Here is the rewritten HTML:

Olympio, uma vida de lutas contra o racismo e todo tipo de injustiças

por Rogério Marques

(No site da ABI)

Era junho ou julho de 1968. Ainda bem jovem, com 17 anos, eu fazia um estágio na revisão do Correio da Manhã, na Avenida Gomes Freire, 471, na Lapa, região central do Rio. Um dia, entrou na sala um homem negro, dos seus 50 anos, para conversar em particular com o chefe do setor, José Fernandes. Naquela época, negros e mulheres eram raros nas revisões e redações. Um colega da mesa ao lado comentou comigo, falando baixo: “É o Olympio, já foi preso.” Olympio Marques dos Santos estava em busca de emprego.

Dois anos depois, em 1970, voltei à revisão do Correio da Manhã, agora contratado, e lá estava o Olympio trabalhando. Apesar da diferença de idades, ficamos amigos. Nos intervalos de 20 minutos para um lanche, na metade do expediente, íamos comer um sanduíche num bar perto do jornal, ou apenas tomar um café. Eu gostava de conversar com ele. Um dia me convidou para o seu aniversário na casa em que morava com a família, em um conjunto do IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários) no bairro de Realengo, Zona Oeste do Rio. Ainda lembro da mesa no quintal com um bolo. Depois que todos cantaram o “parabéns”, Olympio fez um breve discurso de agradecimento, com teor político, sob o olhar apreensivo de sua mulher, Helena Gomes dos Santos, também já falecida.

O Brasil vivia, então, a fase de maior repressão da ditadura militar, comandada pelo general Emílio Garrastazu Médici. Aos poucos, no dia a dia do trabalho, além de me passar conhecimentos do nosso idioma, Olympio foi contando algumas passagens de sua vida. Era militante comunista, ligado ao Partido Comunista Brasileiro, e já tinha sido preso algumas vezes. O combate ao racismo também sempre fez parte de sua vida, embora naqueles tempos de ditadura o Movimento Negro não estivesse organizado como hoje. Mais tarde, Olympio se tornaria figura de destaque nas fileiras desse Movimento, como diretor do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN).

PRISÕES E TORTURA

Nascido em Salvador, Bahia, em primeiro de novembro de 1918, em uma família de poucas posses, Olympio mudou-se para o Rio bem jovem, depois da morte do pai, para tentar a vida no então Distrito Federal. Lembro que ele me falou de uma de suas prisões, quando trabalhava como funcionário civil, revisor, no Ministério da Aeronáutica, e de um cerco policial à sua casa em Realengo. Para saber mais, entrei em contato com pessoas de sua família, que por telefone e troca de mensagens de texto fizeram um relato detalhado dos momentos difíceis vividos por Olympio, sua mulher, Helena, e os sete filhos do casal.

O mais velho, Luiz Carlos Marques dos Santos, atualmente com 80 anos, que mora em São Mateus, Espírito Santo, relembra um episódio traumático para ele e sua mãe: a prisão e as torturas sofridas por Olympio “por volta de 1950”.

Na época o Brasil vivia um período democrático. Mesmo assim, depois de um curto período de legalidade, o Partido Comunista foi proscrito em 1947, no governo do presidente Eurico Gaspar Dutra. Com os militantes atuando na clandestinidade, as perseguições recrudesceram. Olympio morava com a família num quarto alugado de uma casa de cômodos no Centro do Rio, como recorda seu filho Luiz Carlos: “Eu tinha uns seis ou sete anos. Um dia, ficamos sabendo que meu pai havia sido preso e levado para o Dops. Na mesma hora, minha mãe pegou um táxi e rumamos para a dependência policial. O carro ficou esperando do lado de fora. Quando entramos, minha mãe aprumou o corpo e falou em um tom alto e firme: “Eu vim buscar meu marido, Olympio Marques dos Santos. Um jornalista amigo dele viu quando ele foi preso e seguiu a viatura que o trouxe até aqui.”

Luiz Carlos conta que durante muito tempo o policial, indiferente, tentou convencer Dona Helena que Olympio não estava preso lá. Houve um diálogo duro, e diante da convicção e da insistência de Dona Helena, o policial foi ao setor em que ficavam as celas e voltou com o jornalista “estraçalhado”, nas palavras de Luiz Carlos: “Os olhos pareciam duas bolhas de sangue, os lábios sangrando. Ficamos em estado de choque, mamãe, eu e o motorista, que ajudou a botar o papai no táxi e a levá-lo para o pequeno quarto em que morávamos. O homem se recusou a receber o dinheiro pela corrida. Naquele dia minha mãe, Helena, salvou a vida do nosso pai.”

CERCO POLICIAL EM CASA

A família ainda enfrentaria momentos difíceis, como relata um outro filho de Olympio, Antônio Carlos Marques dos Santos, de 72 anos, que mora na Tijuca, Zona Norte do Rio. Ele diz que uma das prisões do pai aconteceu em primeiro de abril de 1964, na Cinelândia, durante manifestações de protesto contra o golpe militar: “Meu pai foi levado para o Terceiro Comar (Comando Aéreo Regional) pela Polícia da Aeronáutica e depois para a Base Aérea do Galeão, onde ficou preso até setembro daquele ano. Respondeu a um IPM (Inquérito Policial Militar) e foi absolvido. Mesmo assim, foi demitido do serviço público e teve seus direitos políticos suspensos por 10 anos.”

