O jornal Poder360 publicou, na última sexta-feira, dia 25 de abril, o artigo “Cheiro de cadeia”, de autoria de Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, membro do grupo de juristas denominado “Prerrogativas”. A peça é uma tentativa de defender as prisões ilegais do 8 de Janeiro por uma viés supostamente “esquerdista”, apontando que poderiam proporcionar um momento favorável para a discussão sobre o sistema carcerário no Brasil, tendo em vista que a extrema direita, defensora mais declarada do sistema repressivo, estaria sofrendo as consequências do mesmo. Será uma tese razoável? Vejamos o que diz Kakay:

Depois de mais de 520 golpistas condenados, definitivamente, pelo Supremo Tribunal, ainda se escutavam, agora com vozes mais tímidas, as mesmas falácias sobre certa bravata em defesa dos líderes da organização criminosa armada, na definição do chefe do Ministério Público.” (grifos nossos).

Aqui temos já um apoio flagrante à perseguição política desatada contra os bolsonaristas do 8 de Janeiro e em geral, com a caracterização farsesca de “golpe” e “organização armada” (apesar de que ninguém estava armado e de que não houve golpe ou tentativa de golpe) sendo ressaltada, sob a cobertura de “definição do MP”. Kakay então cita alguns fatos sobre o processo contra os membros do governo de Jair Bolsonaro, incluindo o próprio, no processo inquisitorial de Alexandre de Moraes, afirmando ao fim:

“O processo caminha, com respeito ao devido processo legal, a passos largos para uma condenação de todos a penas próximas dos 30 anos.” (grifo nosso).

Vale ressaltar que essa afirmação é uma aberração. O julgamento de “respeito ao devido processo” foi dado pela mesma corte liderada por Alexandre de Moraes, protagonista da série de ilegalidades cometidas ao longo do processo, como – e aqui citamos apenas um dos mais aberrantes -, não conceder à defesa acesso ao material de investigação coletado e utilizado pela acusação. Foi concedido acesso apenas ao que a acusação achou relevante para a condenação, ou seja, ao recorte realizado por esta, do total de materiais. Assim, informações que possam contradizer a acusação, mas que existem e foram vistas pela acusação, não estão disponíveis à defesa dos acusados. Continuemos:

“Depois do trânsito em julgado, a cadeia será o caminho natural. E o país não vai parar, ao contrário, a estabilidade democrática estará fortalecida.”

Após o que acabamos de expor, é justo considerar que Kakay vive em outra realidade. Vemos um tribunal de exceção na mais alta corte do País perseguir adversários políticos passando por cima de todas as garantias legais dos réus. Mais, esses adversários políticos, na figura de Jair Bolsonaro, contam com apoio popular, diferente do tribunal, apoiado apenas por setores profundamente oportunistas, como se demonstra Kakay. A perseguição a Bolsonaro levará, é natural, a um enfrentamento político, e os processos no STF já levam o regime político brasileiro a um fechamento, a uma ditadura. O jurista ainda, por mais contraditório que pareça, cita o caso da prisão de Lula, enquanto sonha com seus adversários políticos em presídios comuns:

“Lula ficou [sic] preso, sem condenação transitada em julgado, por 580 dias numa sala da Polícia Federal. Foi absolvido e teve suas condenações anuladas e conseguiu a liberdade. Tivesse sido condenado, ao final, a lei seria cumprida e ele teria ido para a Papuda.”

A ilegalidade que fez Lula ser preso por 580 dias, para Kakay, serve de mera citação, mas não se relaciona ao caso atual, um erro político que custará caro à esquerda. Aquela prisão política dá base à atual, que fornecerá as bases para outras. Como antes de Lula, os dirigentes petistas no Mensalão, agora após Lula, Bolsonaro, e depois de Bolsonaro, podemos apenas imaginar. Continuando, Kakay fala sobre os presos provisórios no mais recente processo:

“Na verdade, os que estão presos provisoriamente não conhecem aquilo que o detento comum no Brasil tem que conviver: o cheiro da cadeia! As verdadeiras masmorras medievais fazem com que o prisioneiro tenha que conviver com condições sub-humanas. Sem dignidade. Sem um espaço minimamente digno. Sem uma alimentação que possa ser chamada de razoável. Um lixo. Uma afronta aos direitos dos apenados. Quem perde a liberdade não perde os demais direitos inerentes à pessoa humana.

