No dia 28 de abril, foi publicada uma coluna escrita por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, que se apresenta como sociólogo e professor titular da Escola de Direito da PUC-RS, no portal online A Terra é Redonda. A coluna, intitulada “Os desafios da segurança pública”, faz campanha para que a esquerda adote um programa para a “segurança pública”, algo que vem sendo recorrente por parte de muitos colunistas e meios de comunicação de esquerda. Além disso, o colunista comenta também um pouco do livro Segurança Pública: o calcanhar de aquiles da esquerda e do campo democrático, de Benedito Mariano.
O texto, no entanto, não aborda nada de novo. São os mesmos argumentos de sempre sobre o tema, com a utilização de um vocabulário da moda esquerdista dos dias de hoje, falando muito em democracia, participação etc., para, no fim, terminar por pedir mais repressão contra a população brasileira pobre.
A coluna começa com uma tentativa de se fazer de esquerda, evocando a autoridade da Revolução dos Cravos:
“No dia 25 de abril, não por acaso no aniversário da Revolução dos Cravos, o Instituto Novos Paradigmas promoveu em Porto Alegre o lançamento do livro Segurança Pública: o calcanhar de aquiles da esquerda e do campo democrático, de Benedito Mariano.”
Talvez por desconhecimento o livro tenha sido lançado nesta data, já que, apesar da participação das forças armadas na revolução em Portugal, o que aconteceu no dia 25 de abril de 1974 não teve nada a ver com o aumento da repressão. Pelo contrário, colocou fim a uma ditadura de 48 anos, além de praticamente dar a independência para Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe.
Na sequência, o texto tenta passar um currículo esquerdista para o autor do livro mencionado:
“Benedito Mariano construiu uma trajetória rara, que combina militância democrática, experiência institucional e formulação crítica. Fundador do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), nos anos 1990 foi nomeado o primeiro ouvidor das polícias do Estado de São Paulo, no governo de Mário Covas, e desde então tem se dedicado a fortalecer os mecanismos de controle externo e promover uma visão cidadã da segurança pública.”
Aqui já começamos a ver o vocabulário pseudoesquerdista em ação. “Militância democrática”, “experiência institucional” e “formulação crítica” podem significar qualquer coisa, mas não significam de forma alguma que se trata de uma pessoa de esquerda, ainda mais se tratando de alguém que trabalhou em um governo do PSDB – veremos mais sobre o PSDB abaixo. Enquanto isso, continuam os elogios ao autor do livro:
“Ao longo dos anos, atuou em diversas gestões municipais – São Paulo, Osasco, Diadema, São Bernardo do Campo – implementando políticas orientadas pela prevenção da violência, pelo policiamento comunitário, pela valorização das guardas municipais e, sobretudo, pela ideia de que segurança se faz com diálogo, legalidade e políticas sociais, mas também com políticas públicas de segurança.”
Ou seja, pelo que é descrito, se trata simplesmente de um elemento policial, não se tratando de ninguém de esquerda ou a favor dos trabalhadores.
O texto continua a falar do livro:
“O livro agora publicado sintetiza esse percurso. Mas vai além. Ele lança um olhar honesto e necessário sobre a incapacidade da esquerda em consolidar um programa para a segurança pública. Na visão de Benedito Mariano, apesar da esquerda ter produzido as melhores propostas para o setor, com base nos direitos humanos e na democracia, essas propostas raramente se traduziram em políticas efetivas quando essa mesma esquerda chegou ao poder. Essa contradição – entre discurso e prática – é o eixo em torno do qual o livro se estrutura.”
Aqui é importante esclarecer alguns pontos. O autor tenta dizer que a esquerda não tem um programa para a “segurança pública”, como se faltasse esse tema a ser debatido pelos militantes políticos de esquerda. Acontece que a esquerda sempre teve um programa para a questão da repressão, um programa próprio da esquerda. O que querem aqueles que defendem a ideia de que a esquerda deve agora adotar um programa para a “segurança pública”, na realidade, querem que a esquerda adote o programa da direita para a “segurança pública”, com repressão aos trabalhadores – o próprio Rodrigo Ghiringhelli utiliza a palavra “repressão” para se referir às atividades policiais.
O programa da direita é o programa que vemos na imprensa, nos jornais e na TV quando se fala sobre criminalidade. Se trata de um programa que visa reprimir a população se utilizando da polícia. Ou seja, quando alguém pede por uma melhor “segurança”, o que se está pedindo é mais polícia, mais armas para a repressão e a utilização do Estado contra o que a direita chama de “bandido”, que nada mais é do que o cidadão pobre, tenha ele cometido algum crime ou não.
