As articulações entre o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal) pela aprovação de uma lei que reduza as penas dos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro — sem aliviar para os líderes da trama — se tratam de “uma quase anistia” na visão do jurista Lênio Streck.

“Sobre o acordão: isso é negociar com o inegociável. Drible da vaca. Estão fazendo não apenas uma lei com efeito concreto, mas desfazendo coisa julgada. Ainda que a lei penal mais favorável possa retroagir, essa lei vem para beneficiar certos condenados. É, portanto, uma quase anistia”, manifestou Streck em sua conta no X.

A proposta em discussão

Patrocinada pelo presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a proposta prevê a criação de uma tipificação penal para os crimes cometidos por aqueles que estiveram presentes durante a depredação das sedes dos Três Poderes, mas não participaram do planejamento ou financiamento dos atos.

A lógica da proposta é tratar os atos de vandalismo como crime coletivo, diluindo a responsabilidade individual, e Alcolumbre diz que o objetivo é “despolitizar” o debate e corrigir supostos excessos.

Porém, a manobra abriria caminho para a redução automática das penas de parte dos condenados, principalmente daqueles que cumprem de dois a seis anos de prisão.

Ao rebaixar a gravidade dos atos golpistas, o projeto de Alcolumbre abre um precedente perigoso: o de que é possível negociar, retroativamente, as consequências de um ataque à democracia. A anistia explícita foi evitada, mas o “acordão” em curso pode produzir exatamente o mesmo efeito.

Costura em andamento

A costura da proposta tem o apoio de alguns setores do governo federal, que enxergam na medida uma forma de encerrar o ciclo judicial e diminuir tensões com o Congresso. O texto já deve ser discutido nos próximos dias.

O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), defendeu a proposta como alternativa à anistia ampla, com o argumento de que seria possível isolar o núcleo duro do bolsonarismo e evitar o perdão a líderes e financiadores dos atos golpistas.

Contudo, Lênio Streck afirma que essa tentativa de acomodação pode sair cara: “O governo deve achar que alimentar o crocodilo fará com que seja comido por último. Binguíssimo”, ironizou, referindo-se à advertência atribuída a Winston Churchill sobre concessões a regimes autoritários: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser comido.”

Em outras palavras, o governo busca apaziguar seus adversários com concessões mas, ao fim, será inevitavelmente atacado por eles — apenas mais tarde.

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Last Update: 29/04/2025