80 anos da derrota do nazifascismo: memória, luta e alertas para o presente

por Erick Kayser

Em 8 de maio de 1945, o mundo testemunhou o fim de um dos mais sombrios capítulos da história moderna: a rendição incondicional da Alemanha nazista após a conquista militar de Berlim pelas tropas da União Soviética. Após oito décadas deste evento crucial, relembrar essa data não é apenas um exercício de memória, mas um alerta urgente diante do ressurgimento de grupos de extrema direita que, hoje, reacendem fantasmas do passado.

A ascensão do nazifascismo ocorre no período entre guerras, aproveitando-se da instabilidade política, econômica e social que assolou a Europa após a Primeira Guerra Mundial. Na Itália, Benito Mussolini estabeleceu o primeiro regime fascista em 1922, enquanto na Alemanha, Adolf Hitler chegou ao poder em 1933.

Ambos os regimes compartilhavam características fundamentais: ultranacionalismo, culto ao líder, militarismo exacerbado, supressão de liberdades individuais, perseguição a opositores e minorias, anticomunismo, defesa da propriedade privada e rejeição dos valores democráticos. No caso alemão, o componente racial ganhou centralidade através da ideologia da “superioridade ariana” e do antissemitismo genocida.

O expansionismo territorial do nazifascismo deflagaria uma escalada de conflitos que culminariam com o início da Segunda Guerra Mundial, cujo início é geralmente apontado com invasão da Polônia pelos alemães em 1º de setembro de 1939. Contudo, os ataques e ocupações de territórios soberanos de países vizinhos já haviam começado antes, sem haver ainda qualquer tipo de reação de outras potências – seja por subestimarem o tamanho da ameaça colocada, seja por não verem seus interesses locais diretamente afetados.

Trata-se do maior conflito militar da história da humanidade, quando praticamente o mundo inteiro esteve envolvido em uma guerra total, deixando em seus escombros um rastro de destruição nunca antes visto, com mais de 70 milhões de mortes. Os soviéticos foram os que sofreram as maiores perdas: mais de 24 milhões de vítimas, sendo a maioria delas civis. Isso porque na Segunda Guerra Mundial, o ataque sistemático a populações civis foi inaugurado como tática de guerra, de modo a promover o terror junto às populações dos países atacados pelas tropas do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), sendo também replicado pelos Aliados (EUA, Grã-Bretanha e URSS). Essa prática abjeta foi repudiada por tratados internacionais, o que, infelizmente, não impediu que seguisse ocorrendo em muitos dos conflitos armados subsequentes no século XX e XXI.

Os horrores do fascismo produziram uma inédita institucionalização da barbárie, com a morte do “outro” convertida numa política de Estado. Técnicas de morticínio em escala industrial foram desenvolvidas, tendo nos campos de concentração como o de Auschwitz, no sul da Polônia, o seu ápice. A perseguição a judeus, ciganos, comunistas, LGBTs e pessoas com deficiência, revelaram o ápice da desumanização promovida por um regime político eugenista. Estima-se que cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados no Holocausto, enquanto milhões de outras vítimas pereceram sob  políticas de limpeza étnica e opressão. Este é um legado de dor que jamais pode ser relativizado.

A guerra contra o nazifascismo mobilizou esforços globais sem precedentes. A aliança entre potências de sistemas políticos e econômicos concorrentes – como Estados Unidos e União Soviética – demonstrou que, diante da ameaça existencial representada pelo expansionismo totalitário, era possível superar diferenças antagônicas em prol de um objetivo comum.

Paralelamente aos exércitos regulares, movimentos de resistência floresceram nos territórios ocupados. De Paris a Varsóvia, de Belgrado a Amsterdam, pessoas comuns arriscaram suas vidas para combater a ocupação nazista, sabotando operações militares, salvando perseguidos e mantendo viva a chama da liberdade. Mesmo na Alemanha, a heroica resistência antifascista, ainda que severamente enfraquecida pela repressão nazista, não pode ser esquecida.

Contudo, mesmo com as nefastas consequências da escalada de horrores e com a morte de seus principais líderes no final da guerra – Mussolini seria assassinado e pendurado em praça pública quando tentava fugir de seu país; já Hitler, temendo o mesmo destino de seu consorte italiano, covardemente cometeu suicídio –, o “fantasma” do fascismo jamais foi totalmente extirpado. Como sintetizou a famosa frase do dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, “a cadela do fascismo está sempre no cio”.

Com o avanço nos últimos anos da extrema direita em governos, parlamentos e redes sociais, é imperativo reconhecer como sinais de alerta o regresso do espectro do fascismo: a desumanização do “outro”, a erosão da democracia e a banalização da violência. Indo da retórica anti-imigração na Europa à glorificação de símbolos nazistas em protestos, como visto nos EUA e no Brasil, observa-se uma normalização perigosa de ideias que já produziram tragédias. A escalada de discursos de ódio, o ataque a instituições democráticas e a romantização de regimes ditatoriais revelam que a lição histórica não foi assimilada.

Mais do que isso, novas guerras reacenderam os piores temores. Na Europa, a invasão da Ucrânia por uma Rússia que resgata mitos imperialistas expõe como o nacionalismo agressivo permanece uma ameaça. A guerra de Israel na Faixa de Gaza, comandada por Benjamin Netanyahu, promove um indisfarçado objetivo genocida contra o povo palestino, que em muito se assemelha às políticas de extermínio étnico do nazifascismo.

Por fim, não é demais frisar que o fascismo, em suas variadas formas, não são alternativas concorrentes ao capitalismo, mas sua expressão mais crua e violenta. Ainda que possa ser evidente para muitos, não faltam aqueles que o julgam por sua retórica. A essência do fascismo – tanto em suas versões clássicas, como nas contemporâneas – é antissocializante, numa busca por acelerar radicalmente o capitalismo, independente de seus custos sociais e ambientais. Para enfrentá-lo, não devemos recorrer a uma tímida defesa das instituições liberais, que pouco ou nada fazem para conter sua ascensão.

A experiência histórica demonstra que é possível (e necessário) combinar a luta contra o fascismo com a luta contra o próprio capitalismo. Mais uma vez, recorremos aqui a Bertolt Brecht, que fez uma analogia magistral sobre este ponto: “aqueles que são contra o fascismo sem serem contra o capitalismo, que lamentam a barbárie que sai da barbárie, são como pessoas que desejam comer carne de vitela sem matar o bezerro”. Sem enfrentarmos o problema na sua raiz, superando as relações de propriedade que geram a barbárie, o fascismo seguirá sendo uma arma recorrente dos capitalistas para os momentos de crise.

Erick Kayser é historiador

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Last Update: 05/05/2025