A suspensão abrupta das operações da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), determinada pelo governo de Donald Trump no início de 2025, trouxe à tona um dos mais bem articulados e dissimulados esquemas de propaganda imperialista da história contemporânea. Um sistema global, responsável pelo financiamento de milhares de jornalistas, veículos e projetos de comunicação em quase todos os países do mundo, foi abalado de cima a baixo. Os efeitos foram imediatos e escandalosos, expondo uma rede internacional de manipulação ideológica montada ao longo de décadas pelos Estados Unidos, sob o pretexto de fomentar “a democracia” e a “liberdade de imprensa”.

Com o fechamento do sítio oficial e das redes sociais da agência, e sua possível incorporação ao Departamento de Estado comandado por Marco Rubio, a USAID entra em colapso e arrasta com ela mais de mil veículos e organizações de “jornalismo independente” que, sem aviso prévio, perderam seu sustento. A crise revela o verdadeiro papel dessa agência: não se tratava de uma instituição de ajuda humanitária, como alegava a propaganda oficial, mas sim de uma peça-chave na engrenagem de dominação do imperialismo norte-americano.

Uma rede internacional de manipulação ideológica

De acordo com a investigação conduzida pelo jornalista Alan MacLeod e publicada pelo portal MintPressNews, a USAID destinava mais de US$250 milhões por ano para financiar uma gigantesca estrutura de comunicação mundial. A agência sustentava diretamente mais de 6.200 jornalistas vinculados a cerca de mil organizações de imprensa espalhadas por todo o planeta.

Com a torneira fechada, a fragilidade da farsa ficou evidente. Na Ucrânia, Oksana Romanyuk, diretora do Instituto de Informação em Massa, revelou que quase 90% da imprensa do país é financiada pela USAID. A diretora do Kyiv Independent, Olga Rudenko, chegou a declarar que o corte de recursos representa uma ameaça maior que a pandemia de COVID-19 e a guerra com a Rússia. O veículo, desmascarado anteriormente pelo próprio MintPressNews como fachada do Departamento de Estado norte-americano, apelou para seus leitores em busca de doações para sobreviver.

Outros grandes veículos ucranianos como Hromadske e Bihus.Info também lançaram campanhas públicas de arrecadação. Na prática, foi a confissão de que essas organizações eram sustentadas integralmente pelo imperialismo, e que sem o financiamento norte-americano, não passam de estruturas artificiais.

Cuba, Nicarágua, Irã, Bielorrússia: os bastiões do “jornalismo independente” desabam

O sítio CubaNet, baseado em Miami, recebeu meio milhão de dólares da USAID somente no último ano, destinados à produção de conteúdo supostamente “objetivo e não censurado”. No entanto, como denuncia o MintPress, o sítio é abertamente anticomunista, alinhado com os setores mais reacionários do exílio cubano. Com a suspensão da verba, publicou editorial apelando para os leitores: “estamos diante de um desafio inesperado: a suspensão de um financiamento chave”.

Outro portal notoriamente imperialista, o Diario de Cuba, sediado em Madri, também está à beira da falência. Seu diretor, Pablo Díaz Espí, reclamou publicamente da suspensão da ajuda e pediu assinaturas pagas para manter o funcionamento. A dependência desses veículos, formados para atacar a Revolução Cubana, mostra que o governo dos EUA nunca deixou de financiar ativamente a sabotagem ideológica contra a ilha.

Na Nicarágua, o site Nicaragua Investiga denunciou o corte como um “sério golpe”, admitindo que depende quase inteiramente do apoio técnico e financeiro de instituições como a USAID. O mesmo se aplica a diversos outros países latino-americanos. Na Geórgia, o Georgia Today afirmou que a USAID seria um “pilar da democracia” no país desde sua independência, e previu o fechamento imediato de organizações inteiras.

Na Bielorrússia, 60% do orçamento de vinte dos principais veículos de comunicação provinha diretamente dos Estados Unidos. No Irã, mais de 30 organizações realizaram reuniões emergenciais. Em Mianmar, 200 jornalistas foram demitidos.