“Talvez o cárcere desses integrantes da extrema-direita sirva para uma discussão sobre a situação dramática dos presídios brasileiros. Quando os golpistas foram presos, começamos a receber telefonemas de bolsonaristas horrorizados com as condições desumanas nas cadeias.

“Reclamavam da comida, das celas superlotadas, da sujeira dos presídios, da dificuldade para receber visitas e do constrangimento das revistas íntimas. Ou seja, de repente a extrema-direita se humanizou! Resolveu desistir do discurso de que “bandido bom é bandido morto” e que nós, humanistas, somos “defensores dos direitos humanos dos bandidos”.

Kakay vislumbra, a partir do aumento da repressão, do número de setores perseguidos e encarcerados, um possível combate à repressão. Ora, é como esperar que o aumento da pobreza facilite a discussão sobre a pobreza, que o aumento da fome facilite a discussão sobre a fome. Na prática, é um festejo sobre a desgraça, e sobre a piora das condições de luta dos trabalhadores. Por óbvio, se os desafetos do regime político estão sendo presos, não se torna mais fácil de questioná-lo, mas mais difícil. Kakay observa a realidade como algo abstrato, e da mesma forma a luta política.

Ele não entende que o incremento da perseguição é um incremento da perseguição àqueles que questionem o regime e seus tentáculos e consequências. Assim como a denúncia do regime nazista de “Israel”, ou das arbitrariedades do STF, hoje está quase criminalizada, que dirá amanhã a denúncia das prisões, uma “instituição democrática”.

Mais, os bolsonaristas não entendem a questão do sistema repressivo, não creem que deveriam estar nele. Ainda, apesar de utilizados como ponta de lança para políticas repressivas, não são eles os empunhadores desta lança, mas objeto de outro setor, o imperialismo. Como se vê, aqueles que hoje encarceram todo um setor, e retiram das eleições vindouras a segunda ou quiçá primeira personalidade política do País, não são os bolsonaristas, mas a direita “democrática”, mais diretamente aquela alinhada ao imperialismo. 

Portanto, para combater mesmo o medieval sistema carcerário, isso não será possível com a exaltação de um aprofundamento do número de pessoas esmagados por ele. Ao passo em que defende o processo “democrático” que leva ao encarceramento, Kakay consegue num mesmo texto denunciar o sistema carcerário. Ora, o apoio ao processo “democrático” é o apoio ao sistema carcerário, não são dois opostos, são duas partes de uma mesma política.

Mais precisamente, é possível dizer que Kakay, para disfarçar seu apoio à política repressiva do imperialismo, se utiliza de uma demagogia questionadora dos presídios, onde comemora que estejam seus desafetos políticos. Ele não quer o fim do sistema repressivo, quer o seu aprofundamento, como fica evidente. Finalizando, afirma Kakay:

“Durante anos, dediquei-me a discutir o podre sistema carcerário no Brasil. Nunca consegui ser ouvido pela direita desumana e banal. Agora, nós podemos avançar. Em nome dos direitos humanos de todos. Sei que eles estão ainda em um estado de medo e perplexidade. Mas logo sentirão aquilo que vai impregná-los para todo o sempre, nas roupas, nas entranhas, no imaginário e nas noites de insônia: o cheiro da cadeia.”

Como grande defensor de direitos humanos, Kakay afirma: “agora que estamos numa ditadura, podemos avançar na discussão do sistema carcerário”. É a política de alguém incapaz de perceber o solo ceder sob seus próprios pés.

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Last Update: 27/04/2025