os governos que o seguem – como é o caso de Lula – não estão preocupados com a educação da juventude, mas com a formação de uma força de trabalho adaptável aos interesses do capital internacional. O Novo Ensino Médio (NEM) é uma expressão de como o governo Lula responde ao chamado do FMI e expressa essa mesma lógica: flexibilização curricular, itinerários “profissionalizantes” esvaziados. Não é por acaso que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) passou por três alterações em apenas 10 anos. Essas mudanças são uma resposta ao cenário global do mercado de trabalho e à pressão para adaptar a educação aos interesses do imperialismo, alinhando o Brasil às exigências da economia mundial.
A atual reforma curricular, imposta em diversas universidades do país, nada mais é do que uma continuidade do NEM, precarizando o conhecimento e aprofundando as desigualdades. O que vemos agora é uma tentativa de adequar as licenciaturas ao modelo de educação precarizado que o NEM proporciona, ou seja, formar professores para essa sala de aula. O contínuo esvaziamento dos cursos de licenciatura são parte de um projeto que corresponde ao que são as políticas educacionais, fechando cursos ou precarizando seus currículos. Não se trata apenas de uma reforma do ensino básico ou do ensino superior, mas de uma reestruturação completa da educação pública para atender aos interesses do capital.
Quem ganha com isso?
Essa reforma não vem do nada. Desde os anos 1990, o Brasil vive um processo contínuo de reforma educacional orientado por diretrizes capitalistas e amplamente influenciado por organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Os sucessivos governos, inclusive o do PT, deram saltos significativos na aplicação de políticas educacionais voltadas à lógica do capital, promovendo a expansão da educação técnica e superior de forma se associava a lógica de financiamento do setor privado com recursos públicos, aprofundando a mercantilização da educação. Houve remessas bilionárias de dinheiro público ao setor privado, através de isenções, convênios e programas como o FIES e o ProUni.
Hoje, a extrema direita leva adiante o mesmo projeto de educação voltado ao lucro e à subordinação da juventude ao mercado. Aposta em uma gerência autoritária pela militarização das escolas e escolas sem partido. O projeto, no entanto, sempre foi o mesmo: capitalista. O governo Bolsonaro implementou um projeto autoritário na educação, com políticas que atacaram as escolas e universidades, com o projeto Escola Sem Partido, as escolas cívico-militares, com cortes de verbas e ataques sistemáticos à educação pública.
Grupos empresariais e fundos bilionários, especialmente o que chamamos de “tubarões da educação” , influenciam diretamente a formulação de políticas públicas, estabelecendo currículos, produzindo materiais didáticos, controlando plataformas tecnológicas e interferindo nas decisões do Ministério da Educação. Mas diante disso, como o governo federal de Lula tem respondido? Tem combatido essa lógica ou, ao contrário, tem contribuído para aprofundá-la ao adaptar a educação aos interesses do capital, à lógica individualista e ao discurso empreendedor — os mesmos pilares que estruturam o projeto educacional da direita? E o corte na educação promovido pela principal política econômica do governo que é o Arcabouço Fiscal para o pagamento de banqueiros? O que significa, afinal, nomear empresários para cargos no MEC, como é Paulo Lemann? É possível dizer que isso representa um enfrentamento à extrema direita, ou trata-se da continuação, por outros meios, do mesmo projeto capitalista para a educação?
Diante da crise do “apagão de professores”, o governo federal lançou programas como o “Pé de Meia Licenciaturas”, que oferece uma bolsa de R$ 1.050, com R$ 700 disponíveis mensalmente para saque. A medida busca conter a evasão nos cursos de formação docente, especialmente entre jovens de baixa renda. Também foi sancionada, em janeiro, uma lei que estabelece diretrizes para valorização dos profissionais da Educação Básica. Políticas de permanência estudantil são urgentes, e o Pé de Meia é um passo nessa direção, mas é limitado e claramente insuficiente diante da profundidade da crise. Essas iniciativas se chocam com a realidade cotidiana das escolas: aumento das contratações temporárias, expansão da terceirização, falta de concursos públicos, continuidade de reformas como o NEM, a presença de Lemann no MEC, como representante dos interesses dos bilionários. Nesse sentido, o modelo educacional que sustenta está longe de ser um projeto voltado para os interesses da classe trabalhadora — ao contrário, segue alinhado à lógica privatista e precarizante que favorece os bilionários.
Outra medida do governo é que as novas diretrizes para os cursos de licenciatura, aprovadas pelo MEC, permitem que até 50% da carga horária seja realizada à distância. A maioria dos cursos de licenciatura EAD ofertados por faculdades particulares são os mais baratos e, justamente por isso, os mais acessíveis para os filhos e filhas da classe trabalhadora — não porque foram pensados para garantir qualidade com acesso, mas porque são a única opção diante de um sistema educacional que não é universal, com a existência do vestibular como filtro racial e social. Nesse sentido, é no ensino privado que está a maior parte da nossa classe. O problema não está necessariamente na modalidade EAD em si, mas em a quem essa política serve e como ela é implementada. A questão é que hoje grande parte do EAD está a serviço dos tubarões da educação, que lucram com a precarização do ensino: reduzem custos ao eliminar a estrutura das aulas presenciais e multiplicam seus ganhos oferecendo uma formação de baixa qualidade. A medida não enfrenta o verdadeiro problema: a mercantilização da educação e o controle do ensino superior pelos grandes grupos empresariais.
