Recentemente, o grupo Globo comemorou a liderança na audiência do GloboNews durante a cobertura da prisão de Fernando Collor. O episódio é mais um capítulo na história envolvendo as famílias Mello e Marinho. Ao longo de décadas, ninguém soltou a mão de ninguém. Agora, o relacionamento caminha para o fim e expõe a fragilidade política do ex-presidente, descartado pela emissora mais poderosa do Brasil.

O casamento entre a Globo e Collor foi abençoado pela ditadura. A emissora, que foi ao ar um ano depois do golpe de 1964, sempre atuou como porta-voz do projeto civil-militar que havia tomado o poder. Como detalha a pesquisadora Suzy dos Santos, o sistema de rede da Globo foi fundamental para estruturar o modelo de distribuição de propriedade e concessões – que, assim como ocorreu com a Globo, eram distribuídas para apadrinhados políticos.

Assim, diversas afiliadas da TV Globo foram parar nas mãos de políticos locais, a exemplo dos Magalhães na Bahia (TV Bahia), dos Sarney no Maranhão (TV Mirante) e da família Collor, em Alagoas. Foi em 1975 que a TV Gazeta de Alagoas passou a ser afiliada da Rede Globo. O acordo foi selado com Arnon de Mello, pai de Collor. Senador, Arnon cresceu politicamente durante a ditadura militar – e foi durante o regime que ele foi absolvido pelo assassinato do senador José Kairala no plenário do Congresso.

Falecido em 1983, Arnon deixou seu ‘legado’ político e midiático para o filho, Fernando. Seis anos depois, o alagoano se tornou o primeiro presidente da República eleito pelo voto direto, após a redemocratização. Em uma disputa eleitoral acirrada contra Lula, Collor contou com uma ajuda estratégica da emissora de Roberto Marinho.

Durante a corrida eleitoral de 1989, a Globo deu uma mãozinha para Collor ao manipular o último debate presidencial. O fato foi reconhecido anos depois pela emissora. A Globo cuidou da aparência de Collor para “popularizar” a sua imagem e, sobretudo, editou o programa (que não era ao vivo), garantindo maior tempo de fala para Collor e sendo tendenciosa nos trechos selecionados, de modo a prejudicar o desempenho de Lula.

Ao noticiar a prisão de Collor, a própria Globo relembrou o episódio do debate presidencial. Durante o Jornal Nacional, a narração de William Bonner classificou como ‘erro’ a manipulação da emissora e que deixar “o tempo total de fala de Collor maior que o tempo de Lula foi um aprendizado importante”. Mais um sinal de que a Globo vem soltando a mão do “caçador de Marajás”.

Crise na relação

Ao longo deste meio século, o casamento entre a Globo e Collor já atravessou algumas turbulências. Uma delas foi o processo de impeachment do ex-presidente Ao ver a popularidade de Collor definhando, a base parlamentar se dissolvendo e o crescimento da pressão popular por sua saída, a Globo acabou acompanhando o coro dos que pediam o impeachment do presidente que a própria emissora tinha ajudado a eleger.

Apesar de, ao final do processo, a Globo ter soltado a mão de Collor, o comportamento da emissora não foi tão agressivo se comparado, por exemplo, ao golpe de 2016 que destituiu Dilma Rousseff e contou com um importante engajamento do grupo de comunicação.

De acordo com pesquisa do professor Pablo Pimentel, “O Globo foi mudando progressivamente seu posicionamento editorial sobre a legitimidade da saída de Collor (…), porém, o baixo número de editoriais evidenciou a falta de uma campanha do jornal tanto para destituir, quanto para defender a permanência do presidente”.

Passada a crise do impeachment, tudo foi voltando ao normal. A Globo seguiu alinhada aos setores econômicos e políticos que um dia produziram Collor; o ex-presidente, após oito anos inelegível, foi duas vezes eleito ao Senado; a TV Gazeta de Alagoas, afiliada da Globo, continuou sendo controlada pela família Mello.

O começo do fim

Após meio século de casamento, a relação entre a Globo e a família Collor de Mello caminha para um final conturbado. O começo do fim foi a condenação do ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de usar a TV Gazeta para desviar dinheiro e operar um esquema de propina com empreiteiros. Segundo a denúncia, Collor retirou 6 milhões de reais dos cofres da emissora, além de deixá-la com diversas dívidas e processos trabalhistas.

Após a condenação, a Globo decidiu não renovar o contrato com a TV Gazeta. A disputa foi parar na Justiça, que garantiu à emissora de Collor mais tempo como afiliada. No entanto, a Globo segue buscando reverter essa decisão e selar o divórcio. Em março de 2025, a emissora conseguiu uma liminar favorável ao rompimento. A prisão decretada pelo STF no último 25 de abril é vista como um trunfo para validar o argumento da Globo e encerrar de vez a parceria de 50 anos.

Após a prisão do ex-presidente, a Globo realizou uma ampla cobertura. No entanto, nenhum jornalista da afiliada TV Gazeta participou das reportagens. A emissora optou por escalar jornalistas de Brasília e até um repórter local, mas vinculado à CBN Alagoas. Apesar de, no papel, o casamento ainda existir, na prática Globo e Collor dormem em quartos separados.

Com seu império desmanchando, velhos aliados agora dão as costas. Isolado, o ex-presidente vai ter que se virar com suas próprias mídias, já que agora não tem mais a família Marinho como amiga. Collor abusou da ajuda recebida. Agora, a Globo solta sua mão.

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Last Update: 30/04/2025