Desafios a enfrentar face ao provável aumento recente das exportações do agronegócio e do investimento entre o Brasil e a China

por Mario Cordeiro de Carvalho Junior

A imposição permanente ou temporária de tarifas na China de produtos exportados pelos EUA – notadamente do agronegócio – abrem oportunidades de que essa demanda seja direcionada para o Brasil, caso tenhamos capacidade de ofertar bens com as condições fito sanitárias exigidas tanto pelos compradores chineses quanto pelo governo daquele país.

Demais, apesar do convite e do anseio do Governo Chinês de que o Brasil aderisse com maior vigor e interesse no esforço de conectividade da iniciativa da Nova Rota da Seda há diversos memorandos de entendimento firmados entre os dois governos no sentido de se estabelecer projetos comuns no sentido de reduzir os trade costs logísticos, e de comunicação com incentivo de moderna tecnologia de informação. Isso significa oportunidades de aumento do investimento externo chinês na economia brasileira, principalmente na área de infraestrutura, e de investimento chinês no Brasil para obter um maior controle e parceria para operar perto do canal de produção e distribuição daqui do país. E, como consequência, aumento das exportações entre os dois países.

 Apesar das décadas de intercambio comercial entre as duas nações, cujos resultados se refletem nos vultosos dados de exportação, essa nova fase de mudança de patamar das vendas externas e investimento entre as duas nações requer um aprofundamento e um mútuo entendimento das práticas, e das formas de negociações que mostrem uma cultura sino brasileira de “doing business” e, sobretudo, abra espaços para a formação de joint ventures empresarias. Por sua vez, estas têm de prestar serviços empresariais que reduzam os riscos e as incertezas nos atos de compra e venda de bens e serviços entre o Brasil e a China, minimizando ruídos diplomáticos ou legais ou linguísticos passíveis de ocorrer fruto do atual momento de tensões internacionais em que se estará processando nos próximos anos a expansão e a maior interdependência da exportação e investimento entres as duas nações.

De fato, os desafios causados pelo aumento da demanda por exportações do Brasil residem nas seguintes áreas, a saber. Primeiro, no complexo de soja e no de grãos em geral, se começa a observar a presença gradual de empresas chinesas comerciais nos estados do centro oeste brasileiro. Estas estão interessadas em estabelecer relações de compra e venda direta de mercadorias ou insumos diretos com os fazendeiros ou produtores rurais, e contratarem ou se responsabilizarem pelo transporte da fazenda até o Porto na costa brasileira. Demais, elas estão também interessadas em negociar diretamente o frete internacional direto com o armador estrangeiro, afinal o preço do transporte internacional dessa commodity entre o Brasil e a China se elevou bastante no último decênio. Isso ocorreu devido ao aumento do volume de carga, do preço de combustível, de haver poucos navios de granéis sólidos disponíveis na costa brasileira no momento do escoamento da safra, e mais recentemente por causa da gradual escalada da guerra comercial.

A decisão dessas empresas controladas pelo capital estrangeiro de se instalarem, no Brasil, ocorre num momento que, muitas empresas nacionais do agronegócio localizadas na região centro oeste estão em processo de recuperação judicial. Este problema foi fruto de alavancagem financeira excessiva, de terem sido expostas às flutuações e às chamadas de margem por operarem com contratos de opção ou à futuro nas bolsas de mercadorias, por não saberem fazer hedge em moeda nacional contra a variação de dólar e renimbi, e, sobretudo devido à redução da lucratividade da cultura de soja associada ao tradicional milho na porteira da fábrica para dentro. Aliás, já há indícios hoje em dia de que se está buscando consorciar o plantio da leguminosa do amendoim em áreas antes só dedicadas à soja para recompor a lucratividade em várias fazendas.