Antônio Carlos lembra que mesmo depois que o pai saiu da prisão, desempregado, a perseguição continuou: “De vez em quando, altas horas da noite ou de madrugada, um camburão da Polícia Civil, provavelmente do Dops, estacionava em frente à nossa casa com o motor ligado e acelerando, para assustar a família e a vizinhança. Diante dessas ameaças, meu pai teve que sair de casa. Como não tinha dinheiro, escondeu-se na Baixada Fluminense. Por segurança, não sabíamos o local exato.”

Segundo Antônio Carlos, depois que seu pai foi demitido a ditadura passou a pagar uma pensão a Dona Helena, que recebeu uma carteirinha com uma tarja vermelha onde se lia “viúva”. “Ela era viúva de marido vivo. Coisas da ditadura” – diz Antônio Carlos. “Essa pensão, inferior ao salário que ele recebia, foi paga até a data da anistia política, em agosto de 1979.”

Apesar das perseguições, Olympio nunca desistiu da militância na política e, mais tarde, no Movimento Negro, ao qual foi se dedicando cada vez mais. Em meados dos anos 70 frequentava as reuniões do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido Mendes. Levado por um amigo, passou a frequentar também o Instituto de Pesquisas da Cultura Negra, na Avenida Mem de Sá, na Lapa, onde se tornou um dos diretores.

RECONHECIMENTO EM VIDA

Com a anistia em 1979 e o retorno dos exilados políticos, o jornalista aproximou-se de Leonel Brizola e foi um dos fundadores do Partido Democrático Trabalhista (PDT). No começo de 1981 lançou o livro Negro: liberta-te! (Gráfica e Editora Itapuí), que reúne seus pensamentos sobre a causa que sempre defendeu. Naquela época, Olympio já era conhecido e respeitado por sua vida de lutas.

O lançamento do livro, na Câmara Municipal do Rio, atraiu grande número de pessoas do mundo artístico, acadêmico, da política e figuras históricas do Movimento Negro. Lá estavam, entre outros, o jornalista, escritor e dramaturgo Abdias Nascimento com sua mulher Elisa Larkin Nascimento, mestra em ciências sociais; a professora universitária Lélia Gonzalez; Januário Garcia, presidente do IPCN; o dirigente comunista e ex-senador Luiz Carlos Prestes, a atriz Zezé Motta e o compositor Zé Kéti.

No livro, o jornalista aborda uma questão que costumava defender com firmeza: para ele, ao contrário do que entendiam setores da esquerda, principalmente da esquerda marxista, o racismo não será superado apenas com uma sociedade mais justa, sem grandes diferenças de classes sociais. Trata-se de uma questão específica, que precisa ser combatida por um movimento igualmente específico e organizado, o Movimento Negro. Este fo um dos motivos que o fizeram se aproximar do PDT. Brizola e outros dirigentes do partido, segundo o jornalista, tinham a mesma visão que ele em relação à luta contra o racismo.

SEMINÁRIO TRABALHISTA NA ABI

Olympio escreve sobre o tema nas páginas 42 e 43 de seu livro. Lembra ter defendido essa tese no Primeiro Seminário de Estudos e Debates Trabalhistas do Rio de Janeiro, realizado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) de 24 a 25 de março de 1979. Ele relata que o evento reuniu mais de 200 delegados de vários pontos do país, e que foi convidado pelo jornalista e ex-deputado José Gomes Talarico (1915-2010), antigo associado de intensa atuação na ABI. Eis o relato de Olympio:

“Assim foi que, devidamente credenciado, compareci à sessão de instalação, na qual intervim para defender a necessidade de ser analisada e debatida a problemática dos negros (pretos e mestiços) no Brasil, que certos marxistas e outros pseudo-revolucionários, completamente desligados da realidade brasileira, afirmam ser apenas uma questão econômico-social relacionada com a luta de classes, nada tendo a ver com etnia ou raça. […] Foi com imensa alegria que vi ser aprovado pelo plenário, até sob aplausos, a inclusão da problemática do negro (pretos e mestiços), pela primeira vez na história, como ponto importante a ser inserido no programa de um partido político brasileiro.” (Olympio referia-se ao PTB, recriado em 1979. Mais tarde, na disputa pela sigla, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu vitória a Ivete Vargas e Brizola fundou o PDT, também com a participação de Olympio.)

Quando lançou seu livro na Câmara Municipal do Rio, em 1981, o jornalista estava se tratando de um câncer. Pouco depois, foi internado. Seu filho Antônio Carlos conta que mesmo doente, na cama do hospital, Olympio não parou de trabalhar. Com o entusiasmo de sempre, começou a escrever uma autobiografia, que não foi concluída e nem publicada porque a doença avançou e ele morreu no dia 2 de agosto de 1981.

Depois de sua morte foi inaugurado o Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Olympio Marques dos Santos, no bairro de Santíssimo, Zona Oeste do Rio. Uma homenagem

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 04/07/2024