Além disso, existe uma outra movimentação central que é a adesão ao ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – nas universidades estaduais. Esse debate tem ganhado força: o ENADE foi criado no governo FHC como substituto do antigo “Provão”, e desde então representa uma das expressões mais evidentes da lógica neoliberal na educação brasileira. Na época do Provão, a nota da prova chegou a valer mais em entrevistas de emprego do que o próprio currículo. Hoje, essa lógica se mantém, ainda que disfarçada sob a ideia de “avaliação de qualidade”. A verdade é que o ENADE opera segundo uma lógica meritocrática completamente invertida: ao invés de investir mais onde há maior necessidade, o Estado destina mais recursos às universidades e cursos que já apresentam os melhores resultados. É premiado quem já tem estrutura, enquanto os cursos precarizados seguem sendo deixados para trás. Serve, na verdade, para ranquear cursos, institutos e universidades. Com base nesse ranking, define-se a distribuição de verbas. Isso aprofunda a desigualdade: cursos com resultados piores – geralmente mais precarizados e com menos infraestrutura – são justamente os que mais precisam de investimento para melhorar. Mas não é isso que acontece. A lógica do ENADE é a lógica do mercado: quem “rende mais” recebe mais.
Não por acaso, faculdades privadas e setores empresariais têm ingerência direta sobre essas disputas. O ENADE, assim como outros mecanismos de ranqueamento, força a universidade pública a operar com a lógica de empresa. Se foi FHC quem criou o ENADE, agora é o governo Lula quem busca estender sua aplicação às universidades estaduais.
O movimento estudantil, historicamente, sempre boicotou essa prova, justamente por compreender sua função dentro de uma lógica meritocrática e excludente. É, portanto, inaceitável que correntes do próprio movimento estudantil, como o “Para Todos” (PT) e o “Afronte” (Resistência/PSOL), venham agora a defender a aplicação do ENADE. Essa posição é uma traição à história do movimento estudantil e um alinhamento vergonhoso com os interesses do governo e do capital.
Por um projeto diferente de educação!
A crise da formação docente, a destruição das licenciaturas e a precarização do ensino não são fenômenos isolados, mas parte de um projeto de educação capitalista. Diante desse cenário, é urgente retomar a defesa de um projeto de educação voltado para os interesses da classe trabalhadora.
Nós, do Rebeldia, não aceitamos que a juventude seja sacrificada em nome do lucro. Por isso, combatemos o projeto capitalista de educação representado por Lula, que mantém os acordos com os grandes grupos econômicos e sustenta medidas como o Novo Ensino Médio, a terceirização nas escolas, os cortes orçamentários e a influência direta de bilionários como Jorge Lemann no Ministério da Educação. Fora Lemann do MEC!
Defendemos mais verbas públicas para a educação, a construção de novas escolas, institutos federais e universidades, com bolsas estudantis e salários dignos para todos os trabalhadores da educação. Lutamos pela revogação imediata do Novo Ensino Médio, pelo fim dos pactos com o imperialismo — como a agenda do FMI — e pela construção de uma escola única para a classe trabalhadora, com ensino de qualidade para todos, e não só para os filhos dos ricos.
Por isso, defendemos a expropriação das dez maiores empresas privadas de educação, colocando sob controle dos trabalhadores. Isso abriria caminho para o fim do vestibular e para o acesso universal à educação.
Os currículos escolares e universitários devem ser construídos com a participação ativa de estudantes, professores e da comunidade escolar — e não impostos de cima. É preciso valorizar de verdade o trabalho docente, com salários decentes, estabilidade, formação continuada de qualidade e participação efetiva nas decisões educacionais. Também é necessário combater o sucateamento das universidades públicas, cujo orçamento está sendo corroído pelo Arcabouço Fiscal e pelos cortes dos governos nas estaduais.
O cenário das licenciaturas, da reforma curricular nas universidades, o apagão de professores, expõem qual a situação da educação brasileira: submetida a lógica do capitalismo. Nas universidades, a juventude trabalhadora tem seus currículos moldados para se adaptar à precarização, enquanto precisa estudar em condições degradantes, conciliando a formação com jornadas exaustivas de trabalho em empregos precários e seu futuro é de continuar em situação de subemprego, exploração 6×1, desemprego…
Essa realidade impõe um desafio central: enfrentar os capitalistas que lucram com a nossa miséria e com a destruição da educação pública. Eles contam com o apoio da direita, da extrema direita e também da esquerda governista, que sustenta um sistema baseado na exploração e nos interesses de um punhado de bilionários capitalistas. No entanto, temos visto diversas lutas importantes contra o desmonte da educação pública. No Pará, a ocupação da SEDUC por estudantes e comunidades indígenas, junto à greve dos professores, obrigou o governador Helder Barbalho a recuar e revogar a Lei 10.820, mostrando que a luta organizada pode impor derrotas ao governo. Também o breque dos app’s paralisou o país, com trabalhadores de aplicativos denunciando as condições brutais de exploração. Em São Paulo, a greve dos professores da rede municipal enfrenta os ataques do prefeito Ricardo Nunes, que tenta privatizar creches, rebaixar salários e criminalizar a mobilização docente.
Essas lutas mostram o caminho: é com mobilização, unificação das pautas e organização independente da nossa classe que podemos enfrentar o projeto capitalista de destruição da educação e dos nossos direitos. Diante disso, só há um caminho: organizar, com a nossa classe, uma alternativa independente, que coloque a educação a serviço das nossas necessidades.
Lutamos por uma educação a serviço da classe trabalhadora, construída por e para os filhos e filhas da classe trabalhadora. Por isso:
- Fora Lemann do MEC!
- Pela expropriação dos tubarões da Educação!
- Escola única! Ensino de qualidade para todos, não só para os filhos dos ricos!
- Revogação imediata do NEM!
- Abaixo o arcabouço fiscal!
- Enfrentar a extrema direita e o governo Lula!
- Pela educação a serviço da classe trabalhadora!