Apesar dessa fragilidade financeira, a oportunidade identificada por essas empresas de origem de capital chinês visa aproveitar a arbitragem de preços entre o Brasil e a China nesse segmento. De fato, elas vão tentar reduzir determinados custos de transação, deslocando preferencialmente as tradicionais – trading companies nacionais – que operam na região produtora de soja em grão. No entanto, importa ressaltar que elas não são empresas grandes no sentido chinês e não estão muito bem estruturadas e vinculadas com bancos chineses oficiais ou privados de modo a viabilizar um novo tipo de “agricultural supply chain finance” dedicado para o comércio Brasil e China. Mais ainda, nos anos noventa do século passado, na Bahia, empresa chinesa tentou montar uma agroindústria de processamento de soja na região de Barreiras e o empreendimento não foi para frente devido a problemas gerenciais e de concepção de projeto. Hoje em dia, isso pode ser em parte evitado se houver incentivo de ambos os governos de que sejam formadas joint ventures entre firmas brasileiras e chinesas para atuarem principalmente face ao provável aumento de oferta no complexo de soja e no de grãos em geral, decorrência da Guerra Tarifária em curso, mesmo que esse choque seja transitório.

Incentivar a formação de joint ventures brasileiras e chinesas para atuar no agronegócio de exportação deveria ser uma intenção estratégica do Governo Brasileiro visto que se poderia incentivar que essas empresas pudessem desenvolver projetos para atuar nas áreas de reflorestamento com sustentabilidade em áreas degradadas por pastagens que poderiam estar consorciadas a ações de agricultura regenerativa com o cultivo e colheita e comercialização de soja e de grãos em geral. Aliás, contar com o apoio e o investimento chinês para reflorestar área degradada, medir a captura de CO2 com vistas a criar um mercado de carbono para abater no volume de emissões chinesas é um momento ímpar para os atores do Complexo de Soja planejar um salto expressivo da corrente bilateral de exportação de bens e serviços e de investimentos chineses no Brasil.

O setor pode ser o veículo e um incentivo para uma frutífera cooperação bilateral para viabilizar a redução das emissões de carbono e a recuperação de áreas agrícolas degradadas com reflorestamento para melhorar a sustentabilidade, a segurança alimentar e a segurança energética global. Essas diretrizes em função da realização do GOSBAN no ano passado deveriam ser seguidas por ambas as partes – lado brasileiro e lado chinês – por no mínimo o próximo decênio, ou, na visão chinesa, até 2048, época que se estará celebrando o centenário da criação da República Popular da China. 

Vale ressaltar que os investimentos externos chineses poderão ser feitos nas unidades dos produtores rurais ou dos fazendeiros brasileiros de forma direta entre as partes para a recuperação de áreas agrícolas degradadas tanto para reflorestamento quanto para aumentar a oferta de soja ou de outros bens. E, mais ainda, dada à tradição e ao interesse chinês – estes investimentos podem vir a ser quitados por meio das sacas da produção de soja ou de outros bens obtida nas fazendas nacionais. Em outras palavras, nessa transação comercial – de interesse mútuo chinês/brasileiro – assistiremos a instituição de uma variante internacional da “breganha” ou do “barter trader” comum, no Brasil, entre agora os investidores chineses e os produtores rurais e agricultores familiares.  

Aliás, segundo o novo marco cambial há possibilidade que essa negociação seja lastreada mediante um contrato de mutuo entre as partes situadas no Brasil e na China. Logo, do ponto de vista da entrada do capital chinês há legalidade da operação cambial e da sua saída ou baixa da obrigação privada brasileira. Em outras palavras se incorrerá numa divida externa contraída pelo produtor rural para recuperar áreas degradadas e aumentar a oferta de soja ou de outros bens, e, esta será em tese resolvida do ponto de vista cambial ao se enviar mercadoria para a China num determinado valor em renimbi, cumprindo às determinações do BACEN. 

