O portal norte-americano The Grayzone publicou uma extensa e documentada investigação jornalística que coloca o presidente do Equador, Daniel Noboa, no centro de um esquema internacional de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e controle estatal a serviço dos cartéis. A reportagem, conduzida com base em documentos, entrevistas e dados oficiais, revela um quadro de completa subordinação das instituições equatorianas ao narcotráfico — em especial ao que a matéria chama de “máfia exportadora”.

O jornalista Andrés Durán, autor da investigação e atualmente exilado após receber ameaças de morte, aponta que ao menos 1.751 quilos de cocaína foram apreendidos, entre 2020 e 2025, em contêineres ligados direta ou indiretamente à Noboa Trading S.A., empresa da família do presidente. As apreensões ocorreram em portos do Equador, Itália, Croácia e Turquia, tendo como origem os carregamentos de bananas exportadas por empresas do Grupo Noboa, conglomerado empresarial que inclui, entre outras, Bonita Banana, Nobexport S.A. e Vinazín S.A.

O negócio do tráfico: banana, dólar e cocaína

A reportagem mostra que o Equador, desde a sua dolarização em 2000, tornou-se altamente vulnerável à penetração do capital do narcotráfico. A necessidade de dólares em espécie para sustentar a economia — já que o país não possui soberania monetária — cria um incentivo estrutural para que o dinheiro das drogas circule e seja reinserido no sistema bancário nacional. Como explica Durán, “não é possível comprar drogas com cartão de crédito”: o narcotráfico exige liquidez, e os governos — frágeis, desindustrializados e dependentes — acabam se tornando facilitadores dessa engrenagem.

O porto de Guayaquil, principal ponto de saída das exportações do país, é descrito como “uma peneira”. Em 2023, o orçamento da Unidade de Inteligência de Portos e Aeroportos da Polícia Nacional foi de míseros US$5.677, um valor que mal cobre o custo operacional de um único contêiner. Guayaquil movimenta cerca de 325 mil contêineres de banana por ano, e apenas 10% são inspecionados. Em outras palavras, o sistema é desenhado para não ver.

Entre os episódios mais escandalosos está o uso de contêineres refrigerados que, como apontado por Durán, possuem registradores de temperatura que deveriam registrar qualquer abertura indevida — o que não foi verificado em nenhuma das ocorrências. Além disso, os caminhões que transportam os contêineres possuem GPS, mas nenhum registro de paradas foi analisado. Noboa, dono das fazendas, caminhões, armazéns e do terminal de contêineres Blasti S.A., tinha controle total da cadeia — e nenhuma fiscalização foi feita.

A confissão pública e os vínculos diretos

Durante o debate presidencial de 2023, a então candidata Luisa González questionou Daniel Noboa sobre as apreensões de cocaína nos contêineres da Noboa Trading. A resposta do presidente, transmitida ao vivo, foi: “não sou o dono, mas membros da minha família são”. A fala, interpretada por Durán como uma confissão, confirmou os vínculos investigados havia anos por jornalistas independentes.

O grupo empresarial é operado por meio da holding panamenha Lanfranco Holdings S.A., da qual Noboa e seu irmão detêm 51% das ações, segundo revelou a Agência Pública do Brasil. A holding controla dezenas de empresas no Equador, utilizadas para ocultar patrimônio e escapar de tributações — o próprio presidente deve US$89 milhões em impostos ao Estado equatoriano.

Além disso, Noboa nomeou seu assessor direto e atual ministro da Saúde, Edgar Lama Von Buchwald, como advogado de defesa do único acusado nos três casos de apreensão: José Luis Rivera Baquerizo, representante legal da Noboa Trading. O processo foi encerrado após o procurador do Estado, Julio Sánchez, se recusar a apresentar denúncia formal — apesar de estar vinculado à gangue Los Choneros, uma das mais poderosas do país.

Outro nome-chave é María Beatriz Moreno Heredia, presidente do partido do presidente (ADN) e gerente de diversas empresas do Grupo Noboa. Em 2024, ela foi presa com 1,3 tonelada de cocaína, mas foi solta na mesma noite. Seu nome chegou a ser removido dos sistemas da Procuradoria e só reapareceu após protestos públicos.

Assassinato de Villavicencio: crime político?

