A esquerda vive uma crise total no Brasil. Antes, “esquerda” era uma referência contra o sistema político instituído, propondo mudanças sociais e políticas significativas, mas hoje ela é a força política com representação parlamentar mais pró-sistema que existe. O principal programa dessa tal esquerda hoje em dia é a “defesa das instituições” aliada à “defesa da democracia”, de forma abstrata. Essa defesa é não só contraditória como também fadada ao fracasso.
Comecemos analisando o resultado desse programa da maior parte da esquerda: o crescimento do bolsonarismo. Entre 2018 e 2022, Bolsonaro não só aumentou a sua votação em quase 500 mil votos, como conseguiu formar um movimento bem-organizado que ele consegue mobilizar mesmo não estando na presidência – o bolsonarismo. Enquanto Bolsonaro consegue fazer ao menos um ato todo ano com dezenas milhares de pessoas comparecendo, a esquerda mal consegue juntar seis mil pessoas para seus atos, sendo o ápice do ridículo o ato do dia primeiro de maio de 2024 que, mesmo com a presença do presidente Lula, angariou menos de duas mil pessoas.
Enquanto Lula não consegue indicar novas lideranças e insiste em tentar emplacar Fernando Haddad e Guilherme Boulos como seus possíveis sucessores, surgem candidatos bolsonaristas com potencial eleitoral o tempo todo. Vejam o caso de Pablo Marçal, que saiu de ilustre desconhecido para quase disputar o segundo turno das eleições à prefeitura de São Paulo em 2024, conseguindo quase 1 milhão e 800 mil votos. Marçal não é um fenômeno isolado, pois nas eleições de 2024, o partido de Bolsonaro (PL) foi o que mais recebeu votos nas disputas para prefeito em todo o país, consagrando o ex-presidente como a força política mais influente nessa eleição.
É fácil identificar o motivo para o fracasso da esquerda e o sucesso do bolsonarismo: a esquerda tem como pauta única “defender a democracia” e as “instituições”, enquanto o bolsonarismo se coloca claramente com uma retórica antissistema. É evidente que o caráter antissistema do bolsonarismo é apenas retórico, pois quando ele esteve na presidência trabalhou ativamente para beneficiar a classe dominante, vendendo empresas públicas de interesse nacional como a Eletrobrás, congelando o salário mínimo e permitindo que os Estados Unidos abrissem bases militares no Brasil. Entretanto, o motivo pelo qual essa conversa mole tem tanto sucesso é porque a esquerda não se contrapõe ativamente a isso. Pelo contrário, ela apenas repete como um papagaio os chavões pró-sistema como “defesa de democracia” e “defesa das instituições”.
Quem vai se colocar em defesa de uma democracia que mantém mais de 600 mil pessoas presas no país? Quem vai se colocar em defesa de instituições que permitem penhorar o salário das pessoas na fonte para pagar dívidas aos bancos? Quem vai defender uma democracia onde quem é eleito geralmente é apenas quem recebe milhões de reais para sua campanha? A resposta é ninguém, pois isso não é democracia, é apenas uma farsa.
A esquerda precisa parar de defender a democracia de forma abstrata e buscar defender um programa que realmente beneficie a população. Precisamos voltar às reivindicações marxistas clássicas, tanto através de um programa de transição da ordem capitalista (englobando medidas como estatização dos bancos, implementação de um programa de desenvolvimento das forças produtivas, valorização salarial), como através de um programa revolucionário, defendendo expropriação dos latifúndios, expropriação dos imóveis usados para especulação, controle operário das fábricas e planejamento estatal da economia.
Enquanto não oferecermos uma alternativa concreta à realidade que está posta com um programa sério de mudanças sociais, estaremos condenados ao fracasso. Com isso, reforça-se a realidade de que, hoje em dia, é muito mais comum que alguém revoltado com o sistema se alinhe à extrema-direita do que à esquerda.