A façanha do jovem mesa-tenista Hugo Calderano, sagrado campeão mundial no último fim de semana, reforça a autoestima dos brasileiros em um momento particularmente simbólico para um país que enfrenta, a duras penas, o desafio de se reconstruir sob os marcos da democracia.

Esse processo tem se mostrado árduo, especialmente diante de um cenário político complexo, permeado por tendências conservadoras, reacionárias e, não raro, golpistas.

Calderano, numa partida surpreendente, venceu o chinês Lin Shidong, na Copa do Mundo de Tênis de Mesa, e tornou-se o primeiro jogador das Américas a vencer esse campeonato.

Aos 28 anos, o atleta, que nasceu no Rio de Janeiro e é conhecido por ter outras mil habilidades – como montar cubos mágicos e falar sete idiomas –, chama atenção pelo sorriso e pela concentração.

Seu feito soma-se a outras conquistas recentes que aquecem o coração do povo: o reconhecimento internacional obtido pelo filme Ainda Estou Aqui; as conquistas na ginástica olímpica; e os feitos de Vinícius Jr. no futebol.

Esses triunfos remetem à era desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, marcada por sucessos mundiais no futebol, no basquete e no boxe. O Brasil, naquele momento, parecia invencível em vários campos, inclusive no simbólico.

Mas nenhum acontecimento recente foi tão marcante quanto a despedida de uma das figuras mais humanas do nosso tempo: o papa Francisco. Sua morte tocou também o universo esportivo.

Em sua breve, porém intensa, passagem como sumo pontífice, Francisco exerceu sua liderança com notável senso de humanidade. Ele escolheu a simplicidade como linguagem e recorreu, com frequência, às metáforas esportivas para dialogar com o povo.

Era um torcedor declarado do San ­Lorenzo de Almagro, tradicional clube argentino que acompanhava desde a infância.

O papa Francisco encarnava o espírito da liberdade. Falava sobre qualquer tema como cidadão comum, sem temer interpretações tortuosas ou as consequências políticas de suas palavras.

Recebeu grandes nomes do futebol – Maradona, Messi e Pelé – e não hesitou em afirmar que, entre os três, considerava o brasileiro o maior de todos. Ao fazer tal afirmação, praticou, na verdade, um gesto simbólico que reforçava sua coerência e seu compromisso com a verdade e a igualdade.

Seu humanismo bastaria para transformar a própria natureza do poder papal, mas Francisco foi além.

Como arcebispo, inaugurou uma capela no estádio do San Lorenzo e permitiu que seu nome fosse dado a uma das alas do clube. Era um torcedor de alma, que, como tantos outros, fazia promessas para alcançar graças – inclusive, a de não assistir a certos jogos pela tevê.

Sua relação com o esporte era mais que simbólica. Em 2014, promoveu um jogo entre estrelas mundiais do futebol em defesa da união entre os povos.

Ao longo de seu pontificado, envolveu-se pessoalmente em negociações de paz e na mediação de conflitos internacionais. Ainda em convalescença, recebeu o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, reiterando que, perante a violência, o diálogo e o entendimento são sempre o melhor caminho.

Francisco também foi incansável na defesa das causas sociais. Enfrentou a opacidade dos negócios do Vaticano, defendeu os direitos das mulheres, da população LGBTQIA+ e insistiu na ­necessidade­ de transparência – tudo com a mesma naturalidade com que falava de futebol.

Seu legado é uma marca viva de esperança e uma prova de que é possível ocupar cargos de poder com visão jesuítica, humanista e igualitária. •

Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O esporte e a vida’

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Last Update: 24/04/2025