Para fechar a operação de exportação dessa troca do tipo “barter” ou “offset” entre atores privados chineses e brasileiros só faltará esta ser normatizada no âmbito da SECEX-MDIC, da COANA-SRF-MF e do BACEN. Estas instituições terão de normatizar quem vai adjudicar a operação, e como e onde vai ocorrer a autorização para saída de mercadoria no processo de despacho aduaneiro de exportação sem cobertura cambial, e, simultânea baixa do registro de operações financeiras (ROF) aonde a divida entre as partes chinesa e brasileira estará registrada. Esse local deveria ser um armazém geral, no Brasil a ser usado pelas joint ventures ou SPE chino-brasileira a ser criada que ao receber a mercadoria a exportadora – fruto de mercadoria sem cobertura cambial – que emitisse (antes ou no momento de entrega da mercadoria ao importador chinês) um warrant contra o banco chinês localizado no Brasil. Assim, por sua vez se daria baixa do contrato de mutuo entre a SPE sino brasileira e o produtor/exportador brasileiro. Obviamente, a cada safra previamente seriam estabelecidos volumes, peso e valores da soja em grão ou dos outros bens passível de ser embarcada sem cobertura cambial para efeito de pagamento pela recuperação da pastagem, e do reflorestamento ou por melhoria de padrão de sustentabilidade voltada para o mercado chinês. Importa que do ponto de vista macroeconômico e microeconômico há arcabouço e atribuição legal para lidar com a mudança de nível da transformação da corrente de comércio e de investimento entre o Brasil e a China no que tange ao complexo de soja com efeitos positivos para a expansão de área reflorestada. Falta apenas decisão por parte dos fazedores de política econômica brasileiros.

Vale ressaltar que se essa medida vier a ser adotada haverá um aumento da área plantada de soja e consequente aumento da oferta de soja em grãos para a exportação que poderá atender a demanda extra chinesa por esse bem decorrente da Guerra Tarifária, em curso, e, sobretudo atender também ao motivo de maior precaução devido à necessidade de segurança alimentar do povo chinês. E, a partir daí surge o segundo desafio a ser enfrentado que é a expansão da oferta de celulose e papel derivado, de um lado, pela expansão da oferta de florestas plantadas no Centro Oeste que servem de insumo para as novas unidades de processamento de celulose voltado para voltada para a exportação, notadamente para o Sudeste Asiático. E até a hora de serem cortadas para serem processadas, essas “florestas plantadas” podem vir a se beneficiar via obtenção de créditos de carbonos principalmente da China, que permitem a redução simultânea tanto dos custos quanto dos parâmetros de OPEX e CAPEX dos projetos de exportação. Isso mostra lucratividade da operação que associada ao investimento gradual em trazer a produção exportável por ferrovia até á costa brasileira, e gradualmente fazer o transporte internacional dessa carga por meio de navio próprio para transportar para a China mostra o acerto de um processo de internacionalização empresarial do setor que vende para a China e forma seus preços de exportação sob a modalidade DDP ou DDU.

O terceiro desafio para enfrentar para aumentar as exportações para a China é diversificar e elevar as exportações tanto de proteínas animais – carne bovina, frango porco e peixe – quanto frutas, mel, sucos e outras preparações alimentícias. Um ponto comum para todos os produtores e potenciais exportadores nacionais é fazer os processos de adequação das suas unidades de produção às normas e às exigências fitossanitárias para obter os registros para entrar e começar a comercializar na China. Isso implica um investimento de recursos financeiros iniciais em termos de certificação e preparação da unidade fabril para obter registro fitossanitário e uma mentalidade exportadora por parte da gerência da empresa nacional. De forma quase simultânea a empresa deve também investir na participação em feiras e exposições e até se inserir em plataformas de ecommerce para começar a compreender a demanda do mercado, e saber que dependendo da escolha de um canal de distribuição seus volumes de vendas serão particionados e haverá necessidade de haver investimento de recursos financeiros para ter trader especializado em China. Tudo isso é custo, mas se a estratégia de entrada for a correta, o tamanho do mercado faz com que o investimento inicial para estabelecer o melhor modo de entrada é recuperado, e, se pode até trilhar para uma expansão continua de exportação de vendas.