Já a esquerda, tradicionalmente, adota um outro programa, que não enxerga o indivíduo como responsável pelo crime, mas sim, as péssimas condições de vida, a falta de acesso à cultura e a própria violência estatal como os responsáveis pela criminalidade. Prova disso é que, antes da Ditadura Militar, na qual o programa para a “segurança pública” era justamente esse defendido por Rodrigo Ghiringhelli, não havia crime organizado como há hoje no Brasil. Foi a queda da qualidade de vida oriunda da ditadura que gerou o crime organizado no Brasil, com as políticas dos governos de FHC, Temer e Bolsonaro auxiliando para que essa criminalidade aumentasse.
Também, infelizmente, não é fato que os governos do PT deixem esse programa de lado, pois, durante esses governos, vimos muitas vezes a polícia sendo utilizada contra a população de forma atroz, como nos casos das UPPs no Rio de Janeiro.
O texto continua:
“A meu ver, as dificuldades da esquerda para consolidar uma agenda transformadora na área da segurança pública, que vá além dos chavões e da crítica à violência estatal, decorrem de dois fatores principais. O primeiro é a fragilidade da base teórica que fundamenta o pensamento da esquerda brasileira de maneira geral, e que tem consequências diretas sobre o tema segurança pública.”
Ou seja, para o professor da PUC, a esquerda deveria adotar uma outra base teórica. O PCO, por exemplo, deveria deixar de se basear em Marx, Engels, Lenin e Trótski, pois, esses teóricos não permitiriam que o partido adotasse um programa em benefício da polícia e da burguesia, permitindo a repressão contra os trabalhadores.
Só pelo fato de se criticar a “teoria” da esquerda enquanto se fala do aumento da repressão, já seria o suficiente para deixar qualquer esquerdista com uma pulga atrás da orelha, mas o colunista vai além e deixa claro como nem mesmo ele é de esquerda e que, o programa que defende, no fim, é tão de direita quanto o Bolsonaro em pessoa:
“O segundo fator é o peso dos setores sindicais e corporativos na definição das prioridades políticas, o que muitas vezes dificultou o avanço de reformas institucionais mais necessárias e produziu frequentemente um alinhamento acrítico com a permanência de mecanismos institucionais que resistem à transparência, à responsabilização e à modernização das corporações policiais.”
Ou seja, para Rodrigo Ghiringhelli, a esquerda precisa deixar de dar ouvidos às organizações dos trabalhadores e passar a escutar a polícia. Essa é a dica de ouro de Ghiringhelli para a esquerda. Se não existisse dentro da esquerda uma camarilha de oportunistas aproveitadores, que se vendem para a direita, ninguém dentro da esquerda deveria perder seu tempo lendo bobagens como essas.
Ghiringhelli passa, então, a citar nominalmente alguns desses oportunistas sem princípios da esquerda, como o petista Tarso Genro, além de personalidades da direita, como Eduardo Campos, Bisol e o grande democrata e governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, conhecido também como Bolsogay, um dos responsáveis pela morte de milhares de brasileiros nas enchentes que destruíram seu Estado.
Em alguns desses trechos, Ghiringhelli chega a falar da necessidade de “repressão qualificada”, seja lá o que isso quer dizer.
Por fim, um trecho, cheio de palavras bonitas para esconder que a intenção é uma só: aumentar a polícia, colocar mais pobres na cadeia e matar uma boa parte.
“Entretanto, a esquerda, e especialmente o PT, ainda enfrenta dificuldades para reconhecer a importância dessas experiências, muitas vezes por razões eleitoreiras, mas também por uma resistência histórica a absorver elementos da tradição liberal na gestão pública – como a cultura da responsabilização, da transparência e da eficiência democrática nas instituições de segurança, a ideia de interdição de comportamentos por meio do direito penal e de responsabilização criminal dentro da lei e do devido processo, agregando a estas ferramentas institucionais as políticas de prevenção ao delito.”
É interessante notar também que o colunista atribui a uma questão eleitoreira o fato de que a esquerda não compre o programa da direita. No entanto, em outro trecho do texto, o autor diz que a população brasileira pede por mais repressão, o que o contradiz completamente, pois, como é possível que a população peça por mais repressão, mas que vote justamente em quem diz que é contra a repressão? Como seria inteligente esconder que deseja mais repressão quando os eleitores pedem por isso?
A verdade é que os brasileiros não querem mais repressão, assim como não se trata de uma questão mesquinha como as eleições o empecilho para um programa repressivo por parte da esquerda. Fosse isso mentira, Boulos, com um programa que praticamente só falava de polícia, venceria, ou, então, teria escondido essas ideias para se passar por alguém de esquerda.
A repressão policial, por fim, não serve para diminuir a criminalidade. Esse é o pretexto, não a causa. A polícia e as demais ferramentas da repressão servem para impedir o desenvolvimento da luta dos trabalhadores. Por isso, além de pedir por mais polícia, o colunista pede para que a esquerda não dê ouvidos aos sindicatos.