Na terça-feira dia 29 de Abril de 2025 o Conselho Universitário (CUn) da UFSC deve discutir a implementação das recomendações indicadas no relatório final da Comissão de Memória e Verdade (CMV – UFSC). Dentre essas recomendações, o tema central é a possibilidade da mudança do nome do Campus Trindade (campus central da UFSC), retirando o nome do ex-reitor João David Ferreira Lima, sabidamente um colaborador da ditadura militar, que perseguiu estudantes, professores e servidores.
Mas o que está em jogo? E qual o papel do Movimento Estudantil da UFSC?
A história da Comissão de Memória e Verdade da UFSC
A Comissão da Memória e Verdade da UFSC foi instituída em 2014 como resposta à necessidade de resgatar e registrar a memória das violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar (1964-1988), seguindo iniciativas nacionais e estaduais, como a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Estadual da Verdade “Paulo Stuart Wright”. Teve como objetivo investigar atos de violência, arbitrariedade e cerceamento de liberdades sofridos pela comunidade universitária, registrar as práticas de resistência ao regime, analisar o impacto das perseguições, identificar a atuação de órgãos repressivos dentro da universidade e propor medidas de reparação e preservação da memória. Além disso, a CMV visou estimular a produção acadêmica sobre o tema e disponibilizar publicamente os resultados das investigações.
Em setembro de 2018 a CMV apresentou seu relatório final para o Conselho Universitário que, após grande debate, foi aprovado por unanimidade. Neste relatório, além de um extenso levantamento de documentação e entrevistas sobre os impactos do regime militar na universidade e das práticas de resistência, a Comissão apresentou 12 recomendações a serem implementadas como forma de reparação e preservação da memória. São elas:
1. Publicação do Relatório Final:
Organizar o relatório da Comissão em formato de livro a ser publicado pela Editora da UFSC.
2. Criação de um Acervo da Memória e dos Direitos Humanos:
Implantar um acervo físico e digital com todos os documentos e materiais recolhidos pela CMV, aberto à comunidade.
3. Produção de um Documentário:
Finalizar e divulgar um documentário sobre a história da UFSC durante a ditadura civil-militar, utilizando os depoimentos e materiais coletados.
4. Criação de um Memorial dos Direitos Humanos:
Construir um memorial em local de destaque na UFSC para lembrar as violações de direitos humanos e afirmar a importância de seu respeito.
5. Proibição de homenagens a violadores de Direitos Humanos:
Adotar uma resolução para impedir concessão de títulos ou homenagens universitárias a pessoas que violaram direitos humanos.
6. Revisão de homenagens anteriores:
Reavaliar homenagens já concedidas a indivíduos que tenham praticado perseguições durante a ditadura.
7. Sessão solene de desagravo:
Organizar uma sessão solene no Conselho Universitário para pedir desculpas oficiais às vítimas de perseguições na UFSC.
8. Reabertura de casos revelados pelo Relatório:
Reanalisar casos apresentados no relatório para reconhecimento oficial dos fatos e busca de justiça.
9. Recuperação das sedes da UCE e do DCE:
Restaurar e preservar as sedes do movimento estudantil (UCE e DCE) como locais históricos.
10. Espaço de atendimento psíquico permanente:
Criar um espaço institucional para apoio psicológico a vítimas de violência e violações de direitos humanos.
11. Abertura de acervos de órgãos de segurança:
Apoiar a busca e abertura de arquivos de órgãos de repressão ainda não acessados.
12. Encaminhamento do Relatório Final:
Enviar o relatório e o documentário às Comissões da Verdade estadual, nacional e ao Ministério Público Federal para registro e responsabilização.
Dentre as recomendações, parte das quais inclusive já está bastante encaminhada, destaca-se o ponto 6, que trata da reavaliação de homenagens àqueles que tenham colaborado com a Ditadura Militar na UFSC. Destacadamente, o relatório aponta a colaboração do primeiro reitor da UFSC e atual nome do campus central da universidade, João David Ferreira Lima, com o regime, atuando na perseguição de estudantes, professores e técnicos durante a ditadura militar. Em março de 2023, o CUn aprovou a criação de uma comissão para dar encaminhamento às recomendações estabelecidas no documento aprovado em 2018. É sobre essa implementação que tratará a seção do CUn desta terça-feira.
O papel de João David Ferreira Lima como colaborador da ditadura militar
No final de 2022, a Família Ferreira Lima, por meio de sua advogada, pediu a impugnação do relatório final da CMV, alegando que a aplicação das medidas propostas seria danosa e poderia manchar a história da universidade e do ex-reitor. A família questiona a legitimidade do processo conduzido pela Comissão Memória e Verdade e afirma que a memória de João David Ferreira Lima foi injustamente atacada.
Vale destacar que o trabalho realizado pela Comissão Memória e Verdade da UFSC foi pautado em ampla pesquisa documental e buscou cumprir o papel de reconstituir, com base em provas e relatos consistentes, os vínculos e responsabilidades de agentes universitários durante o período da ditadura civil-militar. A investigação, longe de promover perseguições, revelou a participação ativa do então reitor João David Ferreira Lima em práticas de colaboração com o regime, especialmente na repressão a estudantes, professores e servidores da universidade. A Comissão reuniu documentos que comprovam não apenas a atuação da Reitoria no estabelecimento de uma Comissão de Inquérito para apuração e delação de membros da comunidade universitária, como também o envio sistemático de informações e denúncias nominais aos órgãos de repressão, como o SNI e o DOPS.
As evidências apontadas, como os ofícios encaminhados diretamente pelo ex-reitor à Comissão de Inquérito e às autoridades militares, a delação de lideranças estudantis, constantes ataques e intervenções nas eleições das entidades estudantis, configuram um padrão de colaboração consciente e ativa com o aparato repressivo do Estado. As ações não se limitaram a cumprir determinações externas: envolveram iniciativas próprias da administração universitária para controlar, censurar e perseguir membros da comunidade acadêmica considerados “subversivos”.
Por Memória, Verdade e Justiça!
Ao longo de todo o processo conduzido pela Comissão Memória e Verdade na UFSC, o Movimento Estudantil esteve presente, reafirmando a importância desta luta. O trabalho da CMV, resultado de uma investigação séria e essencial, precisa ser reivindicado pelo Movimento Estudantil, que deve exigir que os responsáveis pela repressão e entrega de estudantes, técnicos e professores à tortura sejam responsabilizados.
É inaceitável que o campus central da UFSC — um espaço de estudo, resistência e produção científica — continue homenageando um colaborador do regime militar, que esteve diretamente envolvido na perseguição à comunidade universitária e ao movimento estudantil. A luta por Memória, Verdade e Justiça precisa ser central para o ME da UFSC no próximo período: é necessário transformar o próprio espaço universitário, para que suas homenagens reflitam a verdadeira história de resistência e luta de nossa universidade. Essa luta não diz respeito apenas ao passado: é também uma luta pelo presente e pelo futuro, para que nunca se esqueça e para que nunca mais aconteça.
Na terça-feira, dia 29, o Conselho Universitário (CUn) irá deliberar sobre esse processo.
Chamamos todes a acompanhar a sessão do CUn e a dizer em alto e bom som:
Pela mudança do nome do campus!
Por Memória, Verdade e Justiça!
Sem anistia aos crimes da ditadura!
Lihla Zaslavsky é estudante de história na UFSC e militante do Afronte! Santa Catarina