Sob uma perspectiva de elevação do volume de vendas e de cargas a serem transportadas para a China – por todos os setores descritos anteriormente – complexo soja, grãos em geral, celulose, proteína animal, e demais produtos ou preparações do agronegócio é preciso perceber que essa carga será majoritariamente transportada por contêineres de 20 ou 40 pés não refrigerados ou refrigerados a depender do produto e das suas condições de serem cargas perecíveis ou não. Importa ressaltar que tudo é carga geral, e um fato a destacar é que apesar de haver matéria prima abundante no Brasil não há ainda uma empresa capaz de produzir container e oferecer esses bens para os exportadores, armadores e transportadores. De fato, um país continental como o Brasil que queira ter uma projeção relevante no comércio internacional não pode ficar numa eterna situação de escassez de oferta de contêiner para ovar mercadoria de exportação. Afinal, reservar espaço de carga do agronegócio, principalmente se for carga refrigerada ou congelada, arrumar container, preparar as embalagens para exportação com todos os documentos e testes é quase um pesadelo diário durante a safra e o escoamento. Para uma nação aonde a diversidade dos produtos do agronegócio que são intensivos em recursos renováveis e tem sobremaneira participação elevada no mercado internacional requer que se tenha e obriga a necessidade de que no bojo da política da NIB Nova Indústria Brasil – se incentive e atraia uma empresa chinesa para fazer uma joint venture com algumas empresas metalúrgica nacional.  

Finalmente, o último e mais importante desafio a identificar que com o provável aumento do volume de carga a ser transportada por contêiner se elevando nos próximos anos para a China, e, oriundo do Agronegócio brasileiro é licito supor que os dispêndios com o pagamento de fretes internacionais desse setor haverão de pressionar a conta de serviços do balanço de pagamentos brasileiros. E, com as exportações aumentando é muito provável que os acúmulos de ICMS ou do imposto que vier a substituir nas exportações observadas nas empresas exportadoras se elevarão no futuro. E, as unidades da federação mais orientadas para a produção e a exportação do agronegócio haverão de querer taxar o produto na sua saída do território nacional. Se isso ocorrer em tese à lucratividade da operação de exportação será afetada de forma permanente. Para evitar isso é preciso incentivar que os exportadores do agronegócio internacionalizem suas atividades – formando o seu preço de exportação em DDP ou DDU – à semelhança do que está ocorrendo com o setor de papel e celulose, que inclusive está transportando sua carga em navio próprio ou afretado (como o caso de minérios e petróleo). Como há muita carga para a China, tanto o Governo Federal quanto o Estadual têm dividas com os exportadores diretos e indiretos do agronegócio – seja acumulo de ICMS, funrural incidido na exportação, etc – é possível propor a criação de uma SPE sino brasileira de transporte marítimo internacional – talvez capitaneado pela Cosco, de um lado, e, por outro lado pelo conjunto de empresas exportadoras brasileiras para a China que a União e os Estados têm dívida devido ao acumulo de ICMS, funrural incidido na exportação, etc.

Apesar de essa dívida ser um passivo contingencial que este escondido e não aparece ainda nos riscos fiscais das leis orçamentárias estaduais e da união essa seria a hora para montar um fundo em que se reconheceriam esses débitos estaduais e federais para essas empresas e se começaria a sua capitalização com emissão de títulos para montar uma empresa de navegação para o transporte marítimo internacional entre o Brasil e a China. Simultaneamente se enviaria proposta para o Congresso Nacional para retirar do CTN (código tributário nacional) excluir a figura do acumulo de tributo indireto da legislação nacional por essa ferir as normas do GATT/OMC e face ao aumento cada vez maior da orientação externa da economia brasileira se asseguraria os princípios federativos, e, com a adoção da reforma tributária – ao menos na exportação nos tornaríamos uma União Aduaneira, e um global trader competitivo no Agronegócio fazendo vendas DOOR TO DOOR.

Mario Cordeiro de Carvalho Junior – Professor da FAF- UERJ    

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Last Update: 24/04/2025