Uma farsa com o selo da “imprensa livre”

Mesmo diante do colapso, a imprensa capitalista internacional continuou chamando esses veículos de “independentes”. O Financial Times lamentou a situação das “mídias independentes” na ex-URSS. The Guardian afirmou que “organizações jornalísticas independentes estão fechando as portas”. O Washington Post e até a ONG Repórteres Sem Fronteiras repetiram o mesmo discurso.

Mas a própria fala dos dirigentes dessas instituições desmente isso. Leila Bicakcic, do Centro de Jornalismo Investigativo da Bósnia, afirmou em vídeo: “se você é financiado pelo governo dos EUA, há certos assuntos que simplesmente não pode tratar, porque os interesses do governo dos EUA estão acima de tudo”. Em outras palavras: trata-se de uma imprensa a serviço direto do imperialismo.

Guerra contra a imprensa alternativa

A ofensiva não se limita ao financiamento de aliados. A USAID também desenvolve políticas de censura e sabotagem direta contra redes que contrariam a linha oficial do imperialismo. Um relatório secreto de 97 páginas, obtido por meio da Lei de Acesso à Informação, revela que a agência trabalha para suprimir conteúdos em plataformas como Twitch, Reddit, Discord, Twitter, Facebook e 4chan.

A justificativa? Combater a “malinformation” — informação verdadeira, mas inconveniente para os EUA. A metodologia inclui o “advertiser outreach”, ou seja, pressão direta sobre anunciantes para sufocar economicamente veículos dissidentes. Além disso, propõe estratégias de “prebunking”, isto é, desacreditar previamente possíveis denúncias contra o governo dos EUA antes que circulem.

O alvo principal, segundo o relatório, não são China ou Rússia, mas a própria população dos EUA e os seus aliados.

Um histórico de golpes, torturas e genocídios

Desde sua fundação em 1961, em plena Guerra Fria, a USAID operou como instrumento da CIA para sufocar revoluções e destruir governos nacionalistas e socialistas. No golpe de 2002 contra Hugo Chávez, a USAID foi uma das principais financiadoras da tentativa de derrubada. Continuou apoiando Juan  Guaidó, e até mesmo coordenou a farsa do envio de caminhões de “ajuda humanitária” em 2019 — que os próprios golpistas incendiaram para incriminar o governo venezuelano.

Em Cuba, desenvolveu o aplicativo Zunzuneo, uma espécie de Twitter controlado pela CIA, criado para cooptar usuários e levá-los à mobilização contra o governo. Também criou oficinas de prevenção de HIV como fachada para recrutamento de espiões.

Nos anos 1970, o agente da USAID Dan Mitrione ensinou técnicas de tortura a ditaduras da América do Sul. Em suas “aulas”, utilizava mendigos sequestrados como cobaias humanas. No Peru, financiou diretamente o programa de esterilização forçada promovido por Fujimori, responsável por 300 mil índias vitimadas — um verdadeiro genocídio.

Em 1973, o próprio Henry Kissinger admitiu que a USAID servia como fachada para operações da CIA. Em carta ao senador Edward Kennedy, o então Secretário de Estado deixou claro que a agência operava como plataforma de infiltração e espionagem, inclusive com programas de “treinamento policial” que tinham como função principal colocar agentes do imperialismo dentro das forças de repressão locais.

O império ideológico da burguesia

A destruição da USAID, embora temporária, permite revelar com clareza a engrenagem da propaganda imperialista. Como destacou o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, as instituições da sociedade civil autêntica foram destruídas ou cooptadas pelo imperialismo. O que resta são ONGs, fundações e think tanks que se apresentam como neutros, mas atuam como braços operacionais de interesses estrangeiros.

Musk, ao justificar o fechamento da agência, classificou-a como um “ninho de marxistas radicais” — uma acusação risível que apenas reforça a confusão generalizada sobre o papel dessas organizações. O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, foi mais direto:

“A maioria desses fundos vai para protestos, ONGs e grupos de oposição, não para ajudar o povo”.

O presidente colombiano Gustavo Petro também rejeitou os recursos, dizendo: “levando embora esse dinheiro, levem também o veneno”.

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Last Update: 24/04/2025