Oferta para Collor: 40 horas semanais e salário mínimo, por Fernando Castilho
A notícia do UOL parece saída diretamente do Sensacionalista, mas, acredite, é séria.
“O ex-presidente Fernando Collor de Mello recebeu, instantes após chegar ao presídio Baldomero Cavalcanti, uma oferta de emprego feita por uma fábrica instalada no núcleo industrial do complexo penitenciário de Maceió. A Pré-Moldados Empresarial Alagoas ofereceu a Collor, de 75 anos, o cargo de gerente-geral, com um salário de R$ 1.518.
‘Todos os reeducandos recebem um salário mínimo. O interessante para ele seria a redução de pena e dar utilidade à vida dele, ao invés de ficar trancado sem fazer nada numa cela’, explicou o proprietário da empresa, Roberto Boness.
Segundo a Lei de Execuções Penais, a pena é reduzida em um dia a cada três trabalhados. Collor foi condenado a 8 anos e 10 meses de prisão, inicialmente em regime fechado. Procurado, o advogado de Collor, Marcelo Bessa, disse que desconhece a proposta. Se aceitar, o ex-presidente terá jornada de trabalho de 40 horas semanais, das 8h às 17h, de segunda a sexta-feira, com uma hora de almoço.”
Agora, vamos combinar: Collor, que trabalhou por um curto período em funções administrativas antes de, por influência da família, virar diretor do jornal Gazeta de Alagoas, nunca precisou encarar uma rotina de 40 horas semanais, muito menos recebendo salário mínimo. Como bom playboy, fazia seu horário e seu salário.
Mais tarde, com o empurrãozinho da família, elegeu-se prefeito de Maceió. Dali, foi um pulo para deputado federal e governador do estado. Durante seu governo em Alagoas, ganhou fama nacional ao se autoproclamar “Caçador de Marajás”, combatendo privilégios de funcionários públicos com altos salários. Mas, como quem joga a água do banho fora e acaba jogando o bebê junto, Collor, em sua ânsia de consolidar a imagem de grande gestor, demitiu muita gente, especialmente opositores da família Collor.
Foi essa fama, aliada ao apoio da mídia da época — com destaque para a Veja e a Rede Globo —, que o alçou à presidência da República. No segundo turno contra Lula, não faltou uma mãozinha da Globo para proclamá-lo vencedor do último debate.
Seu governo foi marcado pelo Plano Collor, que incluiu o confisco de poupanças para conter a hiperinflação. Curiosamente, durante a campanha, Collor afirmava que Lula, caso eleito, confiscaria as poupanças dos brasileiros. Ironia pouca é bobagem.
O governo também foi abalado por denúncias de corrupção, incluindo acusações feitas por seu próprio irmão, Pedro Collor, envolvendo o tesoureiro Paulo César Farias. Em 1992, essas denúncias culminaram em um processo de impeachment. Collor renunciou antes da conclusão, mas teve seus direitos políticos suspensos por oito anos.
E, como se nada tivesse acontecido, Collor voltou. Com a cara de pau que lhe é peculiar, concorreu ao Senado por Alagoas e foi eleito! Durante 16 anos como senador, seu nome voltou a ser associado a escândalos de corrupção, incluindo condenações na Operação Lava Jato. Em 2023, foi condenado a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sua prisão só foi decretada em abril de 2025, após o ministro Alexandre de Moraes dar um basta aos embargos de declaração que só protelavam o inevitável.
Moraes levou o caso ao plenário virtual, e Gilmar Mendes tentou manobrar pedindo destaque para levar o debate ao plenário presencial, o que reiniciaria o placar já favorável à prisão. Mas outros ministros se adiantaram, votaram pela prisão, e Gilmar, derrotado, retirou o destaque. Gostaria muito de saber o que Gilmar alegaria no plenário presencial, diante de tantas provas.
Agora, Collor, que nunca deu duro em sua vida nababesca, tem a chance de recomeçar do zero. Muita gente, na idade dele, faz trabalhos voluntários, despreocupados com um salário no final do mês. Isso é digno. Mas será que Collor tem noção do que significa dignidade? Duvido. A menos que me engane redondamente, ele não aceitará a proposta de trabalho, preferindo considerá-la uma afronta.
Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor. Autor de Depois que Descemos das Árvores, Um Humano Num Pálido Ponto Azul e Dilma, a Sangria Estancada.
O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn “