Valorização do Dólar e Riqueza Americana

por Fernando Nogueira da Costa

No ranking global de riqueza do Credit Suisse 2019, estavam na ordem: Estados Unidos (US$ 105,99 trilhões ou 29%), China (US$ 63,83 trilhões ou 18%), Japão (US$ 24,99 trilhões ou 7%), Alemanha (US$ 14,66 trilhões ou 4%), Reino Unido (US$ 14,34 trilhões ou 4%), França (US$ 13,73 trilhões ou 4%), Índia (US$ 12,61 trilhões ou 3,5%), Itália (US$ 11,36 trilhões ou 3,5%), Canadá (US$ 8,57 trilhões ou 2%), Espanha (US$ 7,77 trilhões ou 2%). O Brasil com US$ 3,54 trilhões tinham 0,98%.

Os EUA continuavam sendo de longe o país mais rico do mundo. Entretanto, em conjunto, os países da Ásia tinha um patrimônio líquido maior diante o dos EUA: US$ 141,21 trilhões, ou cerca de 39% do total mundial.

A pobreza dos países subdesenvolvidos também era evidente. África e América Latina controlam apenas 1,14% e 2,75% da riqueza mundial, respectivamente.

Os EUA, a Europa e a China controlavam quantidades comparáveis ​​da riqueza mundial, indicando a importância das relações comerciais para a economia global.

Os pesquisadores dessa fonte, o Credit Suisse, definem riqueza ou patrimônio líquido como a soma total de todos os ativos financeiros menos quaisquer dívidas: é saldo ou estoque – e não fluxo. A metodologia pode ser contestada quanto a não considerar o valor de ativos intangíveis, como geografia ou patrimônio cultural.

Em fluxo de renda, no ranking dos 10 maiores PIBs, em 2023, o Brasil ficou em 9º. lugar com US$ 2,173 trilhões superando o Canadá. A Espanha ficou “de fora”.

As aparências enganam quando se utiliza o dólar como unidade padrão para comparações internacionais. De fato, quando se compara a renda média em dólares nominais, os estados mais pobres Estados Unidos (como Mississipi) aparecem como mais ricos diante muitos países desenvolvidos (como as maiores economias europeias e Japão). Isso revela uma distorção sistêmica na mensuração da desigualdade internacional mais bem compreendida ao se considerar a Paridade do Poder de Compra (PPC).

Há o problema da conversão nominal pelo câmbio de mercado. A taxa de câmbio nominal é influenciada por fatores financeiros e de curto prazo: políticas monetárias, paridade entre taxas de juros, risco-país, fluxo de capitais, entre outros. Isso gera supervalorização do dólar e aumenta artificialmente a renda dos EUA quando expressa em dólares nominais. Em consequência, há subvalorização das moedas de muitos países, inclusive o real, distorcendo a percepção da renda real de suas populações.

Assim, uma renda anual de US$ 27 mil no Mississippi pode parecer maior que uma de US$ 25 mil no Japão. Mas isso ignora o custo de vida real em cada país.

A PPC busca medir o poder de compra real de uma moeda, ou seja, quantos bens e serviços possíveis de serem adquiridos localmente com uma determinada renda. Se ajustarmos as rendas nacionais pela PPC, por exemplo, o Japão, com custo de vida mais elevado, mas preços relativamente mais baixos em vários serviços públicos (como saúde e transporte), sobe no ranking.

O Brasil, com moeda desvalorizada nominalmente, mas com preços mais baixos para bens e serviços locais, também aparece com maior poder de compra real diante o indicado pelas rendas em dólar: em 2023, sua renda per capita nominal de US$ 10.300 correspondia a US$ 19.083 em PPC. O Mississippi, mesmo com renda em dólar relativamente alta, enfrenta preços médios semelhantes ao restante dos EUA, reduzindo seu diferencial quando medido em PPC.

Simulação comparativa ilustrativa (valores aproximados, para 2023-2024)

Região / País Renda Média Anual Nominal (US$) Renda em PPC (US$) aprox. Observações
Mississippi (EUA) ~27.000 ~27.000 Dólar nominal = dólar PPC
Japão ~25.000 ~35.000 Custo de vida mais alto, iene subvalorizado
Alemanha ~28.000 ~38.000 Euro mais próximo da paridade, mas com alta carga tributária
Reino Unido ~30.000 ~39.000 Libra forte, mas custo de vida muito elevado
Brasil ~10.300 ~19.000 Real muito subvalorizado; poder de compra doméstico maior

Valores meramente ilustrativos com base em dados de PIB per capita ajustado por PPC e média salarial. Para precisão, consultar bases como o World Bank, IMF ou OECD.

Há implicações para análise macroeconômica. A PPC corrige a ilusão monetária internacional criada por taxas de câmbio capazes de refletirem dinâmicas financeiras mais diante as produtivas.

Reorganiza a hierarquia real entre países: muitos países centrais aparecem menos ricos, e periféricos, menos pobres como sugerem os dados nominais. Afeta a compreensão das desigualdades: um brasileiro médio talvez tenha acesso relativamente similar a certos bens e serviços comparado a um trabalhador médio no Mississippi, embora ganhe “menos” em dólares;

Isso revela o ganho norte-americano com a hegemonia monetária dos Estados Unidos. O dólar supervalorizado perpetua sua centralidade na economia global, mantendo a ilusão de riqueza superior mesmo em regiões economicamente deprimidas internamente.

Um indivíduo com patrimônio de R$ 6 milhões no Brasil — equivalente a aproximadamente US$ 1 milhão ao câmbio atual — pode desfrutar de um padrão de vida e status social superiores aos de um milionário em dólares nos Estados Unidos, especialmente quando se considera o custo de vida e o poder de compra locais. Esses 6 milhões de reais permitem acesso a imóveis de alto padrão, serviços domésticos, educação privada de excelência e lazer de luxo.

O custo de vida, embora elevado em grandes centros urbanos, é geralmente inferior ao dos EUA, especialmente em áreas como saúde e serviços pessoais. A presença de um número relativamente menor de milionários (em dólar) aumenta o status social desse indivíduo.

Nos Estados Unidos, US$ 1 milhão, embora seja uma meta inalcançável para muitos, pode não garantir o mesmo nível de conforto em áreas metropolitanas como Nova York ou San Francisco, onde o custo de vida é elevado. A concorrência por bens e serviços de luxo é maior, e o status de “milionário” é mais comum – existem cerca de 22 milhões –, diluindo o prestígio associado a essa condição.

Distribuição de milionários: Brasil e Estados Unidos

País Número de Milionários
(2023)
Percentual da
População Adulta
Estados Unidos 21.951.319 8,5%
Brasil 380.585 0,3%

Fontes: Capgemini, UBS, Credit Suisse

Segundo o UBS, em 2021, com a moeda nacional depreciada, o país tinha 293 mil pessoas com mais de 1 milhão de dólares. O número de milionários brasileiros saltou para 413 mil, em 2022, com maior apreciação do real diante o dólar. Em 2024, esse número certamente diminuiu pela depreciação da moeda nacional.

O contexto econômico e social de cada país influencia o padrão de vida e o status associados à riqueza. No Brasil, a escassez relativa de milionários e o custo de vida mais baixo permitem um patrimônio de R$ 6 milhões proporcionar um estilo de vida mais luxuoso e um status social mais elevado diante o mesmo valor em dólares nos Estados Unidos.


Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Baixe seus livros digitais em “Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: [email protected]

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Last Update: 24/04/2025