O chamado “cancelamento” quando não é pura e simplesmente uma censura disfarçada, é uma via para criar um clima político e social favorável a censura. O que aconteceu no Festival Literário Internacional de Poços de Caldas (Flipoços), no Sul de Minas, foi a censura propriamente.

A escritora Camila Panizzi Luz falava em uma palestra no evento quando convidou para a mesa o escritor paulista Wesley Barbosa, Barraco Editorial, participante do estande do Coletivo Neomarginal. Em dado momento, Camila Panizi disse: “Como que faz para ser neomarginal? Eu quero ser uma neomarginal, gente, olha que tudo. Camila Luz, neomarginal, nunca fui presa.”

Esse comentário teria gerado “revolta” em algumas pessoas que interpretaram como “racismo”, “preconceito” ou qualquer coisa que o valha. Com isso, a escritora, antes chamada para falar no evento, teve todos os seus livros retirados do festival e canceladas qualquer participação futura.

Tudo isso por causa de uma interpretação que se pode fazer do comentário da escritora. Segundo se explica nas reportagens sobre o caso, esse Coletivo Neomarginal seria uma homenagem ao movimento de literatura marginal que teve força nos anos 70 no Brasil.

Muitas interpretações podem ser tiradas do comentário da escritora. A primeira é a de que ela seria ignorante sobre o que foi esse movimento e acha que seria um movimento de escritores que são marginais no sentido social da palavra; a outra é a de que ela apenas fez uma brincadeira com as palavras marginais; outra é a de que ela acha que um marginal tem que ser um preso; outra de que o escritor negro seria um marginal porque é negro e que por isso, talvez já tivesse sido preso. Enfim, muitas interpretações podem ser feitas, mas nenhuma de fato envolve acusar a escritora de racista como se ela fosse a encarnação de Adolf Hitler em Poços de Caldas. É ridículo!

Se ela é ignorante, como alguns defendem, isso não é nenhum crime e pode simplesmente ser criticado no âmbito do debate.

Uma coisa interessante de se dizer é que até mesmo o coletivo que se intitula “neomarginais” não parece saber bem o que foi a poesia marginal. Embora a homenagem seja válida, os poetas marginais não eram assim chamados porque necessariamente faziam parte da periferia da cidade, mas porque a sua poesia era marginal, fora dos grandes circuitos literários, ou dos circuitos oficiais. Inclusive, para um poeta marginal, participar de um Festival literário como o que esse coletivo participou, tendo estande no evento, nem era algo pensável.

É importante dizer ainda que os poetas marginais certamente estariam envergonhados da atitude que faz com que, por conta de um comentário, uma escritora seja banida de um evento. Mais feio ainda é um escritor que se diz “neomarginal” dizer que ficou “ofendido” com o que disse a escritora. No vídeo, inclusive, que está divulgado na internet, do momento do comentário, o “neomarginal” não parece tão incomodado assim com a piada da escritora.

Não importa aqui sabe quem são esses escritores, o que escrevem, sua origem social, nada disso. O importante desse acontecimento é que ele revela o quanto a política identitária do “cancelamento” é prejudicial para o debate de ideias. Qualquer coisa pode se transformar em crime e ser alvo de censura. Qualquer coisa que se fale pode estar sujeita a interpretação, então, qualquer coisa pode ser motivo para censura, basta que haja interesse em calar seu adversário, acusando-o de algo.

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Last Update: 05/05/2025