A reportagem do Grayzone aponta também para uma possível articulação do Estado equatoriano no assassinato do jornalista e candidato presidencial Fernando Villavicencio, ocorrido em agosto de 2023. Embora a autoria tenha sido reivindicada pela gangue Los Lobos, vinculada ao cartel de Jalisco (México) e à máfia dos Bálcãs, os fatos levantam suspeitas de envolvimento estatal:

  • A escolta de Villavicencio o conduziu pela entrada da frente, mesmo após ameaças prévias, e ignorou o plano de segurança que previa sua saída por uma entrada lateral.
  • O carro blindado do candidato estava com apenas dois seguranças e ele foi colocado no veículo sozinho.
  • Um dos disparos foi feito a poucos metros da escolta.
  • Os seis supostos executores do crime foram mortos posteriormente dentro da prisão.

Com a morte de Villavicencio, Noboa ganhou espaço na corrida eleitoral e se elegeu presidente em novembro de 2023. O principal projeto do jornalista era justamente militarizar os portos e construir um presídio de segurança máxima — medida que confrontava diretamente os interesses das redes de tráfico.

A “guerra às gangues” e o teatro repressivo

Pouco após assumir o poder, Noboa declarou uma “guerra às gangues” que incluiu operações midiáticas como a ocupação da emissora TC Televisión, em janeiro de 2024. A propaganda do governo serviu para justificar a intensificação do aparato repressivo — mas, como observa Durán, essa repressão foi seletiva: nenhuma medida foi tomada contra os grandes cartéis, como o CJNG, o Sinaloa ou os bálcãs.

O alvo são os pequenos grupos marginais, enquanto o sistema de lavagem de dinheiro e exportação de drogas permanece intacto. O “inimigo interno” não é o cartel, mas o povo equatoriano empobrecido e os setores políticos que se opõem ao regime.

O papel dos EUA e a atuação da procuradora

No centro do esquema, está a procuradora-geral Diana Salazar, cuja atuação foi exposta em chats vazados, divulgados pelo próprio Grayzone. As mensagens mostram Salazar operando diretamente com agentes da embaixada norte-americana, protegendo aliados dos governos Lasso e Noboa e perseguindo opositores. Um dos diálogos revela a Procuradoria manipulando processos para favorecer figuras do regime.

A embaixada dos EUA, por sua vez, está diretamente implicada na sustentação desse sistema. O próprio embaixador Michael Fitzpatrick reconheceu, publicamente, a existência de “narcogenerais, narcoprocuradores e narcogovernadores” no país — sem que qualquer investigação fosse aberta. O Departamento de Estado norte-americano, inclusive após alertas de congressistas, jamais tomou medidas concretas.

A expansão do cartel: banana, mineração, bancos

A reportagem ainda revela que Dritan Gjika, mafioso albanês com alerta vermelho da Interpol, construiu uma rede de 71 empresas no Equador, operando nos setores de construção, agricultura, mineração e exportação. Apesar de foragido desde 2022, suas empresas seguem funcionando.

Essas redes também controlam bancos, como o Banco de Guayaquil, do ex-presidente Lasso, e o Banco Litoral, da família Noboa. Os laços entre o setor financeiro e os cartéis são tratados abertamente na investigação — como no escândalo do banco norte-americano Wachovia, que em 2008 foi acusado de lavar US$378 bilhões do tráfico de drogas e recebeu apenas uma multa simbólica.

A impunidade como método e a engrenagem imperialista

As apreensões de cocaína em contêineres da Noboa Trading representam apenas uma pequena fração do que circula pelos portos do Equador. Estima-se que em 2024 circularam 80 toneladas de cocaína por esses canais — e que apenas uma em cada 500 cargas é fiscalizada. Mesmo assim, os casos mais evidentes, como os ligados à família presidencial, são todos arquivados sem investigação.

O jornalista Andrés Durán, após revelar os vínculos do regime com o crime organizado, foi removido do sistema de proteção estatal às vésperas do primeiro turno das eleições. Sofreu perseguição judicial de membros da gangue Los Choneros e recebeu ameaças diretas da máfia albanesa. Mesmo assim, sua denúncia permanece: “o Equador é hoje um Estado governado por traficantes, onde o aparato judicial e repressivo age não para combater, mas para proteger os interesses do tráfico”.

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Last Update: 24/04/2025