Era tudo verdade. “Ainda estamos aqui”, mas eles continuam aí
por Armando Coelho Neto
A facada no então candidato ex-capitão inelegível, até pouco hospitalizado foi tema do texto passado. Nele, com restrições, ressalvas, respeito aos que não se deixar contaminar por teorias conspiratórias, centrados em fatos. A volta ao tema visa deixar clara, mais uma vez, a posição desse colaborador. E também destacar: deter-se a fatos não excluiria o dever jornalístico de investigar.
Mesmo que a facada tenha acontecido, ficou o cheiro encenação. Mais que nunca está provada a capacidade de distorção da realidade da trupe do ex-capitão. Assim, um erro e ou excesso de confiança, numa que poderia ser encenação, virou tragédia. Falhas da PF e da segurança pessoal à parte, restou: Adélio, ele é “louco”, está condenado e internado, alguém pagou advogado, o monstro se elegeu.
Satisfeita com o óbvio, a grande mídia acolheu um rastro de perguntas sem respostas, que a aceitação da verdade aparente impediu investigar. O ex-capitão ganhou a eleição de dentro de um hospital e novamente dentro de outro, tentou criar comoção pública para pedir anistia para si próprio. Hospital virou puxadinho político, UTI virou picadeiro, posto de venda de capacete, produtora de lacração.
O ministro Alexandre Morais virou chacota, uma servidora pública foi humilhada… Galhofa total, como no filme “Doutores da Alegria” às avessas. Por vias privadas, leitores voltaram ao texto anterior, criticando o papel dos jornalistas que em nome da “isenção”, aceitaram sem críticas, análises e contextualização a versão imposta. Os porquês e por quês, a quem interessaria o pretenso crime, tudo isso foi ignorado.
Um dos leitores advertiu, “a mentira foi naturalizada como expediente e método político, por parte de quem se notabilizou pelo uso de fake news em campanhas políticas, e, como gestor, nutriu teorias conspiratórias e atraiu para si a eterna desconfiança”, palavras que esse colaborador endossa. Passou da hora de ler os fatos no conjunto de mentiras produzidas antes, durante e depois da facada.
Curiosamente, a imprensa que acolheu sem restrição como verdade o episódio, passou a tratar com desconfiança aqueles que buscavam a verdade. Leia-se, em cena a mesma mídia que matou no peito as falcatruas do Bozo, as estripulias de “Sejumoro e Dalanhóis” (ambos blindados), e sem escrúpulos deu credo a tríplex, sítio, pedalinhos… E, de soslaio aplaudiu o combate à corrupção! He he!
As evidências do contrário foram deixadas de lado, partiu-se para “espancamentos” morais, detonar reputações, de forma a dar selo de autenticidade a jargões do gênero: “São bandidos mesmo! Presos na ditadura e na democracia. As delações genéricas, abusos e arbitrariedades ganharam força, a ponto de, sem crítica, conferirem isenção às instâncias superiores, cúmplices do conluio.
Um juiz rábula virou símbolo de honestidade, ganhou prêmios, virou ministro de um genocida, tornou-se senador, não sem antes tentar usar endereço ilegal em São Paulo, para se lançar candidato à Presidência. Como diz um polêmico jornalista, sem sequer informar o endereço que informava ao iFood para pedir comida. Com mais verba, mais exposição pública, atropelou seus concorrentes…. Tudo normal.
Eis que disse o leitor: já a implausível “fakeada” assimilada rapidamente por uma imprensa pouco curiosa, ou seletivamente curiosa, acabou abrindo espaço para teorias conspiratórias, que sempre existirão nessa opaca e pouco transparente história do atentado de Juiz de Fora. Ainda que as “teorias conspiratórias” sobre a Farsa-Jato tenham se revelado verdadeiras pouco tempo depois.
Eis que, “Nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando… até que um dia acordei” (Vandré). “Teorias conspiratórias” como manipulação do DOJ contra a Petrobrás, empresas quebradas, desemprego, delatores com bolsos cheios, contratos espúrios com advogados, conluio entre acusação e juiz, o golpe contra a democracia… Era tudo verdade! Até fundação para dinheiro roubado foi criada.
No país das conspiratas, a imaginação fica aquém da realidade opaca. Quando, na ditadura, as pessoas ficavam pensando em como as pessoas desapareciam (“Ainda estou aqui”), mesmo intuindo assassinatos, nem de longe se sonhava com a verdadeira forma como nossos gloriosos Ustras agiam.
Os requintes de perversidade do regime militar apodrecido, que violou as mais básicas regras da decência humana eram ignorados. Já os opositores eram tratados como conspiracionistas. No entanto, era tudo verdade, “ainda estamos aqui”, mas eles continuam aí…
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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