A TV Globo foi fundada em 26 de abril de 1965 – um ano após o início da ditadura militar no Brasil -, portanto completou 60 anos no último sábado. Durante todo o final de semana de aniversário e ainda nos dias seguintes os programas da emissora rendem homenagens a este marco. Mas com certeza em nenhuma dessas comemorações haverá algum mea culpa sobre polêmicas ao longo dessa trajetória.

Repassar alguns fatos faria muito bem para a emissora e os telespectadores, uma vez que o canal mais popular da TV aberta – ainda que não tenha o mesmo poder de antes – continua ditando tendências e influenciando no dia a dia dos brasileiros.

Não são poucos os momentos em que a Globo esteve em polêmicas, mesmo na área de teledramaturgia. No entanto, é no jornalismo que mora os maiores problemas.

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Apesar deles, alguns pontos isolados nesse percurso poderiam servir de exemplo. Em 2022, a TV Globo voltou ao caso da Escola Base por meio do documentário “Escola Base – Um repórter enfrenta o passado”.

A produção repassa um dos maiores erros da imprensa brasileira, acompanhando o jornalista Valmir Salaro — responsável pela cobertura original — em uma jornada de reencontros com os envolvidos no episódio, todos inocentes. No documentário, Salaro reconhece publicamente as falhas cometidas na apuração e pede desculpas às vítimas pelas consequências devastadoras da exposição injusta promovida à época.

Este ponto fora da curva não só demonstra uma lição que a produção jornalística pode exercitar mais vezes, celebrando assim a busca permanente (e utópica) pela imparcialidade jornalística frente aos fatos, e também a grandeza de um profissional em reconhecer o erro – o que dificilmente a Globo faz.

Ditadura Militar

O nascimento da TV Globo é umbilical com a ditadura. A criação da emissora contou com apoio técnico e financeiro do grupo norte-americano Time-Life, o que gerou controvérsias na época, uma vez que é vedada a participação estrangeira em empresas de comunicação no país. Embora posteriormente o contrato com o Time-Life tenha sido anulado, essa parceria inicial foi decisiva para a rápida expansão da emissora. Nesse ponto, a Globo cresceu alinhada aos interesses do governo militar, estabelecendo uma relação de apoio mútuo que favoreceu seu domínio sobre a mídia brasileira nas décadas seguintes.

Como é sabido, durante a ditadura a Rede Globo assumiu uma postura editorial favorável ao regime, o que se refletia na forma como cobria — ou deixava de cobrir — os acontecimentos políticos. A emissora evitava noticiar a repressão, a tortura, os desaparecimentos e os movimentos de resistência ao regime.

Sua cobertura dava ênfase a uma imagem de estabilidade, progresso econômico e ordem, alinhando-se ao discurso oficial dos militares. Essa narrativa tinha o viés de consolidar o apoio popular ao regime e de deslegitimar as vozes da oposição, especialmente durante períodos críticos como o AI-5 (1968), quando os direitos civis foram drasticamente suprimidos.

A colaboração da Globo foi particularmente evidente em momentos-chave, como nas eleições indiretas de presidentes e durante eventos comemorativos do regime, nos quais a emissora produzia conteúdos que exaltavam os feitos do governo. A censura interna da Globo também impediu a divulgação de protestos estudantis, greves operárias e denúncias de violação dos direitos humanos, reforçando um silêncio conveniente para os militares.

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Um dos maiores exemplos disso foi a morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975. A Globo não se aprofundou no caso e apresentou a versão do regime ditatorial de suicídio.  Esse tipo de omissão consolidou a emissora como um dos pilares de sustentação da ditadura no campo da comunicação, um legado ainda pouco revisitado por sua direção.

Mesmo no fim do período ditatorial, a emissora do Jardim Botânico (RJ) vendeu caro a transição. Em 1984, a cobertura do movimento “Diretas Já!” é considerado vergonhoso, com distorções que visavam diminuir a massiva presença da população.

Para não ocorrer em injustiça, em 2013, o jornal “O Globo”, que pertence ao grupo da emissora, publicou um editorial em que reconheceu e lamentou este passado. O texto intitulado Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, traz uma reflexão que indica uma consciência gerida pelas Organizações Globo ao longo de anos e diz que o apoio à ditadura “se constituiu um equívoco.”

Em certo trecho o editorial traz: “A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”.

Ao confessar o apoio do jornal, o que se estende a todo o grupo Globo, é revelada que era nutrida a crença de que o golpe poderia proteger a democracia contra uma ameaça sindical e comunista, mas que, com o passar dos anos, ficou claro que a ditadura violou liberdades fundamentais, reprimiu a oposição e cometeu graves abusos.

Mesmo com essa única golfada de sinceridade, o efeito didático para o grande público foi baixo. Um dos motivos são as ponderações feitas de que o jornal se posicionava contra a perseguição a jornalistas de esquerda, como exemplo. E por outro lado por não ter ocorrido algo similar na TV aberta, o que teria uma repercussão muito maior, do tamanho que o tema pede.

Eleições 1989

Outro momento controverso é a manipulação feita na primeira eleição direta para presidente em 1989. A Globo é apontada por estudiosos e críticos de mídia por ter beneficiado o candidato Fernando Collor de Mello na disputa contra Luiz Inácio Lula da Silva. Um dos fatos mais emblemáticos foi a edição exibida no Jornal Nacional, pró-Collor, do último debate eleitoral poucos dias antes da eleição.

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Mas além dessa edição, ao jornalismo da rede é atribuída a demonização da campanha de Lula enquanto era feita a construção e o reforço da imagem de “caçador de marajás” de Collor, além de omitir fatos que poderiam desabonar a candidatura, como acusações de corrupção enquanto governador de Alagoas junto com Paulo César Farias (PC Farias). Os esquemas de corrupção foram comprovados, pois Collor levou as práticas estaduais para o nível federal, culminando no seu impeachment.

Operação Lava Jato

Mais recentemente, a cobertura da Operação Lava Jato pelo jornalismo da TV Globo é amplamente criticada sob acusações de atuação combinada com a força-tarefa da operação, especialmente em Curitiba, por se ter estabelecido uma relação de proximidade com membros do Ministério Público.

Como lembramos, além da promiscua relação do judiciário em conluio com os procuradores, a imoralidade se estendeu para a comunicação dos fatos, com vazamentos seletivos de delações premiadas e de informações sigilosas que frequentemente eram divulgadas com exclusividade pela emissora, muitas vezes com a narrativa alinhada à acusação sem a devida checagem ou espaço proporcional para a defesa dos citados.

Ao longo dos anos, tornou-se público que havia um fluxo coordenado de informações não só entre juízes e procuradores, mas também com jornalistas, que ajudaram a reforçar a imagem de legalidade nas ações que colocaram o Brasil em um buraco entre 2016 e 2022.

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Posteriormente grande parte das decisões ilegais da justiça do Paraná no âmbito da Lava Jato, divulgadas com tamanha presteza pelo jornalismo global, foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Em parte dos casos foi observada a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, conluio entre magistrados e procuradores e a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, alçado pela grande mídia como novo paladino, aos moldes de Collor – que encerrará sua carreira política preso.

Por essas e outras que a TV Globo mais do que comemorar o marco dos seus 60 anos deveria fazer uma autocrítica profunda para não incorrer mais nos erros que tanto custam ao país.

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Last Update: 29/04/2025